domingo, 13 de agosto de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade e a vossa salvação nos concedei!(Sl 84)

Primeira Leitura (1Rs 19,9a.11-13a) - Segunda Leitura (Rm 9,1-5)  -  Evangelho (Mt 14,22-33)

 13/08/2023 - Décimo Nono Domingo do Tempo Comum

38. 'VEM!'(JESUS ANDANDO SOBRE AS ÁGUAS)


Jesus, antes de despedir a multidão às margens do mar de Tiberíades, ordena aos apóstolos que entrem na barca e façam sozinhos a travessia para a outra margem. Aquele que, momentos antes, fizera a multiplicação dos pães e dos peixes, não se comprazia com o ardor da turba admirada pelo extraordinário milagre, mas refém de um messianismo enganoso e deturpado. Esse mesmo brilho enganoso poderia ter perpassado nos olhos de alguns de seus discípulos. Jesus, ciente destes desvios e interpretações ruinosas, liberta-se dos homens e se isola em oração fervorosíssima em lugar isolado, muito provavelmente para pedir e suplicar ao Pai o pleno cumprimento de sua missão salvífica e redentora, muito além das comoções humanas.

Então, já noite alta, os apóstolos sentiram medo e aflição, sozinhos na barca que se agitava perigosamente nas águas revoltas pelos ventos impetuosos. E o medo se transformou em terror quando julgaram ver um fantasma andando sobre as águas, em direção à barca. Jesus se revelou, então, a eles: 'Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!' (Mt 14, 27). Mas a incerteza e a desconfiança ainda imperavam naquela barca à mercê dos ventos, expressas pelo grito de Pedro: 'Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água' (Mt 14, 28). Ao que Jesus respondeu: 'Vem!' (Mt 14, 28).

'Vem!' Eis o chamado de Jesus a Pedro, aos seus discípulos, a cada um de nós. Ir ao encontro de Jesus, e em Jesus colocar toda a nossa confiança e certeza, é o caminho da plenitude da graça. Ir ao encontro de Jesus, quaisquer que sejam os obstáculos, as provações e as tempestades do mundo, mesmo que pareça que estamos despojados de tudo e de todos, ainda que se tenha de andar sobre as águas de um mar tenebroso. Basta-nos a fé. A fé que faltou, então, a Pedro, quando distanciou o seu olhar do Senhor e se fixou nas marolas do mundo, afundando-se no mar. Mas 'Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 3'). E subiram ambos ao barco.

A frágil embarcação no meio do nada e em completa escuridão é agora o templo de Deus: 'Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!' (Mt 14, 33). Jesus está junto aos seus discípulos, e lhes dá a sua paz. Paz que faz serenar os ventos e as águas, paz que afasta os temores e aflições, paz que inunda os corações da graça divina. Paz que nos foi legada também como desígnio de salvação; tesouro que se encontra quando, na inquietude dos conflitos e incertezas do mundo, somos passageiros da grande Barca (Santa Igreja) que ruma confiante ao encontro do Senhor que Vem.

sábado, 12 de agosto de 2023

O VALOR INFINITO DA SANTA MISSA

Nossos pais, Adão e Eva, desobedeceram o preceito de Deus e se rebelaram enganados por Satanás, que lhes disse: 'Tomai e comei e sereis como deuses'. O homem, quando peca, se rebela contra Deus e diz com as suas obras: Non serviam - Não servirei. Despreza a Deus, que é o seu Senhor e Pai. Deste desprezo se queixa muito sentidamente este bom Pai, dizendo por um profeta: 'criei filhos e os fiz crescer e eles me desprezaram' (Is 1,92).

... O corpo, mais ou menos cedo, morrerá, mas depois ressuscitará por Cristo, que ressuscitará tudo. A alma daquele que peca mortalmente sofre duas mortes: a primeira é a privação da graça e a segunda a privação da glória do céu, a condenação da pena e sepultura eterna do inferno; da primeira morte se pode ressuscitar pelos méritos de Jesus Cristo, mas da segunda não, porque in inferno nulla est redemptio - não existe nenhuma redenção no inferno.

Como Deus é tão bom, não quer a morte do pecador, mas que ressuscite da primeira morte; para isto e para que não caia na segunda morte, aí está o sacrifício. Quem oferece sacrifício coloca os seus pecados sobre a vítima e esta deve morrer ou ficar destruída por eles e depois o oferente deve comer da vítima para participar dos seus méritos: eis aqui o porquê da missa e comunhão. E o concílio de Trento deseja que em todas as missas os fiéis que a assistem nelas também comunguem.

O pecado é de uma malícia infinita pela razão do objeto ofendido, que é Deus e, por isso, só um Deus feito homem podia dar uma digna satisfação à divina justiça. Esta digna satisfação a deu Jesus Cristo uma vez no Calvário, morrendo em uma cruz por todos; mas depois é preciso que se faça em particular esta aplicação, como se faz na santa missa, segundo mandato de Jesus Cristo, dizendo: Hoc facite in meam commemorationem - fazei isto em minha memória. E como as pessoas irão se sucedendo e continuando até a consumação dos séculos, assim também continuará este sacrifício até a consumação dos séculos, segundo a promessa do mesmo Jesus Cristo com estas palavras: 'Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos  (Mt 28,20).

Por meio do que se disse até aqui, depreende-se quais as razões pelas quais se deve continuar este santo sacrifício da missa até o fim do mundo e a obrigação que têm os cristãos de assistir a ele a fim de participar dos seus méritos. Mas como de algum tempo para cá vejo que alguns cristãos facilmente se dispensam de assistir a missa, não obstante o preceito determinante da Igreja, nossa Mãe, me vejo na obrigação de explicar-lhe a razão; e o motivo é que o vírus protestante infiltrou no coração destas pessoas. 

... Realmente não se é de estranhar isto, porque o protestantismo não foi nem é atualmente outra coisa que uma violenta explosão de todas as paixões rancorosas contra a Igreja católica, apostólica, romana e como os mistérios do amor não podem associar-se com os sistemas inventados pelo ódio, do mesmo modo o homem carnal não pode perceber nem entender as coisas espirituais; eis aqui por que razão os protestantes não têm missa e nem os filósofos carnais têm apreço por ela e, por fim, alguns cristãos já não assistem a santa missa porque são cristãos apenas carnais e contagiados pelos protestantes.

... Assistamos nós o santo sacrifício da missa, não só nos domingos e festas e dias de preceito, por ser um dever, mas também nos demais dias por devoção. Devemos oferecer este santo sacrifício a Deus não só para dar-lhe satisfação de nossas faltas, culpas e pecados, mas também em reconhecimento do seu supremo domínio sobre nós e em testemunho dos benefícios e graças que Ele nos dispensa continuamente, pois tudo o que temos dele recebemos; e em agradecimento por tantas graças recebidas, devemos assistir este sacrifício que o mesmo Jesus Cristo oferece ao eterno Pai por nós. Ele é a principal oferenda e a vítima oferecida. Jesus Cristo é o advogado que temos no céu com Deus Pai, que intercede por nós, como diz São João. E, além disso, o temos sobre o altar, sempre intercedendo por nós, como assegura São Paulo.

Certamente que não basta, nem é suficiente, cumprirmos, como bons cristãos, o mandato da assistência à santa missa e da comunhão nela para fazer-nos mais participantes dos méritos de Jesus Cristo; é, além disso, indispensável que sejamos sacerdotes ou sacrificadores, não só na missa, juntamente com Jesus Cristo, sacrificador invisível e o sacerdote, sacrificador visível, devemos oferecer-nos também a nós mesmos como vítimas para a glória de Deus e em satisfação das nossas culpas e pecados. Os maus não são contados por Deus como sacerdotes, nem seu sacrifício pode ser aceito e agradável, por não ser sacrifício de justiça, que é o único que pode ser aceito.

Este sacrifício que fazem de si os bons é muito agradável aos olhos de Deus e muito satisfatório por suas faltas e as da nação inteira, como se lê na sagrada Escritura. Disse um dos mártires macabeus: 'Eu entrego meu corpo e minha vida à morte. Sobre mim e meus irmãos se acalmará a justa indignação do Onipotente, que está irritado contra nossa nação' (2Mc 7,37‑38). E, com efeito, assim foi; por meio do sacrifício destes mártires, a ira se mudou em misericórdia: Ira enim Domini in misericordiam conversa est  (2Mc 8,5).

Sobre aquelas palavras do Apóstolo aos colossenses: 'Eu que no presente me alegro por saber que padeço por vós e por saber que estou sofrendo em minha carne o que falta na paixão de Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol do seu corpo místico, que é a Igreja' (Col 1,24), dizem os expositores que os méritos de Jesus Cristo são de infinito valor em si mesmos e suficientes para redimir milhares de mundos; mas o eterno Pai não os aceitou senão com a condição de que os homens façam a sua parte nesta paixão para poder gozar do seu fruto; isto é, devemos cooperar ouvindo a santa missa, recebendo a sagrada comunhão, fazendo oração, sofrendo com mansidão e paciência as calúnias, penas e trabalhos, mortificando as paixões e sentidos e oferecer tudo a Deus.

Mas singularmente nas calamidades públicas, nas que padecem os inocentes o mesmo que os culpados, e talvez mais, se cumpre assim a condição e vontade do Pai celestial. Os culpados padecem como réus e, se depois deste castigo não se convertem, é para eles motivo de maior ruína e condenação. Mas os bons, sofrendo com paciência e resignação, se purificam ainda mais de suas imperfeições e crescem na virtude, de modo que se fazem mais agradáveis aos olhos de Deus e, com as suas penas bem sofridas, dão cumprimento ao que por decreto divino faltava à paixão de Jesus Cristo. Assim é como se acalma a divina justiça e se alcançam as divinas misericórdias. Em prova desta verdade basta ler as sagradas Escrituras e a história eclesiástica. Quantas vezes nações inteiras foram perdoadas pela penitência, paciência e oração dos bons! Quantos bens, graças e conversões não alcançaram as penas e o sangue dos mártires!

Na verdade, não seria contra a razão dizer que o inocente, o santo por excelência, padeça e morra para salvar os pecadores e que a multidão dos pecadores não sofra nada? Desta multidão de pecadores, uns são maus, perdidos e obstinados e outros são pecadores justificados ou que devem ser purificados. Padecer dos males não serve para acalmar e satisfazer a divina justiça, antes a provocam mais com as maldições e blasfêmias que os pecadores vomitam e com os pecados de toda sorte que cometem; mas os pecadores justificados, pela graça estão unidos a Deus, seus sofrimentos e méritos estão unidos com os de Jesus Cristo. Por isso, todos os bons são chamados às penas e sofrimentos, como diz São Paulo: 'que todos aqueles que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições, mais ou menos segundo seus progressos na perfeição' (2Tim 3,12). Isto diz Cornélio à Lápide, quando fala das penas de Maria Santíssima ao pé da cruz que, quanto mais santa é uma alma e mais perto de Cristo está, tanto mais Jesus Cristo lhe oferece o cálice da sua paixão.

Mas devemos nos animar muito por pensar que, se com Cristo padecemos sobre a terra, com Ele mesmo reinaremos no céu; e devem ser para nós de grande consolo aquelas palavras que o Arcanjo São Rafael disse a Tobias: 'Porque és agradável aos olhos de Deus, foi necessário que a tentação te provasse' (Tb 12,13). Alegremo-nos, pois, em meio às penas, ao ver que somos dignos de sofrer algo por amor divino, por nossos defeitos, para juntar méritos para o céu e para satisfazer pelas faltas, culpas e pecados dos nossos irmãos e poder assim alcançar para eles a misericórdia, a graça e a glória. Este é o sacrifício que de nós mesmos devemos oferecer ao eterno Pai, juntamente com os méritos de Jesus Cristo, de Maria Santíssima, dos santos do céu e dos justos da terra.

(Santo Antônio Maria Claret)

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

PALAVRAS ETERNAS (XVIII)


Há quem busque o saber por si mesmo, conhecer por conhecer: 
é uma indigna curiosidade.

Há quem busque o saber só para poder exibir-se: 
é uma indigna vaidade. 

Há quem busque o saber para vendê-lo por dinheiro ou por honras: 
é um indigno tráfico.

Mas há quem busque o saber para se edificar, 
e isto é prudência.

E há quem busque o saber para edificar os outros, 
e isto é amor. 

(São Bernardo de Claraval)

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

O NOSSO MAIOR INIMIGO

O que é mais importante do que saber que este nosso corpo é o maior opositor e inimigo que temos? Inimigo mortal, o maior traidor que jamais se viu, que anda buscando a morte, e morte eterna, a quem lhe dá de comer e tudo de que necessita; que por ter ele um pouco de prazer, não teme em nada ultrajar a Deus e jogar alma e corpo no inferno, para sempre... Quantas vezes vos tem posto no inferno esse vosso inimigo? Quantas vezes vos tem feito ofender a Infinita Bondade? De quantos bens espirituais vos há privado? Quantas vezes põe vossa salvação em perigo a cada hora? Pois quem não se indignará e tomará uma coragem santa contra quem tantos males lhe faz, de tantos bens lhe priva e em tantos perigos lhe põe a cada momento?

Se detestamos ao demônio e lhe temos por capital inimigo pela guerra e dano que que nos faz, maior inimigo é nossa carne, porque ela nos faz mais cruel e mais contínua guerra, e muito pouco poderiam os demônios, se não tivessem por eles esta carne e sensualidade para fazer-nos guerra com ela. Isto fazia aos santos ter este ódio e aborrecimento contra si mesmos; e daí nascia neles um espírito grande de mortificação e penitência para vingar-se deste seu inimigo, e trazê-lo sujeito e rendido, e andar sempre com temor de dar algum contento e conforto ao seu corpo, parecendo-lhes que isso era ajudar e dar armas a seu inimigo, para que obrasse brios e forças para lhes fazer mal.

Diz Santo Agostinho: 'Não ajudemos nem demos forças a nossa carne, para que não faça guerra contra o espírito' (De salutaribus monitis, c. 35), mas procuremos castigá-la e mortificá-la para que não se rebele, porque, como diz o Sábio (Pv 29, 21): 'aquele que delicadamente cria o seu servo desde sua primeira idade, depois o achará rebelde e contumaz'.

Andavam aqueles santos monges antigos com tão grande cuidado neste exercício, procurando mortificar e diminuir as forças a este inimigo, que quando outros meios não bastavam, realizavam trabalhos corporais muito excessivos para domar e quebrantar seu corpo, como conta Paládio de um monge que era muito fatigado de pensamentos de vaidade e soberba, e não podendo afastá-los de si, resolveu tomar uma pá e passar um grande montão de terra de uma parte a outra. Perguntavam-lhe: 'Que fazeis?' Ao que respondia: 'Atormento e fatigo a quem me fatiga e atormenta; vingo-me de meu inimigo'. O mesmo se diz de São Macário em sua Vida; e de São Doroteu conta-se que fazia grande penitência e afligia muito ao seu corpo e, uma vez, vendo-lhe outro tão torturado, disse-lhe: 'Por que atormentas tanto o teu corpo?' Respondeu: 'Porque mata ele a mim'.

O glorioso São Bernardo, incendido em um ódio e coragem santa contra seu corpo, como contra seu inimigo capital, dizia: 'Levante-se Deus em nossa ajuda, e seja destruído este inimigo, menosprezador de Deus, amador do mundo e de si mesmo, servo e escravo do demônio. Por certo, se tendes bom sentir, que digais comigo: Bem merece a morte! morra o traidor! coloquem-no no madeiro, crucifiquem-no!'. Pois com estes brios e zelos nós temos que empenhar, mortificando nossa carne e sujeitando-a para que não se rebele, e arraste após si o espírito e a razão e tanto mais que, vencido este inimigo, ficará também o demônio vencido. Assim como os demônios nos fazem guerra e nos procuram vencer por meio de nossa carne, assim nós havemos de fazer guerra aos demônios e vencê-los, mortificando-a e contradizendo-a.

Nota isto muito bem Santo Agostinho quando ratificando as palavras do Apóstolo: 'Não luto eu contra o demônio como quem dá golpes no ar e briga com fantasmas, porque isso é inútil, senão que castigo e mortifico minha carne, e procuro trazê-la sujeita e rendida (I Cor 9, 20), complementa: 'castigai vossa carne, mortificai as vossas paixões e más inclinações e, dessa maneira, vencereis os demônios, porque assim nos ensina o Apóstolo a pelejar contra eles'.

Como um capitão em combate põe na masmorra e deixa preso em ferros o mouro que tem cativo, para que não se levante contra ele e ajude os seus inimigos, façamos nós o mesmo, sujeitando e mortificando nossa carne, para que não se junte ao bando dos nossos inimigos.

(Excertos da obra 'Exercício de Perfeição e Virtudes Cristãs', do Pe. Alonso Rodríguez)

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXI)

Capítulo LXI

Alívio às Santas Almas pelo Santo Sacrifício da Missa - Santa Teresa e Bernardino de Mendoza - Número de Missas x Pompas das Exéquias

Concluamos o que dissemos sobre o Santo Sacrifício com as palavras que Santa Teresa relata sobre Bernardino de Mendoza. Ela relata este fato no seu Livro das Fundações (capítulo 10), da seguinte forma: 'Na Festa de Finados, Dom Bernardino de Mendoza doou uma casa com um belo jardim, em Madrid, para que ela fundasse ali um mosteiro em honra da Mãe de Deus. Dois meses depois, ele adoeceu subitamente e perdeu a fala, de modo que não podia nem confessar, embora desse muitos sinais de contrição. 'Morreu '- diz Santa Teresa - 'muito pouco tempo depois, e longe do lugar onde eu estava. Mas Nosso Senhor falou-me e me disse que ele estava salvo, apesar de ter corrido um grande risco; mas que a misericórdia lhe tinha sido feita por causa da doação da casa ao convento de Sua Mãe Santíssima; mas que a sua alma só seria libertada dos sofrimento quando fosse rezada a primeira missa naquele lugar. Senti tão profundamente as dores que esta alma sofria que, embora estivesse muito ansiosa para realizar a fundação de um convento em Toledo, parti imediatamente para Valladolid no dia de São Lourenço'.

'Um dia, quando estava a rezar em Medina del Campo, Nosso Senhor me disse para que me apressasse o máximo possível, porque a alma de Mendoza era refém dos mais intensos sofrimentos. Ordenei imediatamente aos pedreiros que erguessem sem demora as paredes do convento; mas como isso levaria muito tempo, pedi ao bispo autorização para fazer uma capela provisória para uso das Irmãs que eu tinha trazido comigo. Obtida a autorização, mandei rezar a missa e, no momento em que deixava o meu lugar para me aproximar da Santa Mesa, vi o nosso benfeitor que, de mãos unidas e rosto radiante, me agradeceu por o ter libertado do Purgatório. Depois eu o vi entrar no Céu. Fiquei tanto mais contente quanto não contava com isso assim. Isto porque, embora Nosso Senhor me tivesse revelado que a libertação desta alma se seguiria à celebração da primeira missa na casa, eu pensava que deveria ser a primeira missa em que o Santíssimo Sacramento fosse ali reservado'. Este belo relato nos mostra não só a eficácia do Santo Sacrifício da missa, mas também a terna bondade com que Jesus se interessa pelas almas santas, condescendendo mesmo em solicitar os nossos sufrágios em favor delas.

Mas, sendo o Divino Sacrifício de tanto valor, pode-se perguntar se um grande número de missas proporciona às almas mais alívio do que um número menor, mas que, em compensação, são acompanhadas por magníficas exéquias e abundantes esmolas? A resposta a esta pergunta pode ser deduzida do espírito da Igreja, que é o espírito do próprio Jesus Cristo e a expressão da sua vontade. Ora, a Igreja aconselha os fiéis a mandarem rezar pelos defuntos, a darem esmolas e a praticarem outras boas obras, a pedirem indulgências para eles mas, sobretudo, mandarem celebrar a Santa Missa e a ela assistirem. Embora dando o primeiro lugar ao Divino Sacrifício, ela aprova e faz uso de vários tipos de sufrágios, de acordo com as circunstâncias, devoção ou condição social do falecido ou dos seus herdeiros.

É um costume católico, religiosamente observado desde a mais remota antiguidade, mandar celebrar a missa pelos defuntos com cerimônias solenes, e fazer um funeral com tanta pompa quanto as posses o permitam. A despesa com isso é uma esmola dada à Igreja, uma esmola que, aos olhos de Deus, aumenta muito o preço do Santo Sacrifício e seu valor compensatório para o falecido. É bom, porém, regular as despesas do funeral, de modo a deixar uma soma suficiente para um certo número de missas, e também para dar esmolas aos pobres. O que se deve evitar é perder de vista o caráter cristão dos funerais e considerar a cerimônia fúnebre menos como um grande ato de religião do que como uma mera manifestação de vaidade mundana.

O que deve ainda ser evitado são os emblemas profanos de luto que não são conformes à tradição cristã, tais como as coroas de flores, com as quais, com grande despesa, se carregam os caixões dos mortos. Trata-se de uma inovação, justamente desaprovada pela Igreja, à qual Jesus Cristo confiou o cuidado dos ritos e cerimônias religiosas, sem exclusão das cerimônias fúnebres. Aquelas de que ela se serve por ocasião da morte de seus filhos são veneráveis pela sua antiguidade e cheias de sentido e de consolação. Tudo o que se apresenta aos olhos dos fiéis em tais ocasiões, a cruz e a água benta, as luzes e o incenso, as lágrimas e as orações, respiram a compaixão pelas pobres almas, a fé na Divina Misericórdia e a esperança da imortalidade. O que há de tudo isso nas frias coroas de violetas? Não dizem nada à alma cristã; não passam de emblemas profanos desta vida mortal, que contrastam estranhamente com a cruz, e que são estranhos aos ritos da Igreja Católica.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

A DESIGUALDADE É INJUSTA?


'Porque (o reino dos céus) será como um homem… que deu cinco talentos (a um servo), e a outros dois, e a outro um, e a cada um segundo a sua capacidade' (Mt 25,14-15).

'Por que é que um dia é preferido a outro dia, uma luz a outra luz e um ano a outro ano, provindo todos do mesmo sol? Foi a ciência do Senhor que os diferenciou, depois que criou o sol, o qual obedece às suas ordens. E variou as estações e os seus dias de festa, e nelas se celebraram as solenidades à honra determinada. Destes mesmos dias fez Deus a uns grandes e sagrados, e a outros pôs nos números de dias comuns. E assim é que também todos os homens são feitos do pó e da terra, de que Adão foi formado. O Senhor, porém, pela grandeza de sua sabedoria, distinguiu-os, e diversificou os seus caminhos, A uns abençoou e exaltou; a outros santificou e tomou para si; e a outros amaldiçoou e humilhou, e expulsou-os, depois de os ter separado, como o barro está nas mãos do oleiro, para lhe dar a forma e disposição que deseja, e para o empregar nos usos que lhe aprouver, assim o homem se encontra na mão daquele que o criou, e que lhe dará o destino segundo o seu juízo. Contra o mal está o bem, e contra a morte a vida; assim também contra o homem justo está o pecador. Considera assim todas as obras do Altíssimo. Achá-las-ás duas a duas e uma oposta à outra' (Ecle 33,7-15).

'O primeiro princípio a por em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos estejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi Deus, realmente, que estabeleceu entre as homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença de suas respectivas condições' (Leão XIII, Rerum Novarum).

'Por isso, assim como no Céu quis que os coros dos anjos, fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus e diversidade de ministérios, de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1Cor 12,27). Assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais pobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum' (Leão XIII, Quod Apostolici Muneris).

‘Num povo digno de tal nome, todas as desigualdades, não arbitrárias, mas derivadas da mesma natureza das coisas, desigualdades de cultura, posses, posição social (sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da caridade) não são de modo algum obstáculo à existência ou ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade. Pelo contrário, longe de lesar de algum modo a igualdade civil, lhe conferem o seu legítimo significado: Isto é, que defronte do Estado cada qual tem o direito de viver honradamente a própria vida pessoal, no lugar e nas condições em que os desígnios e disposições da Divina Providência o tiverem colocado’ (Pio XII, Radiomensagem de Natal de 1944).

'Nos seres naturais, vemos que as espécies são gradativamente ordenadas; assim, os compostos são mais perfeitos do que os elementos, as plantas do que os minerais, os animais do que as plantas e os homens do que os outros animais; e, em cada uma dessas classes, encontram-se espécies mais perfeitas do que as outras. Portanto, sendo a divina sabedoria a causa da distinção das coisas, para a perfeição do universo, assim o será da desigualdade' (São Tomás de Aquino, Suma Teológica).

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLVII)


FALANDO COM DEUS

Só vos conhece, Amor, quem se conhece,
Só vos entende bem, quem bem se entende,
Só quem se ofende a si, não vos ofende,
E só vos pode amar quem se aborrece.

Só quem se mortifica, em Vós floresce,
Só é senhor de si quem se vos rende,
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por Vós quem por Vós desce.

Quem tudo por Vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em Vós cabe;
Ditoso quem no vosso amor se inflama,

Pois faz troca tão alta e tão estranha;
Mas só vos pode amar o que vos sabe,
Só vos pode saber o que vos ama.

Jerônimo Baía (1627-1688)