sábado, 15 de abril de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LIV)

Capítulo LIV

Auxílio às Santas Almas - A Santa Missa - Santa Isabel e a Rainha Constança - São Nicolau de Tolentino e o pedido do amigo Pellegrino 

Lemos na Vida de Santa Isabel de Portugal [8 de julho] que, após a morte de sua filha Constança, ela ficou sabendo do lamentável estado da falecida no Purgatório e do preço que Deus exigiu pelo seu resgate. A jovem rainha, recém-casada com o rei de Castela, havia sido arrebatada por uma morte súbita do afeto da sua família e dos seus súditos. Isabel, assim que recebera a triste notícia, havia partido com o rei, seu esposo, para a cidade de Santarém, quando um eremita, saindo do seu isolamento, correu atrás do cortejo real, gritando que queria falar com a rainha. Os guardas o repeliram, mas a santa, vendo a persistência de suas intenções, deu ordem para que aquele servo de Deus fosse trazido à sua presença.

O homem relatou então que, enquanto estava rezando em seu convento, apareceu-lhe a Rainha Constança implorando que ele desse a conhecer urgentemente à sua mãe que ela estava padecendo nas profundezas do Purgatório, onde havia sido condenada a longos e terríveis sofrimentos, mas que seria libertada se, durante o período de um ano, o Santo Sacrifício da Missa fosse celebrado por ela todos os dias. Os cortesãos presentes ridicularizaram o eremita, tratando-o como um visionário, um impostor e um tolo. Isabel, dirigindo-se ao rei, perguntou o que ele achava de tudo: 'Eu acredito e seria sábio fazer o que lhe foi revelado de uma maneira tão extraordinária. E, afinal, mandar celebrar missas pelos nossos parentes falecidos nada mais é do que um dever paterno e cristão'. Um santo padre chamado Ferdinand Mendez foi nomeado para rezar as missas.

Ao final de um ano, Constança apareceu a Santa Isabel, vestida com um manto branco brilhante. 'Hoje, querida mãe' - disse ela - 'fui libertada das dores do Purgatório e estou prestes a entrar no Céu'. Cheia de consolo e alegria, a santa dirigiu-se à igreja para agradecer a Deus. Lá  encontrou o padre Mendez que assegurou a ela que, que no dia anterior, havia terminado a celebração das trezentas e sessenta e cinco missas que lhe haviam sido confiadas. A Rainha então entendeu que Deus havia cumprido a promessa que Ele havia feito ao piedoso eremita  e testemunhou a sua gratidão distribuindo abundantes esmolas aos pobres.

'Vós nos livrastes dos que nos afligem, e e envergonhastes os que nos odeiam' (Salmo 43). Tais foram as palavras dirigidas ao ilustre São Nicolau de Tolentino pelas almas pelas quais ofereceu o Santo Sacrifício da Missa. Uma das maiores virtudes desse admirável servo de Deus, diz o Padre Rossignoli, foi a sua caridade e sua devoção à Igreja Padecente (Merv., 21; Vie de Saint Nic. de Tolentino, 10 set.). Por ela, jejuava frequentemente a pão e água, infligia disciplinas cruéis a si mesmo e usava em torno da cintura uma pesada corrente de ferro. Quando estava para receber a dignidade do sacerdócio, hesitou muito antes de receber as ordens sagradas, mas assim o fez, com o pensamento de que, celebrando diariamente o Santo Sacrifício, poderia ajudar com muito mais eficácia as almas sofredoras do Purgatório. Por outro lado, as almas que ele socorreu com tantos sufrágios apareceram-lhe várias vezes para lhe agradecer ou para se recomendar à sua caridade.

Ele vivia perto de Pisa, inteiramente ocupado com os seus exercícios espirituais, quando em um sábado à noite viu em sonho uma alma em sofrimento, que lhe rogava que celebrasse a Santa Missa na manhã seguinte por ela e por várias outras almas que sofriam terrivelmente em Purgatório. O santo reconheceu a voz, mas não conseguia lembrar-se claramente da pessoa que falava com ele. 'Eu sou' - disse a aparição - 'o seu amigo falecido Pellegrino d'Osimo. Pela Divina Misericórdia, escapei do castigo eterno pelo meu arrependimento, mas não do castigo temporal devido aos meus pecados. Venho em nome de muitas almas infelizes como eu para pedir-vos que amanhã celebreis a Santa Missa por nós e, por meio dela, esperamos a nossa libertação ou pelo menos receber um grande alívio'. O santo respondeu, com a sua habitual amabilidade: 'Que Nosso Senhor se digne aliviar-te pelos méritos do seu precioso Sangue! Mas esta missa pelos mortos não posso rezar amanhã, pois devo cantar a Missa conventual em coro'. 'Ah! pelo menos venha comigo' - respondeu a aparição, entre gemidos e lágrimas - 'Eu te imploro, pelo amor de Deus, que venha e veja nossos sofrimentos e se é possível recusar as nossas súplicas e nos deixar sofrer tão severas agonias.

Pareceu ao santo então ter sido transportado ao Purgatório. Ele viu como que uma vasta planície, onde uma imensa multidão de almas, de todas as idades e condições, padeciam de torturas de todo tipo e terríveis de se ver. Por gestos e palavras, as almas imploravam por auxílio: 'Eis' - disse Pellegrino- 'o estado de sofrimento daqueles que me enviaram a você. Visto que sois agradável ​​aos olhos de Deus, temos confiança de que Ele nada recusará à oblação do Sacrifício por vós oferecido e que a sua Divina Misericórdia nos livrará'. Diante dessa terrível visão, o santo não pôde conter as lágrimas. Imediatamente pôs-se em oração para consolá-los dos tormentos e, na manhã seguinte, dirigiu-se ao prior, relatando-lhe a visão que tivera e o pedido de Pellegrino sobre a missa daquele dia. O Padre Prior, partilhando a sua emoção, dispensou-o de pronto de rezar a missa conventual,  no dia e no resto da semana, para poder assim oferecer o Santo Sacrifício pelos falecidos e dedicar-se inteiramente ao alívio das almas sofredoras. Agradecido por tal permissão, Nicolau dirigiu-se à igreja e celebrou a Santa Missa com extraordinário fervor. Durante toda a semana continuou a celebrar o Santo Sacrifício pela mesma intenção, além de oferecer orações diurnas e noturnas pelas almas, além de outras penitências e todo tipo de boas obras.

No final da semana, Pellegrino apareceu novamente diante dele, mas agora não mais em estado de sofrimento, mas revestido com uma roupa branca e o esplendor de uma luz celestial, que envolvia também um grande número de outras almas. Todos o agradeceram, chamando-o de libertador; então subindo em direção ao Céu, eles entoaram estas palavras do salmista: Salvasti nos de affligentibus nos, et odientes nos confudisti - 'Vós nos livrastes dos que nos afligem, e e envergonhastes os que nos odeiam' (Salmo 43), sendo que os inimigos aqui mencionados constituem os pecados e os demônios, os seus instigadores.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

ORAÇÃO DIÁRIA DAS TRÊS AVE MARIAS

Nossa Senhora revelou a oração diária das Três Ave Marias a Santa Matilde de Hackeborn (século XIII). Esta devoção constitui um instrumento de louvor, agradecimento e adoração da Mãe de Deus a tantos privilégios recebidos da Santíssima Trindade. Depois do Poder do Pai, da Sabedoria do Filho e do Amor misericordioso do Espírito Santo, nada se compara ao Poder, à Sabedoria e ao Amor misericordioso de Nossa Senhora. Por meio dessa devoção diária, Nossa Senhora prometeu à alma devota o seu auxílio e amparo durante toda a vida e especialmente na hora da sua morte, neste caso em presença viva como sinal das divinas consolações. 


'Maria, minha mãe; livrai-me de cair em pecado mortal'

Pelo Poder que o Pai Eterno vos concedeu:
(rezar a Primeira Ave Maria)

Pela Sabedoria que o Filho vos concedeu:
(rezar a Segunda Ave Maria)

Pelo Amor que o Espírito Santo vos concedeu:
(rezar a Terceira Ave Maria)

Ó Maria, por vossa Imaculada Conceição, purificai o meu corpo e santificai a minha alma!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém.

(devoção aprovada pelo papa Leão XIII)

quinta-feira, 13 de abril de 2023

SOBRE A COMUNHÃO DOS SANTOS


A Irmã Maria da Eucaristia queria acender as velas para uma procissão e, como não tinha fósforos, vendo a lamparina que ardia diante das relíquias, dela se aproximou, mas a encontrou quase apagada, não lhe restando senão uma pálida luzinha no pavio carbonizado.

Apesar disso, conseguiu acender a sua vela e, a partir dela, as da comunidade toda que, daí a pouco, tinha todas as velas acesas. Foi, pois, esta pequena lamparina, quase extinta, que se produziu outras chamas seguras, as quais, por sua vez, puderam produzir uma infinidade de outras e até incendiar o universo. No entanto, se quiséssemos determinar a origem desse incêndio, seria preciso reportar-nos sempre àquela minúscula lamparina. Como poderiam então as outras chamas, sabendo disso, gloriar-se de ter causado tamanho incêndio, uma vez que apenas foram acesas por contágio da pequena centelha? 

... O mesmo se passa com a comunhão dos santos. Sem o sabermos, muitas vezes as graças e as luzes que recebemos ficam a dever-se a uma alma escondida, porque o Deus de bondade quer que os santos comuniquem uns aos outros a graça através da oração, para poderem depois dedicar uns aos outros um grande amor no Céu, um amor muito maior do que o de qualquer família da terra, mesmo a mais perfeita.

Quantas vezes pensei que todas as graças que recebi se deveram à oração que uma qualquer boa alma tenha feito por mim ao Deus de amor, e que só no Céu conhecerei. Sim, uma pequena centelha basta para fazer nascer grandes clarões em toda a Igreja, como doutores e mártires, que ocuparão no Céu um lugar bem acima do dela; mas nem por isso se pode concluir que a glória deles não será também a dela, porque no Céu não haverá olhares indiferentes ─ todos reconhecerão que se devem mutuamente as graças que lhes mereceram essa coroa de glória.

(Santa Teresa de Lisieux, Últimos Colóquios)

quarta-feira, 12 de abril de 2023

DOUTORES DA IGREJA (VIII)

 8São João Crisóstomo, Bispo (†407)

Doutor da Oratória (chamado 'Boca de Ouro')

Concessão do título: 1568 - Papa Pio V
(como um dos primeiros 4 Grandes Doutores do Oriente)
Celebração: 13 de setembro (Memória Obrigatória)

 Obras e Escritos  

  • Homilia Pascal 
  • Homilias sobre o Gênesis
  • Homilias sobre Isaías
  • Homilias sobre o Evangelho de São Mateus
  • Homilias sobre o Evangelho de São João
  • Homilias sobre I e II Coríntios
  • Homilias sobre os Atos dos Apóstolos
  • Homilias aos Gálatas
  • Homilias aos Efésios
  • Homilias aos Filipenses 
  • Homilias aos Colossenses
  • Homilias aos Tessalonicenses
  • Homilias a Timóteo
  • Homilias a Tito 
  • Homilias a Filêmon
  • Homilias sobre as Estátuas
  • Homilias sobre o Natal
  • Epístola aos Romanos
  • Epístola aos Hebreus
  • Adversus Judaeos - Contra os Judeus
  • Sobre Eutropio
  • Sobre o Sacerdócio
  • Sobre a Vida Monástica
  • Sobre a Incompreensibilidade da Natureza Divina
  • Instruções aos Catecúmenos
  • Cartas à Diaconisa Olímpia
  • Outras Homilias e Sermões

terça-feira, 11 de abril de 2023

'QUANDO JÁ NÃO HÁ NADA PARA SALVAR...'


'Meus amigos, enquanto houver algo para salvar; com calma, com paz, com prudência, com reflexão, com firmeza, implorando a luz divina, há que fazer o necessário para salvá-lo. Quando já não há nada para salvar, sempre e ainda há que salvar a própria alma.

É bem possível que, sob a pressão das pragas que estão a cair sobre o mundo, e dessa nova falsificação do catolicismo que aludi acima, a estrutura da cristandade ocidental continue a se desfazer de tal forma que, em breve, não haverá nada que fazer, para um verdadeiro cristão, na ordem da coisa pública.

Agora a palavra de ordem é ater-se à mensagem essencial do cristianismo: fugir do mundo, crer em Cristo, fazer todo o bem possível, desapegar-se das coisas criadas, guardar-se dos falsos profetas, lembrar da morte. Numa palavra, dar com a vida testemunho da Verdade e desejar a vinda de Cristo.

No meio deste alvoroço, temos que tratar cuidadosamente da nossa salvação, tal como o artista faz a sua obra com os materiais à sua disposição, primeiro dentro de si mesmo. Não há nada que não possa servir, se alguém puder usar como escada, para subir até Deus.

(Excertos da obra 'Decíamos ayer...', do Pe. Leonardo Castellani)

segunda-feira, 10 de abril de 2023

OITAVA DA PÁSCOA

'Jesus Cristo Ressuscitado vive e está no meio de nós'

A Oitava da Páscoa é o período que se estende desde o domingo de Páscoa até o domingo seguinte, chamado domingo da misericórdia ou domingo in albis ['em branco': neste dia, os recém-batizados retiravam as vestes brancas recebidas no dia do batismo]. Este período especial compreende a própria celebração solene da Páscoa, como se cada dia fosse um novo Domingo de Páscoa. 

A Oitava da Páscoa é o início do chamado Tempo Pascal, que compreende os cinquenta dias decorridos entre o Domingo da Ressurreição e o Domingo de Pentecostes ('50 dias', em grego), dia da celebração da festa em que o Espírito Santo foi dado à Igreja como o grande dom do Cristo Glorioso, para ser guia e condutor direto desta mesma Igreja em toda a sua história até o final dos tempos. Neste tempo especial, as celebrações litúrgicas são feitas com o Círio Pascal aceso, representação do Cristo Ressuscitado e da Luz de Cristo. O Círio Pascal, previamente abençoado na Vigília Pascal, permanece aceso até a celebração do domingo de Pentecostes.

TESOURO DE EXEMPLOS (213/216)

 

213. O DOM DA FORTALEZA

Prenderam a virgem Santa Apolônia e, diante de uma fogueira, declararam-lhe que, se não renegasse a Jesus Cristo, seria lançada ao fogo. Vendo a enorme fogueira, ela não só não se espantou, mas mais ainda, movida interiormente pelo Espírito Santo, desembaraçou-se dos soldados, e ela mesma se arrojou às chamas. Foi o efeito do dom da fortaleza.

214. COMO SE CONVERTEU LUÍS VEUILLOT

Este grande escritor católico tinha um filho de muito mau gênio. A mãe dizia a miúdo ao pai: 'Tem paciência: verás como mudará de gênio quando fizer a primeira comunhão'. E assim foi. Tornou-se tão bom, que chegou a conseguir a conversão do pai, até então incrédulo e inimigo de nossa religião.

215. O TRABALHO INÚTIL

Apresentou-se na corte de Henrique IV um homem pedindo ao rei permissão para executar um jogo de muita habilidade, que nunca se vira em nenhuma festa. O rei consentiu e todos foram assistir à façanha. O homem fincou no meio da arena uma estaca de madeira e na ponta colocou uma agulha de coser. Nos olhos de todos notava-se grande curiosidade. 

Eis que o homem, montando em um cavalo arreado, e tendo na mão uma linha muito comprida, passa galopando ao lado da estaca e enfia a linha na agulha, tirando-a pelo lado oposto sem parar. Diante dos calorosos aplausos da multidão, apresenta-se ao rei para receber um prêmio ou um louvor.

➖ Quantos anos empregaste nesse trabalho? - indagou o rei.
➖ Doze anos. Ensaiei, e tornei a ensaiar, trabalhando durante doze anos - respondeu o homem.
➖ Pois bem - replicou o rei - ficarás encarcerado durante doze anos, por teres gasto tanto tempo sem honra para teu rei e sem utilidade para a tua pátria.

Ah! quantos cristãos não terão de ouvir no dia do Juízo: empregastes toda a vida num trabalho que não honrou a Deus nem aproveitou à vossa alma. E é por isso que permanecereis no cárcere do inferno por toda a eternidade.

216. PERDOAR AOS INIMIGOS

Sublime é o exemplo de Santa Joana d'Arc, a jovem singular vinda da Lorena para salvar a França. Depois de haver rompido o cerco de Orleans e de haver levado Carlos VII de triunfo em triunfo até a coroação do mesmo em Reims, foi desprezada, abandonada, atraiçoada. Deus queria indicar-lhe que sua missão terminara e só faltava o supremo sacrifício de sua vida.

Em Compiègne foi feita prisioneira e vendida aos ingleses que a condenaram à fogueira. Apareceu na Praça de Ruão, aos 18 anos de idade, condenada à morte, mas não mostrou nenhum temor. O rei banqueteava-se bem distante dali sem nenhum sentimento de compaixão para com aquela que viera da Lorena para salvar a França.

Quando as chamas envolveram aquele corpo inocente, como numa tormentosa auréola, Joana ergueu os olhos cheios de esperança e exclamou, em alta voz, que perdoava o rei, aos franceses e aos ingleses que a queimavam.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)