quarta-feira, 19 de outubro de 2016

APRENDENDO A REZAR (I)

PARTE I

Como se alcança o estado de espírito da oração

Por ser a respiração da alma, a oração é importantíssima na vida de um cristão. A presença da oração na vida de uma pessoa significa que ela está viva espiritualmente. Sem oração, a pessoa está morta. Ficar de pé diante dos ícones e fazer reverências não constituem propriamente uma oração; são apenas elementos de uma oração. O mesmo pode ser dito sobre a leitura de uma oração, quer seja recitada de memória ou lida em um livro; não é propriamente uma oração, mas apenas um jeito de iniciá-la. O principal aspecto da oração é a invocação de sentimentos de reverência para com Deus: devoção ao Pai, gratidão, submissão à vontade de Deus, um desejo de glorificá-Lo, e sentimentos semelhantes. É por isso que enquanto oramos devemos fazer com que estes sentimentos preencham nosso ser, de modo que nossos corações não fiquem empedernidos. Apenas quando nossos corações se dirigem a Deus é que as nossas orações lidas (quer sejam da manhã ou da noite) tornam-se uma verdadeira oração; caso contrário, elas ainda não o serão.

Uma oração, que é um apelo de nossos corações a Deus, deve ser invocada e fortalecida; um espírito de intercessão deve ser criado dentro de nós. A primeira maneira de fazer isto é orar através da leitura, ou da escuta, de orações escritas nos livros de oração. Leia o livro de oração ou escute sua leitura com muita atenção e isso certamente incitará e fortalecerá seu coração em sua ascensão a Deus, o que significa que terá alcançado o espírito de oração. Nas orações dos Santos Padres (impressas nos livros de oração e em outros livros litúrgicos), um grande poder de oração está em curso. A pessoa que estiver prestando atenção a elas diligentemente irá, através da força da interação, gozar desse poder, de sorte que o estado de espírito da pessoa que está rezando se aproxima da essência daquelas orações. De modo a transformar suas intercessões em um modo efetivo de alimentar uma oração, deve-se fazer de tal modo que tanto sua mente como seu coração percebam o conteúdo das orações que estão sendo lidas.

Eis aqui os três modos mais simples de alcançar isto:

* Não inicie uma oração sem preparar-se adequadamente para ela.
* Diga as orações com sentimento e atenção, nunca de maneira casual.
* Após completar sua oração, não se apresse a retornar aos seus afazeres cotidianos.

Preparação para orar

Antes de iniciar uma oração, não importa onde ela vá ser feita, fique de pé ou sentado por algum tempo e tente tornar sua mente sóbria, retirando dela todo trabalho e preocupações irrelevantes. Depois pense sobre Quem é Aquele a Quem você está se dirigindo na oração, e quem você é ao orar a Ele; invoque a postura apropriada de humildade e temor reverente a Deus. Esse é o começo de uma oração, e um bom começo é já metade do êxito.

A oração em si mesma

Tendo se preparado, fique de pé diante dos ícones, faça o sinal da Cruz, uma reverência e comece a rezar da maneira de sempre. Diga a oração sem pressa, discernindo cada palavra e trazendo-a para perto de seu coração. Em outras palavras, você deve compreender o que está lendo, e sentir o que você compreendeu. Faça o sinal da cruz e reverências enquanto está rezando. Esta é a essência de ler orações que são proveitosas e agradáveis a Deus. Por exemplo, ao ler 'Limpa-me de toda impureza', você deve sentir o quanto impuro você é; deseje a purificação e peça esperançoso ao Senhor por ela. Dizendo 'Seja feita a Tua vontade', entregue seu destino ao Senhor completamente e de todo coração, estando pronto para aceitar com alegria o que quer que Ele lhe mande. Quando ler 'Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores', sua alma deve perdoar todos aqueles que lhe ofenderam.

Fazer isto com cada frase da oração transforma-a de fato na oração correta. Cuide também do seguinte:

Primeiro, estabeleça uma determinada regra de oração para si mesmo, uma que não seja comprida demais, de modo que você possa cumpri-la sem pressa dentro da sua rotina diária.

Segundo, no seu tempo livre, dê uma lida nas orações da sua regra de oração atentamente, compreendendo e percebendo cada palavra de modo que possa se preparar de antemão e aprender que sentimento e pensamentos precisa evocar em sua alma de modo a compreender e perceber tudo com facilidade durante suas orações.

Terceiro, se a sua mente inconstante se distrair com outras coisas durante a oração, esforce-se para focar sua atenção mantendo sua mente concentrada no tema da oração. Traga a mente de volta para ela cada vez que se afastar. Leia a oração várias vezes até que cada palavra seja dita com consciência e sentimento. Isto irá acabar com sua falta de atenção durante as orações.

Quarto, se alguma palavra na oração tocar a sua alma de um jeito especial, não prossiga com a oração, mas foque naquela palavra ou frase, alimentando sua alma com a atenção, sensação e pensamentos evocados pela palavra, agarre-se a este estado de espírito até ele desaparecer. Este é um sinal de que o espírito da oração está começando a entrar em você. Este estado de espírito e alma é o modo mais confiável de desfrutar do espírito de oração e de fortalecê-lo em uma alguém.

O que fazer após a oração

Após terminar sua oração, não se apresse em retornar aos seus afazeres usuais, mas, com calma, pense ao menos por algum tempo sobre o que você sentiu e sobre qual o seu dever para com isso. Tente manter na sua mente o que mais o impressionou. A própria natureza da oração é tal que, após uma oração muito boa, a pessoa não quer voltar para seus afazeres usuais, do mesmo modo que aqueles que se deliciaram com algum doce não querem nada amargo. Gozar da doçura da oração é na verdade o objetivo de dizer as orações, aquilo que traz o espírito de oração.

Seguir estas simples regras trará resultados muito em breve. Qualquer invocação de oração causa um bom impacto na alma; se você observar estas regras e o impacto se aprofundar, a perseverança na oração gerará a inclinação para a oração. Estes são os primeiros passos para criar o espírito de oração em si próprio. É para este propósito que a prática da oração é estabelecida. No entanto, ele não é o objetivo em si mesmo, mas apenas o início para se adquirir o domínio da oração. É preciso ir adiante.

Progresso posterior na oração 

Após sua mente e coração se acostumarem a se voltar para Deus através dos livros de oração, você deve tentar fazê-la do seu próprio jeito. Seu objetivo é tornar sua mente capaz de iniciar, por assim dizer, uma conversa com o Senhor, elevando sua mente e coração e abrindo-se em confissão a Ele, dizendo o que há na sua alma e o que ela precisa. Devemos ensinar nossas almas a fazer isto. Então o que podemos fazer para conseguir dominar essa arte? O primeiro jeito é orar através do livro com reverência, atenção e profunda emoção. Pois é de um coração repleto de piedosos sentimentos e orações que a sua própria oração começará a emanar e ser dirigida a Deus. Mas há também outras maneiras que levam ao resultado desejado nas orações.

O primeiro modo de ensinar sua alma a recorrer frequentemente a Deus é a meditação, ou a contemplação piedosa sobre os caminhos e obras divinas: pensar sobre a misericórdia, a justiça, a sabedoria, a criação e a Providência Divinas, sobre Ele nos ter concedido a salvação através do Cristo, sobre a Graça e o Verbo de Deus, sobre os mistérios e Céus sagrados. Esses pensamentos irão sem dúvida preencher sua alma com piedoso temor a Deus, que diretamente dirige todo o ser do homem para Deus e é portanto a maneira direta de ensinar sua alma a se elevar a Deus.

...

O segundo modo de ensinar sua alma a se voltar para Deus baseia-se em devotar cada ato, seja pequeno ou grande, à glória de Deus. Pois, se segundo o mandamento do Apóstolo (1 Cor 10,31), criarmos para nós a regra de fazer tudo, até mesmo comer e beber, para a glória de Deus, então não importa o que estivermos fazendo, certamente nos lembraremos de Deus, e não apenas lembraremos, mas temeremos fazer algo que possa irar a Deus. Isto fará com que nos voltemos a Deus com temor e lhe peçamos em oração que nos conceda ajuda e iluminação. E visto que estamos sempre fazendo alguma coisa, constantemente nos voltaremos a Ele em oração e assim quase sempre estaremos aprendendo a habilidade de nos dirigir a Deus em oração. Deste modo aprenderemos na prática a nos voltar a Deus mais frequentemente durante o dia.

O terceiro modo de ensinar às nossas almas a orar é nos dirigindo frequentemente a Deus desde os corações durante o dia, dizendo petições curtas a respeito das necessidades da nossa alma e das coisas que estamos fazendo no momento. Quando começar a fazer algo, diga: 'Abençoa-me, Senhor!' Ao terminar o trabalho, diga: 'Glória a Ti, Senhor!' Se uma paixão te inflamar, prostre-se diante de Deus em seu coração dizendo o seguinte: 'Salva-me, Senhor, estou perecendo!' Quando estiver tomado por pensamentos perturbadores, exclame: 'Guia-me no Teu caminho, Senhor!' ou 'Não deixe que meus pés se desviem'. Se estiver desanimado por causa do pecado e ficando abatido, exclame como fez o publicano: 'Ó Deus, sê misericordioso comigo, um pecador!' E você deve agir deste modo em todas as situações. Ou pode apenas repetir: 'Senhor, tem piedade!', 'Santíssima Mãe de Deus, salva-me!', 'Anjo de Deus, meu santo guardião, proteja-me!' 

...

Portanto, há três outros modos, além do estabelecimento da prática de oração para si mesmo, que nos conduzirão ao espírito de oração. São eles:

* Dedicar algum tempo pela manhã a pensar sobre coisas Divinas.
* Fazer tudo dedicando-o à glória de Deus.
* Dirigir-se a Deus com frequência por meio de invocações curtas.

Após termos refletido detidamente sobre idéias espirituais pela manhã, os pensamentos sagrados nos sintonizam para nos lembrarmos de Deus durante todo o dia. Por sua vez, esses pensamentos conduzirão todas as nossas ações, tanto interiores como exteriores, à glória de Deus. Essas três coisas - pensar sobre coisas Divinas, fazer tudo para a glória de Deus, e se dirigir frequentemente a Ele - são as maneiras mais eficientes de aprender uma oração inteligente e vinda do coração. Aqueles que praticarem isto em breve dominarão a arte de ascender a Deus em seus corações. Assim, a alma começará a adentrar a esfera do sublime que lhe é tão inerente - através do coração e e dos pensamentos nesta vida, e de fato será admitida para se apresentar diante de Deus na outra vida.

(São Teófano, o Recluso)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

DA EXPLICAÇÃO DO MAGNIFICAT (V)


Realizou em mim maravilhas, santificado seja o seu nome

Tendo a Bem-aventurada Virgem dito no versículo precedente que todas as gerações a chamariam de Bem-aventurada, neste declara as causas, que são as grandes coisas que Deus lhe fez. Quais são essas grandes coisas? Escutemos Santo Agostinho: 'É uma grande coisa que uma Virgem seja mãe sem pai. É uma grande coisa que tenha levado em seu seio o Verbo de Deus Pai, revestido de sua carne. É uma grande coisa tornar-se Mãe de seu Criador aquela que só se atribui a qualidade de serva'.

Deus fez portanto coisas tão grandes a essa divina Virgem, que não pôde fazer-lhe maiores. Pois que bem maior pode fazer no mundo, diz São Boaventura, seria possível uma Mãe maior e mais nobre que uma Mãe de Deus? Pois, se pudesse fazer maior, seria necessário dar-lhe um Filho mais excelente. Ora, pode achar-se mais digno filho que o próprio Filho de Deus, de quem a Bem­aventurada Virgem Maria é a Mãe?

Que mais direi? Deus elevou tão alto essa Virgem incomparável e lhe deu privilégios tão extraordinários que se pode dizer ter ela dado à sua divina Majestade, se é permitido falar assim, coisas de certo modo maiores que as recebidas. De Deus, ela recebeu ser sua criatura, ser-lhe agradável, cheia de graça, bendita acima de todas as mulheres, etc. Mas a Deus, ela deu ser o nosso Emanuel, isto é, Deus conosco; ser Deus e homem; o Redentor dos homens pelo precioso sangue que dela recebeu; ter todo o poder no céu e na terra enquanto homem; ser o chefe da Igreja enquanto homem; ser o chefe dos anjos enquanto homem; perdoar os pecados enquanto homem.

Se o nosso Salvador deu a seus Apóstolos o poder de fazer milagres maiores que os feitos por Ele próprio, segundo o testemunho do Evangelho (Jo 14, 12), não é para admirar que tenha dado à sua Mãe santíssima o poder de lhe dar coisas maiores que as dEle recebidas. Pois esse poder é uma das grandes coisas de que Ela fala ao dizer que o Todo-Poderoso lhe fez grandes coisas.

Depois de tudo isso, quem não admirará as grandes e maravilhosas coisas que Deus fez à gloriosa Virgem? E quem não reconhecerá que foi o Espírito Santo quem lhe fez pronunciar as palavras: 'Faça-se em mim segundo a tua vontade?' Oh! quantos prodígios e milagres compreendem essas palavras! Oh! como é grande ser Virgem e Mãe de um Deus! Oh! como é grande dar nascimento temporal em um seio virginal, Aquele que nasceu antes de todos os séculos no seio do Pai das misericórdias! Oh! como é grande para uma criatura mortal dar a vida Àquele de quem a recebeu! Oh! como é grande ter um poder e autoridade de Mãe sobre Aquele que é o soberano monarca do universo! Oh! como é grande ser a nutridora, a guardiã e a governante dAquele que conserva e governa o mundo inteiro por sua imensa Providência! Oh! como é grande ser a Mãe de tantos filhos quantos cristãos tem existido e existirão para sempre na terra e no céu.

Eis muitas coisas grandes e maravilhosas, feitas por Deus à Rainha do céu. Mas eis o milagre dos milagres: é que, sendo tão grande quanto é, ela se considera como se nada fosse. Tendo a Bem-aventurada Virgem dito que o Onipotente lhe fez grandes coisas, acrescenta em seguida as palavras: 'E santo é o seu Nome'. O mistério assinalado por estas palavras consiste em que a humanidade santa do divino Menino, que a Bem-aventurada Virgem concebeu em suas entranhas, é santificada pela união intima em que ela entrou com a santidade essencial, que é a Divindade; o que se acha também designado pelas palavras de São Gabriel: 'O que nascer de Ti, será chamado Santo'.

O mistério consiste também em que esse Menino Deus é assim santificado e constituído 'Santo dos santos', a fim de santificar e glorificar o Nome do três vezes Santo, tanto quanto Ele o merece; e ainda, a fim de fazê-lO santificado e glorificado na terra, no céu e em todo o universo, cumprindo, desta forma, o que se acha determinado nas palavras: 'seja santificado o vosso Nome'. Vede e admirai quantas maravilhas se acham contidas nessas poucas palavras, pronunciadas pelos sagrados lábios da Mãe do Santo dos santos, cujo Santo Nome seja santificado, louvado e glorificado, por toda a eternidade.

(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Deus não te pede muitas coisas porque, por si mesma, a caridade é o pleno cumprimento da Lei (Rm 13,10). Mas este amor é duplo: amor a Deus e amor ao próximo... Quando Deus te manda amar o próximo, não te diz: 'ama-o com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente'; mas diz-te: 'ama o teu próximo como a ti mesmo'. Portanto, ama a Deus com todo o teu ser, porque Ele é maior do que tu; ama o teu próximo como a ti mesmo, porque ele é como tu...

Mas, se há três objetos do nosso amor, porque há apenas dois mandamentos? Vou dizer-te: Deus não julgou necessário encarregar-te de te amares a ti próprio porque não há ninguém que não se ame a si mesmo. Mas muita gente se perde porque se ama mal. Ao mandar-te amá-Lo com todo o teu ser, Deus deu-te a regra segundo a qual deves amar. Queres amar-te? Então ama a Deus com todo o teu ser. Com efeito é nele que te encontrarás, evitando assim perderes-te em ti... Deste modo é-te dada a regra segundo a qual deves amar-te: ama Aquele que é maior do que tu e amar-te-ás a ti mesmo.'

(Santo Agostinho)

domingo, 16 de outubro de 2016

O JUIZ INÍQUO E A VIÚVA IMPERTINENTE

Páginas do Evangelho - Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum 


No evangelho deste domingo, Jesus nos exorta, uma vez mais, à oração frequente, confiante, perseverante e colocada no coração de infinito amor do Deus de Misericórdia. À oração despojada de contrapartidas favoráveis aos apelos intrinsecamente humanos, mas entregue aos desígnios do Pai para o bem maior de nossa alma e do nosso semelhante. E vai enfatizar, de forma cristalina, que a obscuridade e as trevas da perda de fé são engendradas na forja da falta de oração. Santo Afonso de Ligório, doutor da Igreja, já nos alertava: 'Quem reza, se salva; quem não reza, se condena'.

Na parábola do mau juiz e da viúva impertinente, deparam-se duas realidades humanas antagônicas: de um lado, o homem privilegiado pelas leis humanas e detentor do poder de decisão sobre as ações e contendas dos outros homens; de outro lado, a mulher exposta e fragilizada pela perda do marido, sob o peso de novas e doloridas realidades e indefesa pelas dramáticas circunstâncias do momento. Cabe a ela, portanto, pedir, pedir uma vez mais e muitas vezes enfim e mesmo implorar a intervenção do juiz em sua causa e defesa. Ao juiz, homem iníquo, ao qual a soberba do cargo tinha imposto sempre decisões rápidas e inquestionáveis, a insistência da viúva é ocasião de incômodo, transtorno, desvario. Eis o cenário que Jesus montou para falar do valor incomensurável da oração.

Diante de apelos tão inoportunos e persistentes, até o juiz iníquo se rendeu: 'Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!' (Lc 18, 4-5). Se até um homem iníquo e injusto é complacente com os rogos repetidos da viúva inconsolável a qual desdenha, o que Deus de infinita misericórdia não iria fazer por nós em oração confiante e perseverante nas Suas graças? E Jesus é taxativo ao dizer: 'Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa' (Lc 18,8). 

E, no mesmo versículo, Jesus encerra a parábola com uma frase extremamente preocupante: 'Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?' (Lc 18, 8). Jesus não precisaria se expressar assim se não profetizasse uma terrível apostasia dos homens dos tempos da Segunda Vinda do Senhor, fomentada pela perda dos valores espirituais, submissão aos valores mundanos e, principalmente pela perda da oração confiante e perseverante aos desígnios de Deus. E, de repente, ao se ter em conta as realidades de agora, não parece que Jesus está falando para nós?  

sábado, 15 de outubro de 2016

LUZ NAS TREVAS DA HERESIA PROTESTANTE (I)

CAPÍTULO I

O QUE É UM PROTESTANTE

A definição não é fácil, porque o protestantismo, pela sua divisão e sua adaptação a todos os erros, é uma heresia que muda de forma e de fundo, conforme a situação e os países onde se implanta. O sábio Webster define-o, dizendo que um protestante é um cristão que protesta contra as doutrinas e práticas da Igreja Católica. Querendo definir a seita de Lutero, o grande dicionarista não encontrou uma definição doutrinal positiva; caracteriza-a por uma aversão comum.

É que, como salientou o padre Leonel Franca, os descendentes de Lutero não são irmãos, são conjurados. A sua unidade é o acesso da unidade católica, é a unidade católica hostilizada. A religião verdadeira é necessariamente uma coisa positiva, tendo dogma, moral e culto, determinados e positivos. É a nota distintiva da Igreja Católica ter os seus dogmas positivos e divinos, ter o seu culto majestoso e expressivo.

As outras seitas religiosas, embora falsas e de origem humana, possuem, entretanto, certo número de ensinamentos positivos que constituem um como fundamento dogmático; o protestantismo está muito abaixo de qualquer outra seita e não possui nada de positivo; é uma negação de tudo o que afirma a Igreja Católica. Quando a Igreja Católica diz: 'sim!', o protestantismo diz: 'não!'; quando Ela diz: 'não!', o protestantismo clama: 'sim!'; de modo que o protestantismo é a negação da doutrina católica.

O protestante, como bem diz o nome porque é conhecido, é um homem que protesta. Não se deve mais dizer: é um cristão; porque há protestantes quem nem acreditam no batismo e não são batizados validamente, ficando simplesmente pagãos. É um homem que protesta contra a Igreja Católica, contra o ensino de Jesus Cristo, e, por cúmulo, protestam contra a palavra divina, servindo-se desta mesma palavra. Não acredita mais em Deus; só acredita na bíblia que ele torce, interpreta, rasga ou adora, conforme os seus caprichos.

Para ele, a bíblia não é mais um livro divino, cujo conteúdo é a expressão da palavra divina; é um ídolo, que ele consulta como os antigos agoureiros romanos consultavam o voo dos pássaros para conhecer a vontade divina, ou os astrólogos consultavam os astros para conhecerem o destino. O nome mudou; a coisa ficou. Em vez de consultarem as aves como os romanos ou os astros como os gregos, o protestante consulta a Bíblia, dando ele mesmo, ao texto, o sentido de que precisa e que mais se adapta ao seu capricho ou ao seu interesse.

Todo livro precisa de uma interpretação autêntica, feita por uma autoridade competente, senão é uma letra morta e a letra morta só pode dar a morte, enquanto o espírito da interpretação autêntica dá vida. É o que clara e energicamente exprime São Paulo: 'A letra mata e o espírito vivifica' (2 Cor 3,6). E ainda: 'Para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra' (Rm 7,9). Os judeus estavam na velhice da letra; Cristo trouxe a novidade de espírito e os protestantes rejeitam este espírito.

Como tal os protestantes não tem dogma, tornando-se destarte, em vez de cristãos, verdadeiros judeus. Porque o dogma exige uma verdade contida na Sagrada Escritura, e declarada autêntica pela autoridade competente. O protestante tem a bíblia (embora falsificada e truncada), porém não possui nenhuma autoridade superior, idônea para declarar uma palavra ter tal sentido, e exprimir tal verdade. Não tem moral fixa, estável, porque basta crer e fazer o que quiserem, como diz Lutero, o que exclui toda moral. Não tem culto público, porque o culto é a expressão da crença e sendo a crença individual, o culto igualmente deve ser individual.

Eis o protestante isolado, separado de tudo, sem dogma, sem moral, sem culto, sem autoridade, sem regra de fé firme. Nada de positivo nele, tudo é negativo: é um protestante, isto é, um revoltoso, um crítico, um censor, um zombeteiro, que procura destruir sem nada edificar, que procura arrancar a fé católica, para substituí-la pela revolta, pela negação, pelo nada. E como o protestantismo fica em pé? Tem um duplo apoio: a ignorância e a revolta. Nos pastores tem outro apoio: o interesse, a ganância, o lucro.

Cada pastor é um aventureiro, um verdadeiro explorador, que procura viver e enriquecer-se à custa dos ignorantes. Ele mesmo não acredita naquilo que ensina, porém é um meio lucrativo de cavar a vida, de garantir o futuro e deixar um pecúlio aos filhos. Os protestantes dividem-se em duas categorias:

(i) Os ignorantes, iludidos e enganados pelos finórios que se intitulam pastores.
(ii) Os pastores, enganadores por interesse, verdadeiros mercenários que enganam para ganhar a vida.

Os primeiros são vítimas, dignos de compaixão. Os segundos são uns tratantes sem consciência que, para ganharem a vida, perdem as almas dos incautos. Dos primeiros, Deus terá talvez misericórdia; para os segundos só pode ter anátemas, como os que dirigiu aos fariseus de seu tempo: 'Ai de vós, hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e depois o fazeis filho do inferno, duas vezes mais do que vós' (Mt 12,15).

CAPÍTULO II 

POR QUE OS PROTESTANTES PROTESTAM 

Por que eles protestam? Porque é da essência mesma da seita. No dia em que os protestantes deixarem de protestar, deixarão de ser protestantes, como o bêbado, deixando de beber, deixa de ser bêbado, como o brigador, ao deixar as rixas, deixa de ser brigador, ou como o ladrão, deixando de tirar o alheio, deixa de ser ladrão. Protestar é a própria essência do protestantismo; nisto está a sua razão de ser. 

No dia em que os protestantes deixassem de se reformar, de protestar, diz Sabatier, professor na faculdade protestante de Paris, no dia em que reconhecessem a autoridade exterior, como regra e prova de fé, nesse dia deixariam de ser protestantes, nesse momento se suicidariam. É por isso que hoje se diz, nos círculos adiantados da seita, que os protestantes que ainda estão com Lutero, não o compreendem. 

Lutero conquistou-lhes o direito de protestar. Seus verdadeiros discípulos, os herdeiros genuínos do espírito de tal pai, serão os que usarem de igual direito para protestar contra ele, como eles protestam contra Roma. Os que vivem depois reivindicarão, com igual energia, a prerrogativa de protestar contra a geração presente. É assim e só assim que se pode conservar o protestantismo: protestando e protestando sempre. 

O célebre Maistre tem uma frase profunda neste mesmo sentido: 'O protestantismo' diz ele 'conserva apenas o mesmo nome, mudando continuamente sua fé, porque seu nome sendo meramente negativo e exprimindo apenas a renúncia ao catolicismo, quanto menos ele acredita, mais ele protesta, e melhor protestante ele é' (Do Papa, I. IV, cc. 5). Para compreender o protestantismo é preciso ter diante dos olhos este princípio básico: que a sua essência é a negação, é o protesto, é a revolta contra Roma. 

Divide-se o protestantismo em centenas, devia-se dizer milhares de seitas, em desacordo entre elas, combatendo-se mutuamente; nenhum ponto doutrinal lhes é comum, o único laço que os liga todos é o ódio à Igreja Católica, e o protesto contra tudo o que esta Igreja ensina, de modo que toda a religião protestante consiste em fazer objeções contra a Igreja Católica. Objeções! sempre e só objeções, sem quererem escutar a resposta. 

Um bispo protestante – pois, para melhor macaquear a Igreja verdadeira, certas seitas ainda têm bispos – o bispo de São Davi definiu a sua religião: a abjuração do papismo. Eis o que é um protestante, e eis a razão por que ele protesta. É a sua essência, a sua razão de ser. Protesta... deve protestar, e no dia em que não protestar mais, deixa de ser protestante para ser de novo católico. 

Para dar a este protesto uma capa ou aparência de razão, o protestante vem com a bíblia, que o condena a cada passo; porém, ele não quer ver a condenação, quer protestar, e ei-lo a formular as objeções mais absurdas e mais extravagantes. Pouco importa que a própria bíblia refute as suas objeções; ele não quer ver, e não vê, pela razão muito simples que não há pior cego que aquele que não quer ver. 

Não protesta nem contra o espiritismo, nem contra o budismo, nem contra o positivismo, nem contra o bolchevismo, não; só protesta contra a Igreja Católica, porque só ela possui a verdade, e esta verdade é o alvo do seu protesto e a mira das suas objeções. Protestam pois contra a Igreja, contra a autoridade da Igreja, contra os seus dogmas, contra os sacramentos, contra o culto, contra tudo o que forma a doutrina básica da Igreja verdadeira. 

A Igreja Católica é a única baseada sobre São Pedro e seus sucessores. Guerra pois ao papa e toda a autoridade! A Igreja possui dogmas revelados, que formam a base do seu ensino. Guerra pois a estes dogmas! A Igreja possui uma moral pura, santa, um sacerdócio virgem. Guerra pois ao celibato e tudo o que é puro! A Igreja possui um culto majestoso, atraente, manifestação da sua fé e de seu amor. Guerra pois ao culto da Igreja! A Igreja honra com um culto de superveneração a Imaculada Mãe de Deus, e de um culto de veneração aos santos. Guerra pois a Cristo, guerra à Virgem Santa, guerra aos santos! 

O protestantismo não possui santo nenhum; a Igreja Católica os conta por milhares. Então grita-se: 'São ídolos... adoram as imagens; são idólatras!'. Pobres protestantes. Os ídolos são eles, estes ídolos dos quais o profeta dizia: 'Têm olhos e não enxergam, têm ouvidos e não ouvem; têm língua e não falam' (Ez 12,2). Eis por que o protestante protesta e contra quê ele protesta. É um ignorante pelo orgulho; é um revoltoso impelido pelo fanatismo, é um ateu envolvido na capa de uma bíblia; conservando só a capa, sendo ele mesmo o texto da bíblia, isso é, sua própria vontade, pela livre interpretação. 

Oh! Eu sei, o povo ignorante em sua simplicidade nem pensa nisso; ele se deixa seduzir pelos mercenários gananciosos, pelos tais pastores, que vivem à custa da sua simplicidade. Os culpados são estes vendidos que, para ganharem dinheiro, vendem e perdem as almas dos outros, depois de terem vendido a própria alma. 

Pobres protestantes iludidos, escutai este aviso do Espírito Santo, tirado de um dos livros da bíblia, que arrancaram vossos pastores por ser a condenação deles, do segundo livro dos Paralipômenos: 'Eis o que diz o Senhor Deus: Por que violais vós os preceitos do Senhor, o que vos não será de proveito, e por que abandonastes vós o Senhor, para Ele também vos abandonar?' (2 Crônicas 24,20). 

Deixai de protestar e voltai à religião dos vossos pais, à religião de Jesus Cristo, ensinada pela Igreja Católica. Ela é a única que possui dogmas imutáveis, e faz praticar uma moral santa e santificante, a única que possui um culto interior, exterior, digno de Deus e dos homens, a única, enfim, que foi fundada por Jesus Cristo, e atravessou os séculos, sempre a mesma, sempre idêntica, sempre divina, porque com ela está o Espírito de Deus: 'Eis que eu estarei convosco até ao fim dos séculos' (Mt 28,20).

(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

BREVIÁRIO DIGITAL - ANNE DE BRETAGNE (IV)

LIVRO DE ORAÇÕES DE ANNE DE BRETAGNE* (1477 - 1514) - PARTE IV

* esposa de dois reis sucessivos da França, Charles VII e Luís XII

AUTORIA DAS ILUMINURAS: JEAN POYER 


I.15 - A Ceia de Emaús: após a sua ressurreição, Jesus encontra e acompanha dois dos seus discípulos pelo caminho de Jerusalém a Emaús. A ilustração contempla o instante em que, durante a ceia daquela noite, Jesus se revela aos dois discípulos ao abençoar e repartir o pão. Os dois homens expressam a surpresa desta revelação pelas mãos levantadas e pelos olhares fixos no Mestre. A ilustração, que acompanha uma oração de graças a ser feita antes das refeições, representa todos os personagens trajando chapéus de peregrinos.



I.16 - O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes: diante dos cestos contendo os restos recolhidos da comida que alimentara uma grande multidão, Jesus dá graças ao Pai pelo alimento recebido. As posições dos cestos e das pessoas reunidas em torno da figura central de Jesus expressam a ideia de volume e de perspectiva da cena. A ilustração acompanha uma oração de graças própria para ser rezada após as refeições.


I.17 - Anne de Bretagne em confissão: a rainha é mostrada em ato de contrição, prostrada de  joelhos, sussurrando os pecados ao confessor, que se inclina em sua direção para melhor ouvi-la. Tratando-se de um livro devocional privado, a ilustração personaliza o seu destinatário como sendo a própria rainha. Por outro lado, ao ser retratada em uma posição de extrema humildade, associada à condição de uma simples pecadora, a ilustração confirma ter sido a própria rainha a autora da proposição pela elaboração da obra.



I.18 - Anjos da Eucaristia: dois anjos de joelhos sustentam um ostensório contendo a Hóstia Consagrada, que é reverenciada também por outros dois anjos ao fundo. A contemplação da Hóstia Santa ratifica o compromisso da comunhão frequente. Uma oração associada ao momento de elevação da Santa Hóstia durante a missa acompanha a ilustração.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

13 DE OUTUBRO DE 1917

'Saímos de casa bastante cedo, contando com as demoras do caminho. O povo era em massa. A chuva, torrencial. Minha mãe, temendo que fosse aquele o último dia da minha vida, com o coração retalhado pela incerteza do que iria acontecer, quis acompanhar-me. Pelo caminho, as mesmas cenas do mês passado, ainda mais numerosas e comovedoras. Nem a lamaceira dos caminhos impedia essa gente de se ajoelhar na atitude mais humilde e suplicante. 

Chegados à Cova de Iria, junto à carrasqueira, levada por um movimento interior, pedi ao povo que fechasse os guarda-chuvas para rezarmos o terço. Pouco depois, vimos o reflexo da luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira.

– Que é que Vossemecê me quer?

– Quero dizer-te que façam aqui uma capela em Minha honra, que sou a Senhora do Rosário; que continuem sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para suas casas.

– Eu tinha muitas coisas para Lhe pedir: se curava uns doentes e se convertia uns pecadores, etc.

– Uns, sim; outros, não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados.

E tomando um aspecto mais triste:

– Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido.

E abrindo as mãos, fê-las refletir no sol. E enquanto que se elevava, continuava o reflexo da Sua própria luz a projetar-se no sol.

Eis, Exmo. e Revmo. Senhor Bispo, o motivo pelo qual exclamei que olhassem para o sol. O meu fim não era chamar para aí a atenção do povo, pois que nem sequer me dava conta da sua presença. Fi-lo apenas levada por um movimento interior que a isso me impeliu.

Desaparecida Nossa Senhora, na imensa distância do firmamento, vimos, ao lado do sol, São José com o Menino e Nossa Senhora vestida de branco, com um manto azul. São José e o Menino pareciam abençoar o mundo com uns gestos que faziam com a mão em forma de cruz. Pouco depois, desvanecida esta aparição, vi Nosso Senhor e Nossa Senhora que me dava a ideia de ser Nossa Senhora das Dores. Nosso Senhor parecia abençoar o Mundo da mesma forma que São José. Desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver ainda Nossa Senhora em forma semelhante à Nossa Senhora do Carmo'.

(Excertos da obra 'Memórias da Irmã Lúcia')