terça-feira, 26 de janeiro de 2016

10 HORAS PARA O MUNDO

Uma vez, havia um homem, cuja esposa com quem foi legalmente casado, era encantadora e prudente. No entanto, ele gostava mais da empregada doméstica do que sua esposa. Isto teve três consequências. A primeira é que as palavras e gestos da empregada o agradava mais do que as da sua esposa. A segunda é que ele vestia a empregada muito bem com roupas finas sem se importar que sua esposa estivesse vestida de andrajos comuns. O terceiro é que ele estava acostumado a gastar nove horas com a empregada e apenas a décima hora com sua esposa. 

Ele passou a primeira hora ao lado da empregada, divertindo-se ao olhar para sua beleza. Ele passou a hora segunda dormindo em seus braços. Ele passou a hora terceira fazendo alegremente trabalho manual pelo amor ao conforto da empregada. Ele passou a hora quarta fazendo descanso físico com ela após exaustivo trabalho físico . Ele passou a hora quinta inquieto em sua mente e preocupando-se sobre como sustentá-la. Ele passou a sexta hora em repouso com ela, vendo agora que ela aprovou totalmente o que ele tinha feito por ela. Na sétima hora, o incêndio de luxúria carnal entrou nele. Ele passou a oitava hora satisfazendo toda sua luxúria com ela. Na hora nona ele negligenciou determinadas tarefas que ele, no entanto, teria gostado de realizar. 

Ele passou da hora décima fazendo algumas tarefas que ele não quis fazer. E apenas durante esta hora ele ficou com sua esposa. Um dos parentes de sua esposa veio ao adúltero e lhe acusou duramente, dizendo: 'converta a afeição de seu coração na direção de sua esposa legítima. Ame-a e vista-a adequadamente e gaste nove horas com ela e apenas a décima hora com a empregada doméstica. Se não, cuidado, porque você morrerá uma morte súbita e horrível'.

Por esse adúltero a que me refiro, é alguém que possua o ministério de bispo para suprir a Igreja, mas, apesar disso, leva uma vida adúltera. Ele está associado à Santa Igreja em união espiritual para que ela seja sua noiva mais preciosa, mas ele retira seus afetos dela e ama o mundo servil muito mais do que sua nobre dama e noiva. Assim, ele faz três coisas. Em primeiro lugar, ele se alegra mais na adulação fraudulenta do mundo do que numa disposição obediente em direção a Santa Igreja. Em segundo lugar, ele ama enfeites mundanos, mas se interessa pouco sobre a falta de enfeites materiais e espirituais da Igreja. Em terceiro lugar, ele gasta nove horas com o mundo e apenas uma das dez com a Igreja Santa. 

Assim, ele gasta a primeira hora na em boa alegria, contemplando a beleza do mundo com grande satisfação. Ele gasta a hora segunda dormindo docemente nos braços do mundo, isto é, no meio de suas fortificações elevadas e a vigilância de seus exércitos, alegremente confiante na segurança física por causa dessas coisas. Ele passa a terceira hora alegremente a fazer trabalho manual por amor a vantagens mundanas para que ele possa obter o prazer físico do mundo. Ele passa a quarta hora com prazer tendo descanso físico após seu esforço físico, agora que ele tem meios suficientes. Ele gasta a hora quinta inquieto em sua mente de maneiras diferentes, preocupado com como ele pode parecer ser prudente em matérias mundanas. 

Durante a sexta hora ele experimenta um agradável descanso de alma, vendo que pessoas em todo a parte aprovam o que ele tem feito. Na sétima hora, ele ouve e vê prazeres mundanos e abre sua luxúria para eles. Isso provoca um incêndio a arder impaciente e intoleravelmente no seu coração. Na oitava hora que ele realiza em atos o que antes tinha apenas sido sua ardente vontade. Durante a hora nona, ele omite por negligência determinadas tarefas que ele queria ter feito por motivos mundanos, para não se ofender aqueles para quem tem uma mera natural afeição. 

Na décima hora, ele executa sem alegria alguns atos bons, com medo de que ele possa cair no desprezo e ganhar má reputação ou receber uma pena severa, se por algum motivo, ele totalmente haja negligenciado em cumpri-los. Ele é acostumado a gastar apenas esta décima hora com a Santa Igreja fazendo o bem não por amor mas por medo. Ele está, naturalmente, com medo de punição dos incêndios do inferno. Se ele pudesse viver para sempre no conforto físico e com abundância de bens mundanos, ele não se preocuparia em perder a felicidade do céu. 

(Das Profecias e Revelações de Santa Brígida da Suécia)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O DOM DE LER OS CORAÇÕES (CURA D'ARS)


Por volta de 1833, Marguerite Humbert, de Ecully, então Madame Fayolle, fez uma visita - a primeira em quinze anos - ao seu primo, Jean-Marie Vianney. Ela estava então sob os cuidados das Filhas da Providência, a pedido do próprio cura, particularmente porque ela tinha cuidado dele durante o tempo dos seus estudos. Ela relata o ocorrido: 'Pouco antes de partir [da cidadezinha de Ars], retornei à igreja [onde o cura atendia confissões] e me perguntei se deveria ou não confessar-me com o meu primo. Neste exato momento, alguém me chamou e me comunicou que o cura estava à minha espera. Fiquei muito surpresa porque ele não podia ver onde eu me encontrava ... Deixei Ars cheia de uma grande alegria interior'.

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Um dia, o servo de Deus estava ouvindo confissões na sacristia. O relato é de M. Oriol: 'De repente ele apareceu na entrada da sacristia e, dirigindo-se a mim, falou: 'Meu amigo, peça aquela senhora que está nos fundos da igreja para vir até aqui'. E me disse então como eu deveria reconhecê-la. Sem encontrar tal pessoa no local onde ele havia indicado, retornei e lhe comuniquei o fato. Ele respondeu então: 'Vá depressa ... Ela está passando na frente de tal casa [e a descreveu rapidamente para mim]. Eu corri e alcancei a senhora no lugar mencionado; ela estava indo embora, muito decepcionada por não ter podido confessar, porque não podia esperar mais. A pobre mulher, que por excessiva timidez tinha perdido a oportunidade de se confessar com o cura umas duas ou três vezes anteriormente, estava há oito dias em Ars sem conseguir uma nova oportunidade de se confessar. Agora o próprio santo havia ido buscá-la; mais do que isso, ele a conduziu desde a entrada da igreja até a Capela de São João Batista para receber a sua confissão. O santo sabia que a graça tem os seus momentos e que ela pode passar e não voltar mais. Neste caso em especial, ele literalmente apanhou essa alma com as asas'.

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No ano de 1853, um alegre bando de jovens partiu de Lyon para ir em peregrinação a Ars. Todos eles eram bons cristãos, exceto um, um velho homem que havia se juntado ao grupo 'simplesmente para agradar aos jovens'. Eles chegaram à aldeia por volta das três horas da tarde. 'Vocês podem ir à igreja, se quiserem', disse o incrédulo aos demais 'quanto a mim, vou pedir o jantar'. Ele caminhou alguns passos e parou: 'Não, pensando bem, eu vou com vocês, porque isto não deve demorar muito'. Em seguida, todo o grupo entrou na igreja. Neste momento, o Cura d'Ars saiu da sacristia e entrou na capela-mor. Ele se ajoelhou, levantou-se e virou-se; seus olhos estavam procurando alguém próximo à pia de água benta; finalmente, ele sinalizou para alguém se aproximar. 'É você que ele está chamando' disseram os jovens ao velho incrédulo. Este se dirigiu titubeante ao cura, no relato da freira que nos conta esta história. O Cura apertou as suas mãos, dizendo: 'Tem muito tempo que você não faz uma confissão?' 'Meu bom cura, tem uns trinta anos, eu acho...' 'Trinta anos, meu amigo?'... acho que são trinta e três anos ... e você a fez em tal lugar [mencionando o lugar]. 'Você está certo, senhor'. 'Ah, bem, então nós vamos fazer nossa confissão agora, não vamos?' O velho homem confessou mais tarde que ele estava tão surpreso com o convite que não se atreveu a dizer não; mas acrescentou: 'Eu experimentei uma sensação de conforto indescritível'. A confissão levou cerca de vinte minutos, e fez dele um novo homem.

domingo, 24 de janeiro de 2016

O UNGIDO DO PAI

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Tempo Comum


O Evangelho de São Lucas traduz, em larga escala, a personalidade ímpar do autor, de alguém que, embora possa não ter sido testemunha ocular dos acontecimentos narrados: 'como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra' (Lc 1, 2), elaborou uma obra regida particularmente pelo rigor da informação e por uma ordenação lógica dos eventos associados à vida pública de Jesus: 'após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado' (Lc 1, 3), o que a torna fruto do trabalho de um eminente escritor e historiador: 'Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste' (Lc 1, 4).

Desta forma, a par a semelhança e a mesma contextualização geral com os demais evangelhos sinóticos (São Mateus e São Marcos), o evangelho de São Lucas é pautado por uma visão própria, objetiva e cronológica da doutrina e dos ensinamentos públicos de Jesus (tempo presente da narrativa), inserida num contexto histórico do passado (Antigo Testamento) e do futuro (tempo da Igreja), incorporando, assim, um caráter muitíssimo pessoal e, portanto, original, à transcrição das mensagens evangélicas. 

Após um preâmbulo típico do rigor objetivo do historiador, São Lucas desvela o instrumento de evangelização adotado por Jesus - a pregação pública e sua estrita observância, neste sentido, aos preceitos da Lei - a leitura, aos sábados, da palavra sagrada nas sinagogas. No seu primeiro retorno à Nazaré, foi convidado a ler e a comentar uma passagem do Livro de Isaías: 'Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor' (Lc 1, 17 - 19).

Ao recolher o rolo de pergaminho e se sentar, ao final da leitura 'todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele' (Lc 1, 20), porque, de certa forma, compreendiam a grandiosidade deste momento, que se materializou, então, com a manifestação direta e sucinta de Jesus: 'Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir' (Lc 1, 21), anunciando aos homens ser Ele o Ungido pelo Espírito Santo para fazer novas todas as coisas, para abrir os tempos do Messias esperado por todo Israel e para testemunhar aos homens a presença viva do Reino de Deus sobre a terra. 

sábado, 23 de janeiro de 2016

SOBRE A PACIÊNCIA

Paciência é a virtude pela qual suportamos os infortúnios deste mundo com tranquilidade de espírito, para que em razão deles não fiquemos desnecessariamente perturbados ou entristecidos interiormente, e não nos permitamos fazer nada de errado ou de inadequado. As adversidades desta vida que a paciência suporta são doenças, desterros, angústia psicológica, desgraça, escárnio, maltrato, insultos, calúnias, reprimendas, fome, sede, frio, as mortes dos pais e dos filhos, dos parentes e dos amigos, massacres e calamidades públicas, e outras coisas da mesma espécie que geralmente ocorrem todos os dias. 

A longanimidade é a parte da paciência que fortalece o espírito contra o aborrecimento ocasionado pela demora em receber algo que esperamos. Ela difere da paciência por suportar males por um longo tempo e aguardar consolação postergada por muitos dias, meses e anos. Assim Deus é chamado longânime, porque Ele tolera nossas demoras e hesitações enquanto nos convida ao arrependimento. Também a equanimidade não é uma virtude distinta da paciência, embora seja considerada especialmente voltada a moderar o aborrecimento que advém da perda de bens exteriores.

A matéria próxima com que a paciência se ocupa é a aflição da mente e a tristeza por conta dos reveses enumerados acima: essa virtude as reprime por inteiro ou então as controla tanto, que elas não excedem as exigências da reta razão. As principais ações da paciência são:

(i) Suportar todas as sobreditas adversidades calmamente, de bom grado, com ânimo e em ação de graças, e sem nenhuma murmuração ou queixa;
(ii) Suportar esses males mesmo não tendo culpa, e mesmo que nos sejam infligidos por aqueles que receberam muitos benefícios de nós;
(iii) Atribuir todos os nossos problemas e dificuldades unicamente à vontade Divina, não importa por intermédio de quem provenham;
(iv) Sempre que estivermos feridos ou irritados, voltarmo-nos para Jesus crucificado como estando presente, buscando obter d’Ele a paciência e oferecendo a Ele tudo o que sofremos;

(v) Oferecer-se a si próprio, bem no começo de todas as manhãs, a Deus para sofrer não importa o quê, e para suscitar um desejo ardente na alma de sofrer todos os males possíveis em imitação de Cristo.

Nós temos muitas ocasiões para exercitar a paciência a quase todo momento, suportando os males e perdas que nos acometem com respeito a nossa boa reputação, vida e bens exteriores. Os sinais da paciência são:

(i) Suportar com calma as imperfeições dos outros;
(ii) Não ceder ao rancor quando maltratado pelo próximo;
(iii) Não murmurar contra as punições divinas;
(iv) Não evitar a companhia daqueles que cometem injustiça contra nós, mas antes ir ao seu encontro, ter amor por eles e por eles rezar;
(v) Em alguma enfermidade, rezar a Deus que aumente nosso sofrimento;
(vi) Manter silêncio em meio às injustiças, não se desculpar, mas entregar tudo nas mãos de Deus a exemplo de Nosso Senhor que, mesmo quando convocado a Se defender, preferiu permanecer em silêncio.

Agora, quem não faria tudo o que está em seu poder para exercer essa virtude com máximo cuidado, considerando a paciência e longanimidade de Deus, que não somente tolera os pecadores com benevolência, mas não cessa de cobri-los com os maiores benefícios? E a vida de Cristo e Sua amaríssima paixão não proporcionam o exemplo supremo de paciência?

Nem deve ser preterido o exemplo dos santos do Antigo e do Novo Testamentos, principalmente de Jó e Tobias e dos incontáveis mártires. Ademais, quem quer que considere atentamente os inomináveis tormentos do inferno, de que tão frequentemente escapou por conta da infinita misericórdia de Deus, não considerará os aborrecimentos desta vida, não importa quão graves e dolorosos, como de nenhuma importância, e até os tratará como prazeres?

Finalmente, como diz o Apóstolo: 'A paciência vos é necessária' (Hb 10,36), pois ela fortalece a fé, governa a paz, auxilia o amor, instrui a humildade, excita o arrependimento, faz satisfação pelos pecados, ata a língua, refreia a carne, resguarda o espírito, aperfeiçoa todas as virtudes e dota-nos ao fim desta vida com a bem-aventurada imortalidade: 'Porque agora o que é para nós uma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno duma sublime e incomparável glória' (2 Cor 4,17).

(Excertos da obra 'Manual da Vida Espiritual', do  Pe. C. J. Morotius)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

DO ABANDONO À DIVINA PROVIDÊNCIA (III)

A ordem de Deus, o beneplácito de Deus, a vontade de Deus, a ação de Deus, a graça, tudo isto, é uma e a mesma coisa nesta vida. É Deus traba­lhando para tornar a alma semelhante a Si mesmo. A perfeição não é outra coisa senão a cooperação fiel da alma a um trabalho de Deus. A graça produz-se em nossas almas, cresce, aumenta e tem a sua consumação em segredo e sem que a alma se dê conta.

A teologia está cheia de conceitos e expressões que explicam as maravilhas da graça, em cada alma, em toda a sua extensão. Pode conhecer-se tudo o que esta especulação ensina, falar dela admiravelmente, escrever, instruir, dirigir as almas: porém quem não tiver no espí­rito senão este conhecimento teórico, é para as almas que recebem o termo da ordem de Deus e da Sua divina vontade como se não soubesse toda a teoria com todas as suas partes e não pudesse falar dela.

A ordem de Deus, a Sua divina von­tade, recebida com simplicidade por uma alma fiel, realiza nela esse efeito divino, sem que ela o conheça; como um re­médio tomado com submissão opera a saúde num doente que não sabe nem tem que se preocupar de saber medi­cina. Assim como o fogo é que produz o calor e não a filosofia nem o conhecimento deste elemento e dos seus efei­tos, assim também é a ordem de Deus, é a Sua santíssima vontade que opera a santidade nas nossas almas, e não a especulação curiosa deste princípio e deste objetivo.

Quando temos sede, para nos dessedentarmos o que devemos fazer é deixar os livros que explicam estas coisas, e be­ber. A curiosidade de saber não é capaz de nos dessedentar. Assim quando a alma tem sede de santidade, a curiosidade de saber não é capaz senão de a afastar. Deve-se deixar de lado a especulação, e beber com simplicidade tudo o que a ordem de Deus nos apresenta de ações e sofrimentos. O que nos sucede em cada momento, por ordem de Deus, é o que há de mais santo, de melhor, e de mais divino para nós.

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Toda a nossa ciência consiste em co­nhecer esta ordem do momento pre­sente. Toda a leitura que se faz sem ser pela ordem de Deus, é prejudicial; é a vontade de Deus e a Sua ordem que é graça e opera no fundo dos nossos cora­ções, pelas nossas leituras como por to­das as nossas obras boas. Sem ela, as leituras são apenas espécies ou aparências vãs que, destituídas a nosso respeito da virtude vivificante da ordem, de Deus, não servem senão para deixar vazio o coração, precisamente pela ple­nitude que causam ao espírito.

Esta divina vontade penetrando na alma de uma rapariga ignorante, por meio de alguns sofrimentos ou de quaisquer outras ações vulgares, opera no mais íntimo do seu coração esse termo mis­terioso do ser sobrenatural, sem, contudo encher o seu espírito de qualquer ideia capaz de ensoberbecê-la; ao passo que o homem orgulhoso que estuda os livros es­pirituais levado somente da curiosidade, sem a vontade de Deus estar unida à sua leitura, não recebe senão a letra morta, sem o espírito que a vivifica, e vai se tornando cada vez mais árido e seco.

A ordem de Deus, a Sua divina vontade é a vida da alma, de qualquer modo que a alma a receba ou aplique a si mesma. Qualquer que seja a relação que esta divina vontade tenha para com o espírito, alimenta a alma e fá-la crescer continuamente, dando-lhe o que há de melhor em cada momento. O que produz tão divinos efeitos não é isto nem aquilo, mas o que pertence à ordem de Deus no momento atual. O que era o melhor no momento passado, já não o é, por não estar informado pela vontade de Deus, a qual se nos vai apre­sentando sob outras aparências, para fa­zer nascer a obrigação do momento pre­sente; e esta obrigação, qualquer que seja a aparência que ela tome, é o que presentemente há de mais santificante para as nossas almas.

Se neste momento a divina vontade nos manda ler, a leitura realiza no fundo da alma esse efeito misterioso. Se a divina vontade nos manda deixar a leitura por um dever de contempla­ção atual, este dever opera no fundo do coração o homem novo, e a leitura seria então prejudicial e inútil. Se a divina vontade retira a alma da con­templação atual, para aplicá-la a uma ocupação exterior mesmo durante consi­deráveis espaços de tempo, o novo dever forma Jesus Cristo no fundo do coração, e toda a doçura da contemplação ser­viria apenas para destruí-lo.

A ordem de Deus é a plenitude de todos os nossos momentos. Vai reves­tindo mil aparências diferentes, as quais, tornando-se sucessivamente o nosso dever atual, formam, fazem crescer e consumam em nós o homem novo, até à plenitude que a divina sabedoria nos destinou. Este misterioso crescimento da idade de Jesus Cristo nos nossos cora­ções é o termo produzido pela ordem de Deus: é o fruto da Sua graça e da Sua divina vontade.

Este fruto, como dissemos, produz-se, cresce e alimenta-se pela sucessão dos nossos deveres presentes, que a própria vontade de Deus preenche. Cumprindo estes deveres, estamos sempre seguros de possuir a melhor parte; porque esta vontade santa é precisamente a melhor parte. Não há senão que deixá-la agir e abandonar-se cegamente, com uma con­fiança perfeita, à sua ação. Ela é infini­tamente sábia, infinitamente poderosa, infinitamente benéfica para todas as almas que nela esperam totalmente e sem reserva, que só a ela amam e bus­cam, e crêem com uma fé e com uma confiança inabalável que o melhor é o que ela faz em cada momento, sem bus­car em outra parte o mais ou o menos, e sem se deter a considerar as relações que tudo o que é material tem com a ordem de Deus: o que não é senão um verdadeiro amor próprio buscando se a si mesmo.

A vontade de Deus é o essencial, o real e a virtude de todas as coisas, ela é que as ajusta e as acomoda à alma; sem ela tudo é vão, tudo é nada, mentira, vaidade, letra, aparência exterior e morte. A vontade de Deus é a salva­ção da alma, qualquer que seja a aparência sob que se apresente o assunto a que se aplica. Portanto, não se deve olhar para as relações que as coisas têm com o espí­rito e com o corpo, para julgar da sua virtude, pois essas relações são de redu­zida importância. A vontade de Deus é que dá às coisas, sejam elas quais fo­rem, a eficácia para formar Jesus Cristo no fundo dos nossos corações. Portanto não se devem dar leis nem traçar limites a esta vontade, pois ela é onipotente.

Tenha o espírito às ideias que lhe aprouver, sinta o corpo aquilo que puder, mesmo que para o espírito não fossem senão distrações e perturbações e para o corpo doenças e mortes, sem embargo, esta divina vontade é sempre, para o momento presente, a vida do corpo e da alma; porque enfim, um e a outra, em qualquer estado que este­jam, são por ela sempre sustentados e conservados. Sem ela, o pão é veneno; por ela, o veneno é remédio salutar. Os livros sem ela não fazem senão cegar, e por ela a perturbação torna-se luz. Ela é, para todas as coisas, tudo o que nelas há de bondade e de verdade. Ela dá-nos Deus em tudo, e Deus é o ser infinito que tem o lugar de tudo na alma que o possui.

(Excertos da obra 'O Abandono à Divina Providência', de P.J.P de Caussade)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

20 DE JANEIRO - SÃO SEBASTIÃO

São Sebastião foi um oficial romano, do alto escalão da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano (imperador de Roma entre 284 e 305 de nossa era e responsável pela décima e última grande perseguição do Império Romano contra o Cristianismo), que pagou com a vida sua devoção à fé cristã. Denunciado ao imperador por ser cristão e acusado de traição, foi condenado a morrer de forma especial: seu corpo foi amarrado a um tronco servindo de alvo a flechas disparadas por diferentes arqueiros africanos.

Primeiro Martírio: São Sebastião flechado

Abandonado pelos algozes que o julgavam morto, foi socorrido e curado e, de forma incisiva, reafirmou a sua convicção cristã numa reaparição ao próprio imperador. Sob o assombro de vê-lo ainda vivo, São Sebastião foi condenado uma vez mais sendo, nesta sua segunda flagelação, brutalmente açoitado e espancado até a morte. O seu corpo foi atirado num canal de esgotos, de onde foi depois retirado e levado até as catacumbas romanas. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Sebastião, na Via Apia, em Roma. É venerado por toda a cristandade como modelo de vida cristã, mártir da Igreja e defensor da fé e como padroeiro de diversas cidades brasileiras, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sua festa é comemorada a 20 de janeiro, data de sua morte no ano 304.

Segundo Martírio: São Sebastião espancado até a morte