O sexto dom do Espírito Santo faz a alma entrar em uma via superior a que ela se encontrava até aqui. Os cinco primeiros dons tendem todos para a ação. O Temor de Deus remete o homem ao seu lugar humilhando-o, a Piedade abre seu coração às afeições divinas, a Ciência ensina-o a discernir entre a via da salvação e a via da perdição, a Fortaleza o arma para o combate e o Conselho dirige o homem em seus pensamentos e em suas obras; agora, então, ele pode agir e seguir pela estrada, com a esperança de chegar ao termo.
Mas a bondade do Espírito divino lhe reserva ainda outros favores, fazendo-lhe desfrutar desde este mundo, de um antegozo da felicidade que lhe reserva na outra vida. Este será o meio de fortalecer sua marcha, de animar sua coragem e de recompensar seus esforços. A via da contemplação lhe será, de agora em diante, aberta e o Espírito divino nela o introduzirá por meio da inteligência. Muitas pessoas, talvez, se inquietem com a palavra contemplação, persuadidas erradamente de que as condições para isso só poderão ser encontradas na rara condição de uma vida passada no recolhimento e longe do contato dos homens. É um grave e perigoso erro que, muitas vezes, freia o impulso das almas.
A contemplação é o estado para o qual é chamado, em certa medida, toda alma que procura a Deus. Não consiste nos fenômenos pelos quais o Espírito Santo gosta de manifestar em algumas pessoas privilegiadas e que são destinados a provar a realidade da vida sobrenatural. Ela é, simplesmente, uma relação mais íntima que se estabelece entre Deus e a alma que lhe é fiel na ação; se esta alma não põe obstáculos, são-lhe reservados dois favores, entre os quais, o primeiro é o dom de inteligência, que consiste na iluminação do espírito esclarecido desde então por uma luz superior. Esta luz não retira a fé, mas clareia os olhos da alma, fortificando-os e dando-lhes uma visão mais extensa sobre as coisas divinas. Muitas nuvens provenientes da fraqueza e da grosseria da alma ainda não iniciada, se desvanecem.
A beleza cheia de encantos dos mistérios, a qual era vagamente sentida, se revela; inefáveis harmonias que nem eram suspeitadas, aparecem. Não é a visão face a face, reservada para o dia eterno; mas já não é mais aquela fraca luminosidade que dirigia seus passos. Um conjunto de analogias e de concordâncias mostram-se sucessivamente aos olhos do espírito, trazendo uma certeza cheia de doçura. A alma se dilata com essas claridades que enriquecem a Fé, aumentam a Esperança e desdobram o Amor. Tudo parece novo; e quando a alma olha para trás, compara e vê claramente que a verdade, sempre a mesma, agora é alcançada por ela de maneira incomparavelmente mais completa. A leitura dos Evangelhos a impressiona mais; encontra um sabor nas palavras do Salvador desconhecido para ela até então. Compreende melhor o fim a que Ele se propôs instituindo os sacramentos. A santa Liturgia a emociona por suas fórmulas tão augustas e seus ritos tão profundos. A leitura da vida dos santos a atrai, nada a espanta nos seus sentimentos e nos seus atos; aprecia seus escritos mais do que quaisquer outros e sente um aumento de bem estar espiritual, tratando com esses amigos de Deus.
Rodeada de deveres de toda natureza, a chama divina guia essa alma para satisfazer a cada um deles. As diversas virtudes que deve praticar conciliam-se em sua conduta; uma nunca é sacrificada pela outra, porque vê a harmonia que deve reinar entre elas. Está longe do escrúpulo como do relaxamento e sempre atenta para logo reparar os danos que pôde cometer. Algumas vezes, o próprio Espírito a instrui por uma palavra interior que, quando ouvida, ilumina sua situação com uma nova luz. De agora em diante, o mundo e seus vãos equívocos, são tomados por aquilo que são e a alma se purifica do resto de vínculos e complacências que ainda poderia conservar por eles. Aquilo que só tem grandeza e beleza segundo a natureza parece insignificante e miserável para esses olhos que o Espírito Santo abriu para as grandezas e belezas divinas e eternas. Só uma coisa redime a seus olhos esse mundo exterior que ilude o homem carnal: é que a criatura visível, que possui a marca da beleza de Deus, é susceptível de servir à glória de seu Autor. A alma aprende a fazer uso dela com ação de graças, tornando-a sobrenatural, glorificando Àquele que imprimiu as marcas de sua beleza nessa multidão de seres, que muitas vezes servem apenas para a perdição do homem, mas que são dadas para se tornarem degraus que o conduzem a Deus.
O dom da inteligência derrama também na alma o conhecimento de sua própria via. Faz com que ela compreenda o quanto são sábios e misericordiosos os desígnios do alto que, muitas vezes, a quebra e a transporta para onde não contava ir. Vê que se ela fosse senhora de si mesma, para dispor de sua existência, teria perdido o seu fim e que Deus nele a fez chegar, escondendo primeiramente os desígnios de sua paternal sabedoria. Agora ela está feliz, pois goza da paz e seu coração não cabe de ações de graças para agradecer a Deus que a conduziu ao termo sem consultá-la. Se acontecer de ser chamada para dar conselhos, para exercer uma direção por dever ou por motivo de caridade, pode-se confiar nela; o dom de inteligência a esclarece para os outros como para ela própria.
No entanto não se intromete, dando lições àqueles que não lhe pedem; mas se é interrogada, responde e suas respostas são luminosas como a chama que a ilumina. Este é o dom de inteligência, verdadeira luz da alma cristã e que se faz sentir nela em proporção à sua fidelidade aos outros dons. Este dom se conserva pela humildade, moderação dos desejos e recolhimento interior. Uma conduta dissipada detém o seu desenvolvimento e pode mesmo abafá-lo. Essa alma fiel pode se conservar recolhida mesmo em uma vida ocupada e cheia de deveres, e até no meio de distrações obrigadas às quais a alma se presta sem se prender. Que ela seja simples a seus próprios olhos e o que Deus esconde aos soberbos e revela aos pequenos lhe será manifestado e nela permanecerá.
Não há dúvida de que tal dom seja um imenso socorro para a salvação e a santificação da alma. Devemos implorá-lo ao divino Espírito com todo ardor de nossos desejos, convencidos de que o atingiremos mais seguramente pelo impulso do nosso coração do que pelo esforço de nosso espírito. Na verdade é na inteligência que se derrama a luz divina, objeto desse dom; mas sua efusão provém, sobretudo, da vontade aquecida pelo fogo da caridade, segundo a palavra de Isaías: 'Crede, e tereis a inteligência'. Vamos nos dirigir ao Espírito Santo nos servindo das palavras de Davi, dizendo: 'Abri nossos olhos e contemplaremos as maravilhas dos vossos preceitos; dai-nos a inteligência e teremos a vida'. Instruídos pelo Apóstolo, manifestaremos nosso pedido de maneira ainda mais insistente, nos apropriando da oração que ele dirige ao Pai celeste em favor dos fiéis de Éfeso, quando implora 'o espírito da sabedoria e da revelação pelo qual se conhece a Deus, os olhos iluminados do coração que descobrem o objeto de nossa esperança e as riquezas da gloriosa herança que Deus preparou para seus santos'.
(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)