quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O SONO DO MENINO JESUS

I. O sono de Jesus Menino foi demasiadamente breve e doloroso. Servia-lhe de berço uma manjedoura, a palha de colchão e de travesseiro. Assim o sono de Jesus foi muitas vezes interrompido pela dureza daquela caminha excessivamente dura e molesta, e pelo rigor do frio que reinava na gruta. De vez em quando, porém, a natureza sucumbia à necessidade e o Menino querido adormecia. Mas o sono de Jesus foi muito diferente do das outras crianças. O sono destas é útil à conservação da vida; não, porém, quanto às operações da alma, porque esta, privada do uso dos sentidos, fica reduzida à inatividade. Não foi assim o sono de Jesus Cristo: Ego dormio et cor meum vigilat. O Corpo repousava; velava, porém, a Alma, que em Jesus era unida à Pessoa do Verbo, que não podia dormir nem ficar dominada pela inatividade dos sentidos.

Dormia, pois, o Santo Menino, mas enquanto dormia, pensava em todos os padecimentos que teria de sofrer por nosso amor, no correr de toda a sua vida e na hora da sua morte. Pensava nos trabalhos pelos quais havia de passar no Egito e em Nazaré, levando uma vida extremamente pobre e desprezada. Pensava particularmente nos açoites, nos espinhos, nas injúrias, na agonia e na morte desolada, que afinal devia padecer sobre a Cruz. Tudo isso Jesus oferecia ao Pai Eterno enquanto estava dormindo, a fim de obter para nós o perdão e a salvação. Assim nosso Salvador, durante o sono, estava merecendo por nós, reconciliava conosco o seu Pai e nos alcançava graças.

Roguemos agora a Jesus que, pelos merecimentos do seu sono santo, nos livre do sono mortal dos pecadores, que dormem miseravelmente na morte do pecado, esquecidos de Deus e do seu amor. Peçamos-lhe que nos dê, ao contrário, o sono feliz da sagrada Esposa, da qual dizia: 'Eu vos conjuro... que não perturbeis à minha amada o seu descanso, nem a façais despertar, até que ela mesma queira'. É este o sono que Deus dá às almas suas diletas e que, no dizer de São Basílio, não é senão o supremo olvido de todas as coisas - summa verum omnium oblivio. Então a alma abandona todas as coisas terrestres, para só pensar em Deus e nos interesses da glória divina.

II. Ó meu querido e Santo Menino, Vós estais dormindo, mas esse vosso sono como me abrasa em amor! Para nós o sono é figura da morte; mas em Vós é símbolo de vida eterna porque, enquanto repousais, estais merecendo para mim a eterna salvação. Estais dormindo, porém o vosso coração não dorme, senão pensa em padecer e morrer por mim. Durante o vosso sono rogais por mim e me impetrais de Deus o descanso eterno do Paraíso. Mas enquanto não me levardes, como espero, para repousar junto de Vós no Céu, quero que repouseis sempre em minha alma.

Houve um tempo, ó meu Deus, em que Vos expulsei da minha alma. Vós, porém, tanto batestes à porta do meu coração, ora por meio do temor, ora com graças especiais, ora com convites amorosos, que tenho a esperança de que já entrastes nele. Assim espero, porque sinto em mim uma grande confiança de que já me perdoastes. Sinto também uma grande aversão e arrependimento das ofensas que vos tenho feito; um arrependimento que me causa grande dor, mas uma dor pacífica, uma dor que me consola e me faz esperar que a vossa bondade já me perdoou. Graças Vos dou, ó meu Jesus, e peço-vos que não vos aparteis mais da minha alma. Sei que Vós não vos apartareis de mim enquanto eu não vos repelir. 

É esta exatamente a graça que vos peço e que, com vosso auxílio, espero pedir-vos sempre: não permitais que vos torne a repelir de meu coração. Fazei que eu me esqueça de todas as coisas, a fim de só pensar em Vós, que sempre pensastes em mim e na minha salvação. Fazei que vos ame sempre nesta vida, a fim de que a minha alma, expirando unida convosco e em vossos braços, possa repousar eternamente em Vós sem receio de jamais vos perder. Ó Maria, assisti-me na minha vida, assisti-me na hora da minha morte, para que Jesus sempre repouse em mim e eu repouse sempre em Jesus. 

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano', de Santo Afonso Maria de Ligório)