Capítulo LIX
Auxílio às Santas Almas - São Malaquias no Mosteiro de Claraval - Irmã Zenaide - São José de Anchieta e a Missa de Réquiem
Não podemos deixar de contar a graça especial que a grande caridade de São Malaquias para com as santas almas lhe proporcionou. Um dia, estando na companhia de várias pessoas piedosas e conversando familiarmente sobre assuntos espirituais, chegaram a falar do seu último fim. 'Se' - disse ele - 'a escolha fosse dada a cada um de vós, a que hora e em que lugar gostaríeis de morrer?' A esta pergunta, um mencionou uma certa festa, outro uma tal hora e outro ainda, em tal lugar. Quando chegou a vez de o santo exprimir o seu pensamento, disse que não haveria lugar de seu maior agrado de terminar a sua vida do que no Mosteiro de Claraval, sob a direção de São Bernardo, a fim de poder gozar imediatamente do benefício dos sacrifícios daqueles fervorosos religiosos; e quanto a hora, preferia, o dia de Finados, para poder tomar parte em todas as missas e em todas as orações oferecidas em todo o mundo católico pelos fiéis defuntos.
Este seu piedoso desejo foi satisfeito em todos os detalhes. Estava a caminho de Roma para visitar o Papa Eugênio III quando, chegando a Claraval um pouco antes do dia de Finados, foi acometido por uma grave doença que o obrigou a permanecer naquele santo retiro. Compreendeu logo que Deus tinha ouvido as suas preces e exclamou como o profeta: 'Este é o meu repouso para todo o sempre; aqui habitarei, porque o escolhi' (Salmo 131). De fato, no dia seguinte, dia de Finados, enquanto toda a Igreja rezava pelos defuntos, ele entregou a sua alma nas mãos do Criador.
'Conhecemos' - diz o Abade Postel - 'uma santa religiosa chamada Irmã Zenaide que, afligida por uma doença terrível por vários anos, pediu a Nosso Senhor a graça de morrer no Dia de Finados, para o qual sempre tivera grande devoção. Seu desejo foi concedido. Na manhã do dia 2 de novembro, depois de dois anos de sofrimentos suportados com verdadeira coragem cristã, ela começou a entoar um hino de ação de graças e calmamente expirou alguns momentos antes da celebração das missas.
Sabemos que na liturgia católica há uma Missa Especial pelos defuntos; é celebrada com paramentos negros e é chamada de Missa de Réquiem. Pode-se perguntar: esta missa é mais proveitosa para as almas do que qualquer outra? O Sacrifício da Missa, não obstante a variedade de suas cerimônias, é sempre o mesmo Sacrifício infinitamente santo do Corpo e Sangue de Jesus Cristo mas, como a Missa pelos Defuntos contém orações especiais para as almas dos falecidos, ela oferece também uma ajuda especial para elas, pelo menos naqueles momentos em que as leis litúrgicas permitem que o padre celebre trajado de preto. Esta opinião, fundamentada na instituição e na prática da Igreja, é confirmada por um fato que lemos na Vida do Venerável Padre José Anchieta.
Este santo religioso, justamente apelidado de Taumaturgo do Brasil, tinha, como todos os santos, grande caridade para com as santas almas do Purgatório. Um dia, na Oitava de Natal, tempo no qual a Igreja proíbe a celebração de Missas de Réquiem, precisamente no dia 27 de dezembro, festa de São João Evangelista, este homem de Deus, para grande espanto de todos, subiu ao altar com paramentos negros e ofereceu o Santo Sacrifício pelos defuntos. O seu superior, padre Nóbrega, conhecendo a santidade de Anchieta, não duvidou que tivesse recebido uma inspiração divina; no entanto, para remover de tal conduta o caráter de irregularidade que parecia ter, repreendeu o santo sacerdote na presença de todos os irmãos. 'Como foi isso, padre' - disse a ele - 'você não sabe que a Igreja proíbe a celebração da missa em paramentos negros no dia de hoje? Você esqueceu a liturgia?'
O bom padre, bastante humilde e obediente, respondeu com respeitosa simplicidade que Deus lhe havia revelado a morte de um sacerdote da Companhia. Este padre, seu colega de estudos na Universidade de Coimbra, e que nessa altura residia na Itália, no Colégio da Santa Casa de Loreto, falecera naquela noite. 'Deus' - revelou ele - 'tornou-me isso conhecido e deu-me a entender que eu deveria oferecer o Santo Sacrifício em sua intenção imediatamente e fazer tudo ao meu alcance para o repouso de sua alma'. 'Mas' - disse então o Superior - 'como você sabe que a missa celebrada hoje será de algum benefício para ele?' Anchieta respondeu simplesmente: 'Imediatamente após ter feito a memória dos defuntos, quando disse estas palavras: A Vós, Deus Pai Todo-Poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e glória!, Deus me mostrou a alma desse querido amigo, libertada de todos os seus sofrimentos, elevando-se ao Céu para receber a sua coroa de glória'.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.