quarta-feira, 19 de julho de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XI)

 SOBRE A NOSSA ALMA

'Aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela' (Lc 19,41)

Quando Jesus estava prestes a entrar na cidade de Jerusalém, chorou sobre ela, dizendo: 'Se ao menos tivesses compreendido a graça que te trago, e dela tivesses tirado proveito, ainda terias obtido o perdão; mas não, a tua cegueira foi tão longe que todas essas graças serviram apenas para te endurecer e aumentar a tua desgraça; mataste os profetas e os filhos de Deus, e agora chegarás ao ápice dos teus crimes, matando o próprio Filho de Deus'. Foi isso, meus caros amigos, que fez com que Jesus derramasse copiosas lágrimas quando estava prestes a entrar na cidade. Na calamidade assim anunciada, Ele previu e deplorou a perda de tantas almas, muito mais culpadas, porque favorecidas com muito mais graças, do que a de outros judeus. O que o comoveu profundamente foi o fato de que, apesar dos seus méritos e da sua amarga paixão, que teriam sido suficientes para redimir mais de mil mundos, a maior parte da humanidade se perderia. De fato, mesmo entre nós, Ele percebeu aqueles que desprezam as suas graças e as utilizam apenas para a sua própria destruição. Quem não tremeria, ao pensar seriamente que pode perder a sua alma? Estaremos nós, porventura, entre o número desses infelizes? Estaria Jesus Cristo a referir-se a nós quando, em lágrimas, disse: 'Se a minha morte e o meu sangue não servirem para a vossa salvação, despertarão a ira eterna de meu Pai, que cairá sobre vós por toda a eternidade!': Deus perdido, uma alma condenada, o Céu rejeitado...

É concebível, meus amigos, que, apesar de tudo o que Jesus fez pela salvação da nossa alma, possamos ser tão indiferentes? Com o propósito de expulsar esta indiferença dentre nós, deixem-me tentar mostrar-vos: (i) o que é uma alma; (ii) o que custa nossa alma a Jesus Cristo; (iii) o que o demônio faz para perder a nossa alma.

I

Meus caros amigos, se apreciássemos realmente o valor da nossa alma, com que cuidado e zelo não a tentaríamos salvar! Mas nunca compreendemos realmente o seu valor. Mostrar o grande valor de uma alma é impossível ao homem mortal. Só Deus conhece as belezas e perfeições com que adornou uma alma. Deixai-me dizer-vos que Deus criou o céu e a terra, e tudo o que eles contêm, e todas estas maravilhas foram criadas para o benefício da alma. O nosso catecismo dá-nos uma indicação da magnificência da alma. Se perguntardes a uma criança: 'O que é que se entende quando se diz que o homem é uma criatura cuja alma é feita à imagem e semelhança de Deus?', ela responderá: 'Que a alma, como Deus, possui as faculdades de raciocinar, de amar e de agir por sua livre vontade'. Este, meus amigos, é o maior testemunho das qualidades com que Deus adornou a alma, que foi criada pelas três pessoas da Santíssima Trindade à sua própria semelhança. Um espírito semelhante a Deus, capaz de reconhecer, para toda a eternidade, as sublimidades e as perfeições de Deus; uma alma que é objeto do amor das três pessoas divinas, uma alma capaz de adorar Deus em todas as suas obras; uma alma cujo destino será cantar os louvores do Todo-Poderoso; uma alma que tem liberdade nas suas ações, de modo a poder dar o seu afeto e o seu amor onde quiser. Ela é livre para amar a Deus ou não amá-lo, mas quando tem a sorte de se voltar para Deus em amor, então o próprio Deus parece se comprazer em fazer a vontade de tal alma. Podemos mesmo afirmar que, desde a criação do mundo, nunca houve nada recusado a uma alma se ela se entregasse inteiramente ao amor de Deus. Deus incutiu em nossas almas desejos que não encontram sua gratificação neste mundo. Dai a uma alma todas as alegrias e tesouros deste mundo, e ela não ficará satisfeita, pela simples razão de que Deus criou a alma para si. Só Ele é capaz de satisfazer todos os seus desejos.

Sim, meus amigos, a nossa alma é capaz de amar a Deus, e só o amor de Deus constitui a sua felicidade. Se o amamos, todos os bens e prazeres que podemos desejar na terra ou no céu são nossos. Além disso, somos capazes de servir a Deus, isto é, de o glorificar nas nossas obras e ações. Não há nada, até a mais insignificante ação, pela qual não seja possível glorificarmos o Senhor, desde que a façamos por amor a Ele. As nossas ocupações na Terra são diferentes das ocupações dos anjos no Céu apenas na medida em que ainda não podemos contemplar o Senhor com os nossos olhos humanos, mas apenas com os olhos da fé. Nossa alma é tão nobre, adornada com tão belas qualidades, que Deus confiou cada alma aos cuidados de um príncipe de sua casa celestial, a um anjo da guarda. A nossa alma é tão preciosa aos olhos de Deus que, na sua sabedoria, Ele não poderia encontrar alimento mais digno para ela do que o seu próprio corpo divino, do qual a alma pode participar como o seu pão cotidiano, se assim o desejar. Santo Ambrósio diz que Deus estima tanto a nossa alma, que, se houvesse uma só alma no mundo, não teria considerado demasiado grande sacrifício morrer por essa alma. Disse a Santa Teresa: 'Tu és tão agradável a mim que, se não houvesse um céu, eu teria criado um só para ti'.

'Ó corpo, como és feliz!' - exclama São Bernardo - 'por abrigar uma alma adornada com tão belas graças!' A nossa alma é algo tão grande e tão precioso, que só Deus é maior do que ela. Um dia, Deus mostrou uma alma a Santa Catarina. Achou-a tão bela que exclamou: 'Oh, meu Senhor, se a minha fé não me ensinasse que só há um Deus, eu acreditaria que esta alma é outro Deus. Agora compreendo que tenhas morrido por uma alma tão bela!' A nossa alma, meus caros amigos, será tão imortal como o próprio Deus. Podemos, pois, admirar-nos que Deus, conhecendo tão bem o valor de uma alma, chore lágrimas tão amargas pela perda de uma alma assim?

II

Agora, consideremos quanto cuidado devemos empregar para preservar em nossa alma suas grandes belezas. Ó, meus amigos, Deus está tão triste com a perda de uma alma, que até chorou por ela. Já nos seus profetas, Ele chora e lamenta a perda de almas. Podemos ver isso claramente na pessoa do profeta Amós. O profeta diz: 'Quando me retirei para a solidão e meditei no número terrível de crimes que o próprio povo de Deus cometia todos os dias, e quando vi que a ira de Deus estava prestes a descer sobre eles, e que o abismo do inferno estava prestes a abrir-se e a devorá-los, então reuni-os e disse-lhes, com lágrimas amargas: Ó, meus filhos, sabeis qual é a minha ocupação, de dia e de noite? É lembrar-me, na amargura do meu coração, de todos os vossos pecados. Se adormeço de cansaço, desperto imediatamente e grito, com os olhos banhados em lágrimas e o coração dilacerado pela dor: Ó, meu Deus, meu Deus! Há ainda alguma alma em Israel que não Te ofenda? E então, com a mente cheia deste triste e deplorável estado de coisas, falo com o Senhor e, suspirando amargamente na sua presença, digo: Ó, meu Deus, que devo fazer para obter o perdão para eles? E agora ouve o que o Senhor me disse: Profeta, se queres obter o perdão para este povo ingrato, vai às suas ruas e lugares públicos e deixa-os ressoar com as tuas lamentações; vai às lojas dos comerciantes e às oficinas; vai aos tribunais; vai às casas dos ricos e às cabanas dos pobres, diz a todos, onde quer que os encontres dentro ou fora das portas da cidade: Ai de vós, ai de vós, que pecastes contra o Senhor'.

O profeta Jeremias, caros irmãos, vai ainda mais longe. Para nos mostrar como a perda de uma alma é dolorosa para Deus, ele exclama num momento em que foi inspirado pelo espírito de Deus: 'Ah, meu Deus, que será de mim? Confiaste aos meus cuidados um povo rebelde, uma nação ingrata, que não vos ouve nem se sujeita à vossa tua orientação. Que hei de fazer? Que resolução hei de tomar?' E o Senhor respondeu-me: 'Para lhes mostrar como me entristece a perda das suas almas, toma o teu cabelo, arranca-o da tua cabeça e atira-o para longe de ti, porque os pecados deste povo obrigaram-me a abandoná-lo, e a minha cólera acendeu-se no mais íntimo das suas almas'. Quando a ira de Deus se acende por causa do pecado, essa é a maior doença do coração. 'Mas, ó Senhor' - disse o profeta - 'que farei eu para vos induzir a desviar do vosso povo o vosso olhar irado? 'Toma um saco como vestimenta' - disse-me o Senhor - 'espalha cinzas sobre a tua cabeça e chora sem cessar e em tal abundância que as tuas lágrimas cubram o teu rosto, e chora tão amargamente que os pecados deles sejam afogados nas tuas lágrimas'.

Percebem, queridos irmãos, como é dolorosa a perda das vossas almas para Deus? Vedes como somos miseráveis quando destruímos uma alma que Deus amou tanto que Ele, quando ainda não tinha olhos para chorar, pediu emprestados os olhos do profeta para derramar lágrimas amargas pela sua perda. O Senhor diz pelo seu profeta Joel: 'Chorai a perda das almas, como uma jovem esposa que acaba de perder o marido, que era a sua única consolação, e que está exposta agora a toda a espécie de desgraças'. Se considerarmos então o que custou a Cristo salvar as nossas almas; se considerarmos toda a sua vida, desde o seu humilde nascimento até o seu último suspiro no Calvário, todo este sofrimento de um Homem-Deus, infinito em valor, dir-nos-á o valor da nossa alma, porque tudo o que Ele fez foi redimir essa alma, foi pagar o preço pelas nossas almas.

III

Santo Agostinho nos pergunta: 'Quereis saber quanto vale a vossa alma? Ide perguntar ao diabo e ele vos dirá. O demônio anseia tanto pela nossa alma que, mesmo que vivêssemos quatro mil anos, se depois desses quatro mil anos de tentação nos conseguisse conquistar, consideraria o seu trabalho bem feito'. Este santo homem, que sofreu as tentações do demônio de uma forma tão especial, diz-nos que a nossa vida é uma tentação contínua. O próprio demônio disse um dia, pela boca de um possesso, que enquanto houvesse um homem na terra, ele estaria lá para o tentar. Porque, dizia ele, não posso suportar que os cristãos, mesmo depois de tantos pecados, possam ainda esperar o céu que perdi de uma só vez, sem nunca mais o poder recuperar.

Mas, infelizmente, sim, podemos experimentar em nós mesmos que, em quase todas as nossas ações, somos tentados, seja pela soberba, seja pela vaidade, seja por pensar na opinião que os outros farão de nós, seja por conceber a inveja, o ódio, o desejo de vingança... Outras vezes, o demônio vem até nós para nos apresentar as imagens mais imundas e impuras. Vede como, quando rezamos, ele agita o nosso espírito, transportando-o de uma parte para outra. E, além disso, desde Adão até nós, não encontrareis um santo que não tenha sido tentado de uma forma ou de outra; e os maiores santos foram precisamente aqueles que experimentaram as maiores tentações. O próprio Jesus Cristo quis ser tentado, para nos dar a entender que também nós seríamos tentados: é necessário, portanto, que tenhamos consciência disso. Se me perguntardes qual é a causa das nossas tentações, responder-vos-ei que é a beleza e o valor da nossa alma, que o demônio ama e deseja tanto que se contentaria em sofrer dois infernos, se necessário, para a poder arrastar com ele para partilhar as suas penas.

Devemos, pois, estar sempre vigilantes, com medo de que, no momento menos esperado, o demônio nos possa enganar. Para repelir as tentações, diz-nos Santo António, devemos usar as mesmas armas do demônio: assim, quando ele nos tenta com a soberba, devemos logo humilhar-nos e rebaixar-nos diante de Deus; se nos quer tentar contra a santa virtude da pureza, devemos esforçar-nos por mortificar o nosso corpo e os nossos sentidos, vigiando-nos mais do que nunca. Se nos quiser tentar com aborrecimentos na hora da oração, devemos redobrar as nossas orações e prestar mais atenção; e quanto mais o demônio nos induzir a abandonar as nossas orações habituais, tanto mais perseveramos em rezá-las. 

Se vemos então o que o demônio faz para destruir a nossa alma, então a nossa alma deve ser muito valiosa, se ele usa todas as suas forças para a destruir. Não vamos, no entanto, debruçar-nos sobre este triste quadro. Basta saber que ele é o nosso maior inimigo, que devemos lutar contra ele e que, com a graça de Cristo, podemos vencê-lo. Como são verdadeiras, portanto, as palavras da Escritura: 'Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?' Ó amados irmãos, o conhecimento do valor da vossa alma deve levar-vos a guardá-la como o vosso maior tesouro. Não permitais que o pecado a manche ou destrua. Como sabeis que o pecado causará a perda da vossa bela alma, guardai-a, e que esta seja a vossa resolução nesta manhã, não só para evitar todo o pecado mortal, mas também todo o pecado venial voluntário, de modo a salvar a vossa alma para o Céu, e permitir que ela alcance o seu destino, o seu lar, e a sua recompensa, a visão eterna da grande glória de Deus. Amém.