'... primeiro deve vir a apostasia, e deve manifestar-se o homem da iniquidade, o filho da perdição, o adversário, aquele que se levanta contra tudo o que é divino e sagrado, a ponto de tomar lugar no Templo de Deus, e apresentar-se como se fosse Deus... Agora, sabeis perfeitamente que algo o detém, de modo que ele só se manifestará a seu tempo. Porque o mistério da iniquidade já está em ação, apenas esperando o desaparecimento daquele que o detém. Então, o tal ímpio se manifestará. (2 Ts 2, 3-8)
São Paulo, em sua carta aos Tessalonicenses, nos fala sobre o fim dos tempos e sobre o aparecimento do anticristo, o ímpio dos ímpios, que ousará se colocar no trono de Deus, fingindo ser Deus. E que estes tempos terríveis para a Igreja e a civilização cristã no mundo será precedida por uma grande, uma monumental apostasia, o que significa que uma grande parte da humanidade será sustentada por homens sem fé e sem Deus.
Mas São Paulo deixa muito claro que alguém ou alguma coisa tende a impedir (ou postergar) o pleno surgimento do anticristo. Primeiro, ele cita 'algo' e depois menciona explicitamente que o impedimento do mistério da iniquidade envolve o 'desaparecimento de alguém'. São Paulo está falando, portanto, de duas barreiras distintas e complementares: de alguma coisa e de um homem em particular. Parece bastante óbvio entender que já estamos vivendo esses tempos tremendos: a apostasia é universal e a humanidade como um todo cultua o homem como deus de si mesmo. Neste contexto de agora, quais poderiam ser essas duas referências singulares dos tempos finais?
O 'algo' ou 'alguma coisa' é o fundamento da nossa fé cristã - a Sagrada Eucaristia, o mistério da graça divina pela transubstanciação do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo; a presença real e viva de Jesus Cristo no Santo Sacrifício. Recebemos o Cristo - Corpo, Sangue, Alma e Divindade - em nossa alma, a cada comunhão. Recebemos o Rei do Universo em nossos corações. Recebemos Deus, descido dos Céus ao encontro do homem do pecado.
E o que temos feito da Sagrada Eucaristia, bispos, padres e leigos? Pouco caso, indiferentismo, violações, aberrações litúrgicas, profanações... Quantos católicos creem firmemente nos mistérios da transubstanciação? Quantos padres? Quantos bispos? Quantos não participam da ceia eucarística como se ela fosse apenas o simbolismo de uma mera refeição? Recebendo uma hóstia de pão e não o Pão Vivo dos Céus? Percorrendo a procissão eucarística como andarilhos na igreja, recebendo Jesus como um objeto nas mãos, voltando aos bancos como cumprindo uma parte do ritual litúrgico, sem ação de graças, sem agradecimentos e sem orações (se isso fosse permitido pela cantoria sem fim).
O que aconteceu na pandemia? Fecharam-se as igrejas, a Igreja aceitou passivamente não mais oferecer o Santo Sacrifício (os fieis ficaram forçados a fazer a comunhão espiritual em missas online). Qual vai ser o peso desse pecado para a Igreja? O que acontece agora, na pós-pandemia? A mesma subserviência mundana, submergida pelos cuidados da saúde física dos fieis, sem quaisquer ponderações em favor da primazia da salvação das almas. A comunhão nas mãos, o self-service eucarístico, com enorme risco de perdas das espécies eucarísticas e de profanações. É assim, indiferente e morno, que uma grande maioria de católicos dos dias atuais se comporta diante de Deus.
A Santa Eucaristia é a barreira institucional contra a manifestação do anticristo; nela estão encerrados os contrafortes contra essa rebentação, a contenção contra este flagelo de iniquidades. Mas até quando? Uma vez distorcida, comprometida, adulterada e vilipendiada, esta muralha, que deveria ser intransponível, tende a perder a resistência, a estabilidade e a segurança contra a ruína total. E este processo parece não ter fim, e só aumenta em amplitude e deterioração. Perdida a barreira da Santa Eucaristia, estaremos todos perdidos.
Mas São Paulo menciona também uma figura humana, associada à instituição do sacramento divino. Todo esse caudal de iniquidades ainda se mantém confinado também pela ação de um homem: 'daquele que o detém'. Há um elemento chave para se entender a natureza deste personagem: a manifestação do anticristo provém das entranhas da própria Igreja porque ousará tomar para si o próprio Templo de Deus, fazendo-se deus, ou seja, tomando e conspurcando a Igreja de Cristo pelo seu poder mais elevado nessa terra. Portanto, aquele que o detém só pode ser alguém com papel relevante e decisivo nos próprios destinos da Igreja Militante. Quem poderia ser essa pessoa a não ser um papa?
Seria essa pessoa o Papa Bento XVI? Um homem já tão idoso, frágil e doente, vivendo em completo recolhimento e afastado do poder temporal da Igreja? Ou deveríamos ver nele um teólogo brilhante, uma sede da sabedoria da graça, um eremita cumprindo a Santa Vontade de Deus? O que sabemos realmente de tudo que aconteceu na Igreja nestes últimos tempos, desde a sua espantosa abdicação? Qual é o verdadeiro papel que o atual Bispo Emérito da Cidade de Roma desempenhou (ou ainda vai desempenhar) na crise atual da Igreja de Cristo? Não sabemos, mas o fato concreto é que o Papa Bento XVI ainda vive, idoso, frágil e doente, conforme a vontade e os desígnios da Providência Divina. Ele ainda não desapareceu, como ainda não desapareceu a Sagrada Eucaristia, como ainda não se instaurou a abominação da desolação na Santa Igreja (cf Livro de Daniel). Ainda. Tudo tem a sua razão nos planos da Providência, porque nada acontece por acaso, nada é apenas nada onde Deus vive e reina pelos séculos dos séculos.