Capítulo XL
Razões da Expiação no Purgatório - Pecados Contra a Caridade e o Respeito ao Próximo - São Luís Bertrand e o Jovem Religioso - Padre Nieremberg - Santa Margarida e o Religioso Beneditino
A verdadeira caridade é humilde e indulgente para com os outros, respeitando-os como se fossem seus superiores. As suas palavras são sempre amigas e cheias de consideração pelos outros, não tendo nada de amargura ou de frieza, nada de desprezo, porque deve nascer de um coração manso e humilde como o de Jesus. Ela também evita cuidadosamente tudo o que poderia perturbar a unidade; ela toma todos os meios, faz todos os sacrifícios para efetuar uma reconciliação, de acordo com as palavras de nosso Divino Mestre: 'se você oferecer sua oferta no altar, e lá você se lembrar de que seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe sua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-se com teu irmão, e depois, vindo, oferecerás a tua oferta' (Mt 5, 23).
Um religioso que feriu a caridade em relação a São Luís Bertrand recebeu um terrível castigo após a morte. Ele foi lançado no fogo do Purgatório e que teve de suportar esse sofrimento até satisfazer a Justiça Divina; mais ainda, não poderia ser admitido na morada dos eleitos até que tivesse realizado um ato de reparação exterior, que deveria servir de exemplo para os vivos. O fato é assim relatado na vida desse santo.
Quando São Luís Bertrand, da Ordem de São Domingos, residia no convento de Valência, havia na comunidade um jovem religioso que dava demasiada importância à ciência profana. Sem dúvida, as letras e a erudição têm seu valor mas, como declara o Espírito Santo, devem ceder ao temor de Deus e à ciência dos santos: scientiam sed non est super timentem Deum - nenhuma ciência é tão grande quanto aquele que teme o Senhor (Eclo 25,13). Esta ciência dos santos, que a Sabedoria Eterna veio nos ensinar, consiste na humildade e na caridade. O jovem religioso de quem falamos, embora pouco avançado na ciência divina, permitiu-se repreender o padre Bertrand por seu pouco conhecimento e disse-lhe: 'Vê-se, padre, que você não é muito instruído!' 'Irmão' - respondeu o santo com firmeza mansa - 'Lúcifer era muito instruído e ainda assim se condenou'.
O irmão que cometeu esta falta não pensou em repará-la. Não obstante, não era um mau religioso e, algum tempo depois adoecendo gravemente, recebeu os últimos sacramentos com muito boa disposição e expirou pacificamente no Senhor. Decorreu um tempo considerável e Bertrand foi nomeado prior. Um dia, tendo permanecido no coro depois das matinas, o defunto apareceu-lhe envolto em chamas e, prostrando-se humildemente diante dele, disse: 'Padre, perdoe-me as palavras ofensivas que um dia eu lhe dirigi. Deus não permitirá que eu veja o seu rosto até que você tenha perdoado a minha culpa e rezado a Santa Missa em minha intenção'. O santo o perdoou de bom grado e, na manhã seguinte, celebrou a missa pelo descanso de sua alma. Na noite seguinte, estando novamente no coro, viu reaparecer o irmão falecido, agora radiante de glória e se elevando ao Céu.
Padre Eusébio Nieremberg, religioso da Companhia de Jesus, autor do belo livro Diferença entre Tempo e Eternidade, residiu no Colégio de Madri, onde morreu em odor de santidade em 1658. Este servo de Deus, que era singularmente devoto pelas almas do Purgatório, estava um dia rezando na igreja do colégio por um padre recém-falecido. O falecido, que por muito tempo havia sido professor de teologia, provou ser um religioso tão bom quanto um teólogo erudito; ele havia se distinguido por sua grande devoção à Santíssima Virgem, mas um vício havia se insinuado entre suas virtudes – ele não era caridoso em suas palavras e frequentemente falava das faltas de seu próximo.
No momento em que o padre Nieremberg estava reverenciando a sua alma a Deus, este religioso apareceu e revelou-lhe o estado de sua alma. Ele tinha sido condenado a terríveis tormentos por ter falado frequentemente contra a caridade. Sua língua, instrumento de sua culpa, foi torturada por um fogo devorador. A Santíssima Virgem, em recompensa da terna devoção que ele tinha por ela, obteve permissão para que ele viesse pedir orações e, ao mesmo tempo, servir de exemplo para os outros, para que aprendessem a ser cautelosos em todas as suas palavras. Padre Nieremberg, após ter feito muitas orações e penitências por ele, logrou finalmente obter a sua libertação.
O religioso que se faz menção na vida da bem-aventurada Margarida Maria, pelo qual aquela serva de Deus teve que sofrer tão terrivelmente durante três meses, entre outras faltas, foi punido também pelos seus pecados contra a caridade. Assim foi relatada essa revelação. A bem-aventurada Margarida Maria, estando um dia diante do Santíssimo Sacramento, viu-se de repente diante de um homem totalmente envolto em chamas, cujo fogo era tão intenso que lhe pareceu prestes a consumi-la também. O estado lastimável em que se encontrava esta pobre alma a fez cair em lágrimas. O homem era um religioso beneditino do mosteiro de Cluny, a quem ela havia se confessado no passado, com um grande bem à sua alma, ordenando-lhe que recebesse a Sagrada Comunhão. Em compensação por esse serviço, Deus permitiu que a sua alma pudesse dirigir-se à Margarida, para assim obter algum alívio para os seus sofrimentos.
A pobre alma implorou então que tudo que ela fizesse ou sofresse durante três meses fosse aplicado em sua intenção. Após pedir a devida permissão, ela assim o prometeu. Ele revelou então que a causa principal do seu grande sofrimento foi de ter sempre buscado os seus próprios interesses e não a glória de Deus e o bem das almas, dando assim demasiada importância à sua reputação. A segunda causa teria sido a sua falta de caridade para com os seus irmãos. A terceira, a afeição natural por criaturas a quem, por fraqueza, se rendera e às quais dera provas desta predileção em suas orientações espirituais, o que - acrescentou - teriam em muito desagradado a Deus.
É difícil dizer tudo o que a serva de Deus sofreu durante os três meses seguintes. O falecido nunca a deixou, sempre postado ao seu lado e envolto em chamas que a consumiam em dores excruciantes, que a faziam chorar sem cessar. A sua superiora, movida pela compaixão, ordenou-lhe penitências e disciplinas severas, porque a dor e o sofrimento destas coisas muito a aliviavam. Os tormentos - ela dizia - que a santidade de Deus lhe imprimia eram absolutamente insuportáveis. E eram apenas uma amostra do sofrimento suportado pelas pobres almas do Purgatório.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)