quinta-feira, 23 de agosto de 2018

SOBRE A SEPARAÇÃO DO ESTADO E DA IGREJA

Que seja preciso separar o Estado da Igreja é uma tese absolutamente falsa, um erro perniciosíssimo. Com efeito, baseada nesse princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso ela é, em primeiro lugar, em alto grau injuriosa para com Deus; porquanto o Criador do homem também é o Fundador das sociedades humanas, e conserva-as na existência como nos sustenta nelas. Devemos-lhe, pois, não somente um culto privado, mas um culto público e social para honrá-lo.

Além disto, essa tese é a negação claríssima da ordem sobrenatural. De feito, ela limita a ação do Estado à simples demanda da prosperidade pública durante esta vida, a qual não passa da razão próxima das sociedades políticas; e, como que lhe sendo estranha, de maneira alguma se ocupa da razão última delas, que é a beatitude eterna proposta ao homem quando esta vida, tão curta, houver findado. E, no entanto, achando-se a ordem presente das coisas, que se desenrola no tempo, subordinada à conquista desse bem supremo e absoluto, não somente o poder civil não deve obstar a essa conquista, mas deve ainda ajudar-nos nela.

Essa tese subverte igualmente a ordem muito sabiamente estabelecida por Deus no mundo, ordem que exige uma harmoniosa concórdia entre as duas sociedades. Essa duas sociedades, a sociedade religiosa e a sociedade civil, têm, com efeito, os mesmos súditos, embora cada uma delas exerça na sua esfera própria a sua autoridade sobre eles. Daí resulta forçosamente que haverá muitas matérias que elas ambas deverão conhecer, como sendo da alçada de ambas. Ora, venha a desaparecer o acordo entre o Estado e a Igreja, e dessas matérias comuns pulularão facilmente os germes de contendas, que se tornarão agudíssimos dos dois lados; a noção da verdade será, com isso, perturbada, e as almas ficarão cheias de grande ansiedade.

Finalmente, essa tese inflige graves danos à própria sociedade civil, pois esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres.

Por isto, não têm os Pontífices romanos, segundo as circunstâncias e segundo os tempos, cessado de refutar e de condenar a doutrina da separação entre a Igreja e o Estado. Notadamente o Nosso ilustre Predecessor Leão XIII várias vezes e magnificamente expôs o que, consoante a doutrina católica, deveriam ser as relações entre as duas sociedades. Entre elas, disse ele, 'cumpre necessariamente que uma sábia união intervenha, união que se pode, não sem justeza, comparar à que reúne no homem a alma e o corpo'.

E acrescenta ainda: 'As sociedades humanas não podem, sem se tornarem criminosas, comportar-se como se Deus não existisse, ou recusar preocupar-se com a religião, como se esta lhes fosse coisa estranha ou que de nada lhes pudesse servir... Quanto à Igreja, que tem por autor o próprio Deus, excluí-la da vida ativa da nação, das leis, da educação da juventude, da sociedade doméstica, é cometer um grande e pernicioso erro' (Carta Encíclica Immortale Dei, papa Leão XIII, 1885).

(Papa São Pio X, na Carta Encíclica 'Vehementer Nos')