sexta-feira, 27 de maio de 2016

DAS ESPÉCIES E DOS OBJETOS DOS ESCRÚPULOS

Podem-se distinguir diversas espécies de escrúpulos: uns em matéria de fato, e outros em matéria de direito. Há escrúpulo em matéria de fato quando, por exemplo, a pessoa receia ter consentido num mau pensamento, não haver confessado bem um pecado, ou ter esquecido alguma circunstância, etc: Há escrúpulo em matéria de direito quando, por exemplo, se acredita que há pecado quando não o há; que uma coisa é proibida, quando não o é; que uma ação é culposa, ainda que não seja. 

Há escrúpulos·em matéria grave quando, por exemplo, se receia que uma ação que se fez ou que se deva fazer seja pecado mortal; donde vem que, depois de a haver feito, a pessoa se considera como um inimigo de Deus e como objeto de sua aversão. Há-os em matéria leve quando se receia que uma ação que se fez ou que se quer fazer, mesmo a mais inocente, é desagradável a Deus, e se considera a Deus como um amo severo, sempre irritado e descontente, que só tem para o escrupuloso censuras e ameaças, e que breve deve abandoná-lo para puni-lo das suas infidelidades. 

Há, finalmente, a tentação do escrúpulo e o consentimento na tentação. A tentação consiste no temor e na angústia que empolgam o coração do escrupuloso e lhe fazem ver pecado onde absolutamente não o há. O consentimento na tentação consiste em que o escrupuloso, em vez de resistir aos seus escrúpulos, a eles se deixa arrastar, escuta-os, examina-os e revira-os cem e cem vezes na mente, embora fique sempre igualmente embaraçado. Finalmente, deixa-se ele persuadir de haver pecado, e não tem repouso enquanto não depositar o seu escrúpulo aos pés de um confessor. Eis agora os principais objetos dos escrúpulos: 

1. As orações: Os escrupulosos torturam-se no tocante à maneira como fazem as suas orações: desatenção, distra­ções, omissões, dissipação, tibieza; racham a cabeça, enleiam-se, acabrunham o espírito com isso; e ·tantos esforços, ao invés de lhes afastar os temores, só são próprios para produzi-los em turba. 

2. As confissões: Quantas inquietações não têm os escrupulosos sobre as suas confissões passadas; que desejos de reiterá-las incessantemente e quantos tormentos se são impedidos disso! Confissões gerais, confissões anuais, confissões particulares, confissões sem dor, confissões sem fruto, eis aí outras tantas inquietações que roem os escrúpulos;

3. As correções fraternas: menos há­beis não são eles em forjar mil quimeras no tocante às maledicências ouvidas, às maledicências repetidas, às maledicências não impedidas, do que sobre a curiosidade excessivamente grande para com a conduta do próximo, e sobre o excesso de covardia em repreender os que fazem mal. 

4. Os motivos das ações: novo motivo de aflição e de tristeza para o escrupuloso: o motivo das ações, sobretudo nas coisas indiferentes e de conselho. O grande desejo que eles têm, de referir tudo à glória de Deus, leva-os crer que eles nunca têm intenção pura, e que só têm intenções contrárias. Se dão uma esmola, imaginam ser por vaidade; se comem, é por sensualidade, etc, etc.

5. Sobre a predestinação: o quinto objeto dos escrúpulos, pelo qual as almas são trabalhadas, é dos mais desoladores, porque lhes abate o ânimo lançando-lhes trevas no espírito. O escrupuloso não compreende o mistério da predestinação; procura compreendê-lo; acredita-se reprovado, e ei-lo sem coragem, caindo às vezes numa espécie de demência. 

6. As perguntas perigosas que ele faz a si mesmo: o escrupuloso lança-se de vez em quando em tentações delicadíssimas, pelas perguntas perigosas que faz a si mesmo: que faria eu se me achasse em tal ou tal caso? Estaria disposto a cumprir o meu dever, a derramar o meu sangue, etc., etc.? E sobre Isto se atormenta, e julga-se culpado daquilo que imagina haver entrevisto nas suas disposições. 

7. As tentações: quem não sabe que o escrupuloso teme sempre haver consentido em molestas tentações que o demônio lhe suscite? Ele confunde o sentimento com o consentimento, a tentação com a vontade; daí um motivo inesgotável de perturbações.

(Excertos da obra 'Tratado dos Escrúpulos'. pelo Pe. Grimes, Ed. Vozes, 1952)