terça-feira, 27 de novembro de 2018

O SANTÍSSIMO SACRAMENTO NÃO É AMADO!

Ai de nós! É uma grande verdade, Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento não é amado! Primeiro, por esses milhões de pagãos, por esses milhões de infiéis, por esses milhões de cismáticos e de heréticos que não conhecem ou conhecem mal a Eucaristia. Oh! entre tantos milhares de criaturas em quem Deus colocou um coração capaz de amar, quantas amariam o Santíssimo Sacramento se o conhecessem como eu!

Não devo, ao menos, esforçar-me em amá-lo por elas em seu lugar? Entre os católicos, são poucos, muito poucos, os que amam a Jesus no Santíssimo Sacramento: quantos pensam nEle frequentemente, nele falam, vão adorá-l'o ou recebê-l'O? Por que esse esquecimento, essa frieza? Oh! é que jamais provaram a Eucaristia, a sua suavidade, as delícias do seu amor!

É que jamais conheceram Jesus em sua bondade. É que não suspeitam a extensão de seu amor no Santíssimo Sacramento. Alguns têm a fé em Jesus Cristo, mas uma fé inativa, uma fé tão superficial que não chega ao coração, limitando-se ao que exigem rigorosamente a consciência, a salvação. E mesmo esses últimos são relativamente pouco numerosos entre tantos outros católicos que vivem como verdadeiros pagãos, como se jamais houvessem ouvido falar da Eucaristia.

Por que é Nosso Senhor tão pouco amado na Eucaristia? Porque não se fala bastante, porque se recomenda apenas a fé na presença de Jesus Cristo, em vez de falar em sua vida, em seu amor no Santíssimo Sacramento, em vez de ressaltar os sacrifícios que lhe impõe o seu amor, em uma palavra, em vez de mostrar Jesus-Eucaristia amando a cada um de nós pessoalmente e particularmente.

Outra causa é o nosso proceder que em nós denota pouco amor: quando se nos vê orar, adorar, frequentar a igreja, não se compreende a presença de Jesus Cristo. Quantos entre os melhores não fazem jamais uma visita de devoção ao Santíssimo Sacramento, para falar-lhe de coração, para dizer-lhe de seu amor! Não amam, pois, a Nosso Senhor na Eucaristia, porque não o conhecem bastante.

Mas se o conhecem no seu amor, nos sacrifícios, nos desejos de seu Coração, e, apesar disso, não o amam, que injúria! Sim, uma injúria! Pois é dizer a Jesus Cristo que Ele não é bastante belo, bastante bom, bastante amável para ser preferido ao que lhes agrada. Que ingratidão! Após tantas graças recebidas desse bom Salvador, após tantas promessas de amá-lo, tantas ofertas de si mesmo ao seu serviço, é zombar de seu amor tratá-lo assim. Que covardia!

Pois se não se quer conhecê-lo demais, vê-lo de perto, recebê-lo, falar-lhe intimamente, é por medo de ser conquistado por seu amor! Tem-se medo de se ver obrigado a render-se e a sacrificar-lhe sem reserva o coração, sem condição o espírito e a vida! Tem-se medo do amor de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, e dele se foge! Sente-se a perturbação diante dEle, tem-se o receio de ceder! A exemplo de Pilatos e Herodes, foge-se de sua presença!

Não se ama Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento porque se ignoram ou não se examinam suficientemente os sacrifícios que o seu amor aí faz por nós. Sacrifícios tão surpreendentes que, só ao pensar neles, sinto o coração oprimido e os olhos rasos de lágrimas! A instituição da Eucaristia custava o preço de toda a Paixão do Salvador. Como assim? Eis a razão: A Eucaristia é o sacrifício da nova Lei; ora, não há sacrifício sem vítima; a imolação exige a morte da vítima e, para participar dos méritos do sacrifício, é preciso participar da vítima pela manducação [ato de comer]. Ora, tudo isso se encontra na Eucaristia.

Ela é o sacrifício incruento porque a vítima morreu uma só vez e, por esta única morte, reparou e mereceu toda justificação; mas perpetua-se em seu estado de vítima, para aplicar-se os méritos do sacrifício cruento da Cruz, que deve durar e ser representado a Deus até o fim do mundo. Devemos comer a nossa parte da vítima; mas se ela não possuísse esse estado de morte, teríamos excessiva repugnância em comê-la: não se come senão o que está morto para a sua vida própria.

De modo que a Eucaristia custava o preço da agonia no Jardim das Oliveiras, das humilhações sofridas diante dos tribunais de Caifás e de Pilatos, da morte no Calvário! A vítima teria de passar por todas essas imolações para chegar até o estado sacramental e até nós. Instituindo o Seu Sacramento, Jesus perpetuava os sacrifícios de sua Paixão: condenava-se a sofrer:

- um abandono tão doloroso quanto o que padeceu no Jardim das Oliveiras;
- a traição de seus amigos, de seus discípulos, tornando-se cismáticos, heréticos, renegados, que venderiam a santa hóstia aos judeus, aos mágicos;
- perpetuava as enganações que o afligiriam em casa de Anás;
- os furores sacrílegos de Caifás;
- os desprezos de Herodes;
- a covardia de Pilatos;
- a vergonha de se ver preterido por uma paixão, um ídolo de carne, como preterido por Barrabás;
- a crucificação sacramental no corpo e na alma do comungante sacrílego.

Pois bem, Nosso Senhor sabia tudo isso antecipadamente, conhecia todos os novos Judas, contava-os entre os seus, entre os seus filhos bem-amados; tudo isso não o deteve, Ele quis que o seu amor ultrapassasse a ingratidão e a malícia do homem; quis sobreviver à sua malícia sacrílega. Conhecia antecipadamente a tibieza dos seus, a minha; o pouco fruto que se haveria de tirar da Comunhão. Quis amar assim mesmo, amar mais do que era amado, mais do que o homem poderia reconhecer.

Mais o quê? Esse estado de morte, enquanto Ele possui a plenitude da vida e de uma vida sobrenatural e gloriosa; ser tratado como um morto, considerado um morto, não é nada? Esse estado de morte diz que Jesus está sem beleza, sem movimento, sem defesa, envolto nas santas espécies como num sudário, e no Tabernáculo como num túmulo; entretanto Ele ali está, vendo tudo, tudo ouvindo. Tudo sofre como se fora morto. Seu amor lhe velou o poder, a glória, as mãos, os pés, o belo semblante, a sagrada boca, tudo enfim. Não lhe deixou senão o coração para amar e o estado de vítima para interceder em nosso favor.

À vista de tanto amor de Jesus Cristo pelo homem, tão pouco reconhecido, parece que o demônio triunfa e insulta a Jesus. Eu, diz ele, não dou ao homem nada de verdadeiro, de belo, de bom; não sofri por ele, e sou mais amado, mais obedecido, mais bem servido que Vós. Ai de nós! é por demais uma verdade, e a nossa frieza, a nossa ingratidão, são o triunfo de satanás contra Deus.

Oh! como podemos esquecer o amor de Nosso Senhor, um amor que tanto lhe custou e ao qual Ele nada recusou? É verdade também que o mundo faz todos os seus esforços para impedir que se ame a Jesus no Santíssimo Sacramento com um amor verdadeiro e prático, para impedir que se o visite, para paralisar os efeitos desse amor. Absorve, liga, aprisiona as almas nas ocupações, nas boas obras exteriores, para afastá-las de aplicar por muito tempo os pensamentos no amor de Jesus.

Combate até diretamente esse amor prático e o apresenta como não necessário, como possível, quanto muito, em um claustro. E o demônio trava uma guerra de todos os instantes ao nosso amor para com Jesus no Santíssimo Sacramento. Sabe que Jesus ali está vivo, substancial, atraindo e possuindo diretamente as almas por si mesmo: apaga em nós o pensamento, a boa impressão da Eucaristia. Para ele, é decisivo. 

E, no entanto, Deus é todo amor. E esse doce Salvador nos clama da sua hóstia: 'Amai-Me como Eu vos amei; permanecei no Meu amor! Vim trazer à terra o fogo do amor, e o meu mais ardente desejo é que abrase os vossos corações'. Oh! na hora da morte, após a morte, que se deverá pensar da Eucaristia, ao vê-la, ao conhecer-lhe toda a bondade, todo o amor, todas as riquezas!

(São Pedro Julião Eymard)