quinta-feira, 18 de junho de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LII)

XLVII

DO JUÍZO OU ATO EM QUE SE CLASSIFICAM OS DESTINADOS AO CÉU, AO PURGATÓRIO E AO INFERNO

Quando se apartam e segregam os que imediatamente hão de entrar no Céu dos destinados a ir para o Purgatório ou para o Inferno?
No ato do Juízo.

Que entendeis por Juízo?
O ato em que a Justiça divina decide sobre a sorte eterna do indivíduo, pronunciando sentença de prêmio ou castigo.

Quando se realiza o Juízo?
Imediatamente depois da morte, isto é, no momento em que a alma se separa do corpo.

Onde se realiza?
Onde ocorrer a morte.

Quem o realiza?
O mesmo Deus, cujo poder reside na humanidade de Jesus Cristo, desde o dia da sua gloriosa ascensão.

As almas vêem a Deus ou a sacratíssima humanidade de Jesus Cristo?
Somente vêem a essência divina e a humanidade de Cristo as almas que hão de entrar imediatamente na glória.

De que forma se celebra o juízo das outras?
Fazendo com que elas contemplem, instantaneamente e de um só golpe, todo o curso de sua vida, donde tirarão a convicção íntima e inquebrantável de que, com justiça, merecem o lugar que se lhes destina, quer no Inferno, quer no Purgatório.

Logo, quando morre um homem, no mesmo instante e quase no mesmo ato, é a alma julgada, sentenciada e colocada no Céu, no Purgatório ou no Inferno?
Sim, senhor, porque o poder divino obra instantaneamente.

De que coisas se examina e se acusa a alma neste tremendo juízo?
De todos os atos de sua vida moral e consciente, desde o primeiro, executado com o uso da razão, até ao que precede o último suspiro.

Pode suceder que o último ato consciente decida, por si só, a sorte eterna de uma alma e lhe franqueie a entrada no Céu?
Sim, senhor; porém, requer-se uma graça especialíssima de Deus, que somente costuma concedê-la quando o homem, de certo modo, a preparou com obras boas anteriormente feitas e a rogos e vivas instâncias dos justos.

Que coisas entende e vê a alma submetida a juízo, mercê da ilustração instantânea que lhe põe diante dos olhos o curso inteiro da sua vida?
Verá, dia por dia, e momento por momento, todos e cada um dos atos por ela praticados e de que pode ser responsável, com as suas mais insignificantes circunstâncias e pormenores; todos os seus pensamentos, por íntimos e rápidos que tenham sido; todos os movimentos afetivos, qualquer que fosse o seu objeto e caráter; todas as palavras, ainda as mais leves, inconsideradas, vãs ou ociosas, todas as suas ações e a parte que nelas tomaram os sentidos, os órgãos e os membros corporais. Compreenderá o alcance, a conformidade ou desconformidade de todos os seus atos com todas as virtudes e vícios, começando pela virtude da Temperança e suas numerosas aplicações, seguindo pela da Fortaleza e suas anexas, a Justiça e suas infinitas ramificações, a Prudência e seu constante exercício na prática das demais, quer se considerem estas virtudes como hábitos naturais, quer como sobrenaturais e infusas, e sobretudo compreenderá como se ajustaram as suas ações às grandes virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade que deviam ter sido a norma da sua vida. Verá a estimação em que teve o sangue de Cristo e os meios de salvação com que a presenteou o Redentor nos sacramentos administrados pela Igreja; como utilizou a grande virtude da penitência e como se aproveitou das facilidades que, por intermédio do soberano poder das chaves, se lhe davam para satisfazer por suas culpas e pecados. Este conhecimento universal, compreensivo e instantâneo, será o que lhe fará exclamar com a plácida alegria dos bem-aventurados, ou com a doce resignação dos justos no Purgatório, ou com a raiva desesperada dos condenados no Inferno: 'Vosso juízo e vossa sentença, ó Deus, são a mesma justiça'.

XLVIII

DO LUGAR DESTINADO AOS QUE NÃO SÃO JULGADOS: O LIMBO DAS CRIANÇAS

Há homens que, ao morrerem, não são julgados?
Sim, senhor; todos os que, por qualquer motivo, não tiveram uso da razão (LXIX, 6)*.

Correm todos a mesma sorte?
Não, senhor; porém, também se lhes não dá destino diverso, no ato do juízo, em atenção aos seus méritos ou deméritos.

Logo a que se atende?
A que uns hajam recebido o batismo e outros não.

Para onde vão os que o recebem?
Para o Céu diretamente.

E os que o não recebem?
Para um lugar especial conhecido com o nome de Limbo.

É o Limbo lugar distinto do Purgatório e do Inferno?
Sim, senhor; porque ali não se padece a pena do sentido, pelos pecados pessoais (Ibid).

Padece-se ali a pena de dano?
Sim, senhor; porque os seus habitantes compreendem que estarão eternamente privados da felicidade proveniente da visão beatífica, se bem que neles não se reveste o caráter de suprema tortura, como nos condenados ao Inferno (Apêndice, 1, 2).

Por que esta diferença na dureza da pena de dano?
Porque os condenados do Limbo compreendem que, se estão privados da visão beatífica, não é em castigo de qualquer pecado pessoal, mas por serem filhos de Adão pecador, isto é, pelo pecado de natureza que pessoalmente contraíram pelo simples fato de terem nascido (Ibid).

Logo, conhecem os mistérios da Redenção?
Certamente que sim, ainda que o conhecimento que deles têm é superficial e puramente externo, se assim nos podemos exprimir (Ibid).

Podemos dizer que possuem a luz da fé?
Se por luz da fé entendemos a claridade interior sobrenatural que aperfeiçoa a inteligência e de algum modo lhe permite penetrar no mais íntimo dos mistérios, e sentir no seu conhecimento gosto e complacência sobrenaturais e desejo eficaz de possuir o que se crê, não, senhor; posto que conhecem as verdades da fé especulativamente, à maneira dos que estão convencidos da verdade da revelação, porém, incapacitados para crê-la sobrenaturalmente e aprofundar-se no seu conhecimento, por faltar-lhes o impulso da graça.

Logo, podemos dizer que vêem os mistérios da fé à claridade de uma luz mortiça e fria que não tem cores nem comunica vigor?
Sim, porque, nem é luz a cujos resplendores se destaquem as negras cores da ingratidão, nem que ocasione acessos de raiva impotente como a raiva dos condenados, nem calor de adesão, de esperança e de caridade como a dos justos na terra, nem a luz ardente e embriagadora da felicidade que ilumina os santos no céu; é uma luz sem radiações sobrenaturais, sem esperança, que não causa remorso nem pesar, e que se limita a dar-lhes conhecimento da existência de um bem que não lhes pertence, de uma felicidade que jamais possuirão, notícia que não lhes causa tristeza, pranto, nem ranger de dentes; pelo contrário, experimentam intensa alegria, ao pensar nos dotes e qualidades naturais recebidas de Deus e nas da mesma ordem com que as dotará o dia da ressurreição (Ibid, ad 5).

Não fala a Igreja de outro limbo situado junto ao das crianças que morrem sem batismo?
Sim, senhor; o limbo em que aguardavam a vinda do Redentor os justos completamente isentos de estorvos pessoais para entrar no céu.

Está agora desabitado?
Recordando que Jesus Cristo baixou a esse limbo no instante de ressuscitar, levando consigo as almas dos que ali estavam detidos, é evidente que não tem nem pode ter o primitivo destino; pode ser, sem embargo disso, que hoje sirva de morada aos inocentes, formando um só com o limbo das crianças.

XLIX

DO FIM DO MUNDO E DO QUE A ELE SE SEGUIRÁ

Dissestes que, no momento em que o último predestinado chegue ao grau de preparação e merecimento a que Deus o destina, sobrevirá o fim do mundo; em que consistirá tal fim e que ordem de coisas se seguirá? Consistirá, exclusivamente em trasladar para o céu o último eleito, e em determinar o estado e lugar definitivo que hão de ocupar os condenados no inferno e as crianças no limbo?
Não, senhor; ao fim do mundo se seguirão os dois atos mais transcendentais e importantes da obra e plano divino; a ressurreição e o Juízo final.

Como acabará este mundo?
O Apóstolo São Pedro nos ensina que no momento em que Jesus Cristo descer, envolto em nuvens de glória para julgar os vivos e os mortos, o mundo terá acabado por meio do fogo (LXXIV, 1, 2).

Logo, a conflagração universal será o ato preparatório do Juízo?
Sim, senhor; pois que servirá para purificar todos os elementos e dispô-los para serem úteis no novo estado de coisas.

O fogo da conflagração final queimará e destruirá somente com a sua energia natural ou possuirá qualidades superiores como instrumento de Deus?
Atuará como instrumento da divina justiça para que nele possam expiar as suas faltas, as almas que deveriam estar mais ou menos tempo no Purgatório (LXXIV, 3-8).

Logo, o tempo de purificação dos que então morrerem durará um só instante?
Sim, Senhor; porque Deus graduará a intensidade e a energia dos tormentos conforme ao que cada um deve, em Justiça, padecer.

Sabemos quando se dará o fim do mundo?
Não, senhor; porém, estamos certos de que à vinda do Juiz Supremo precederão certos sinais e formidáveis avisos.

Quais serão?
Extraordinários transtornos e comoções em toda a natureza, a cuja vista, na expressão do Evangelho, andarão os homens desfalecidos de terror.

Podemos determinar, em concreto, quais serão?
Não, senhor; porém, serão tais que, à sua vista, os justos ou os homens simples e sinceros e não obstinados em cegueira voluntária, reconhecerão a próxima vinda do Juiz.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

PARA AQUÉM DOS TEMPOS DA TRIBULAÇÃO...

'O dia do Senhor será trevas e não claridade; escuridão, e não luz' 
(Am 5, 20)

Há uma certeza latente nesta e em tantas profecias similares: o dia do Senhor virá e será tremendo. Certeza absoluta, evidência cristalina. Se o homem não se conforma à Vontade de Deus, Deus age sobre a humanidade pecadora. Eventos diversos da história humana comprovam estas intervenções extremadas da onipotência divina. O que podemos esperar então de uma geração singular dos tempos que abandonou Deus até nos rudimentos mais sensíveis da Graça, senão tempos de grande tribulação? Mas, o que Deus espera dos seus escolhidos nestes tempos tremendos? O que Jesus conclama aos justos de toda a terra diante do aviltamento crescente do mal e da impiedade do mundo? O que Nossa Senhora pediu com tanta insistência em Fátima e tem pedido em tantos outros lugares aos seus filhos diletos e amados?

Os Céus pedem o nosso medo? Desespero? Que nos desfaleçamos de terror e espalhemos aterrados os horrores dos castigos universais que nos esperam? Medo, desespero, terror... não são virtudes, não são armas espirituais, não são consolo, não são escudo. Se o medo impera, vacila a fé. Se o desespero assola, a esperança torna-se inútil. Se o horror se manifesta, não há lugar para a temperança e a paz interior. Se o mal é capaz de sitiar as almas em tais angústias, não existirá bem capaz de as livrar de desfalecer de medo.

Deus não quer isso de nós. Jesus não pode aspirar o triunfo da graça com o nosso medo. Nossa Senhora não nos consola para nos adaptarmos à escuridão mas para que possamos enfrentar e superar as trevas. A realidade do mal não pode ser obscurecida, mas sua superação será completa e definitiva: 'Por fim, meu Imaculado Coração triunfará'. O pecado é um vômito repugnante que inunda a face da terra, de todos os modos e formas possíveis. A humanidade parece esmagada pela banalidade do mal que, qual um sorvedouro universal, engole e impulsiona o homem a desatinos e infâmias cada vez mais terríveis. O mal impera, domina, gargalha, reina absoluto. Vivemos a sexta-feira das trevas. 

E tudo isso é nada, é vômito que será ressecado.  É vendaval que se desfaz depois de colossal tormenta de ventos embriagados de fúria; são ondas gigantescas que se arrebentam nos contrafortes dos rochedos; são trevas pastosas e repulsivas que vão se esvair lentamente nas fissuras e crateras da terra sacudida em dinâmica espantosa. É fumaça, porque é só fumaça o poder possível do maligno sobre o homem.

Se o mal que aí está não lhe perturba, é natural que a hora da provação possa lhe amedrontar ... e muito! Se você não tem tempo agora para fazer penitência e mortificação pelos pecadores, como pode achar que terá tempo para você mesmo naquelas horas tremendas?  Se o conformismo modela as suas atitudes e uma descrença generalizada é o acervo do que restou de uma fé católica tíbia e anêmica, o que quaisquer apelos do Céu, por mais assertivos e repetitivos que possam ser, poderiam fazer em seu socorro? Deus tem formas diversas de converter os homens além de fazê-los cair do cavalo como fez com Paulo em alguma estrada de Damasco...

O que Deus quer de nós é oração. O que Jesus nos conclama é buscar a sua misericórdia. O que Nossa Senhora nos impele a fazer é a nossa oferta de nós mesmos, com todas as nossas limitações e dificuldades, com toda a nossa miséria e pequenez, como oferecimento despojado das nossas angústias, sofrimentos, dores, contrariedades e todas as provações cotidianas, como instrumentos dóceis que imploram a conversão dos pecadores e que buscam reparar a avalanche de ofensas e blasfêmias cometidas em golfadas contra o Coração Divino. 

O que você pode oferecer a Deus - hoje, agora! - é amor. Nada mais que isso. Manifeste a Ele este amor agora: em tudo, em todos, o tempo todo!  Ele pode fazer maravilhas com o seu amor abstraído de afeições e sensibilidades humanas; Deus precisa destes pedaços, destas migalhas de amor, para converter o mundo. Deus precisa de suas orações e das minhas! E faça também uma outra coisa pequena: estanque a curiosidade, a angústia e o medo dos tempos que hão de vir no abismo de sua pequenez: pois não há vento em fúria nem terra em transe que possa fazer jorrar as trevas, nem em um momento sequer de toda a eternidade, em uma alma incendiada pela luz que é Cristo. 

terça-feira, 16 de junho de 2020

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE DORÉ (XIV)

PARTE XIV (Dn 1 - Zc 6)

[O profeta Daniel era exímio na interpretação de sonhos e visões (Dn 1, 17)]

 [Sidrac, Misac e Abdênago na fornalha ardente (Dn 3, 21)]


  [Daniel decifra a inscrição da parede do palácio do rei Baltazar (Dn 5, 17-)]

  [Daniel é confinado na cova dos leões (Dn 6,17)]

 [A visão de Daniel das quatro bestas (Dn 7, 1-)]

  [Suzana é importunada por dois anciãos durante o banho (Dn 13, 17-19)


  [A revolta da multidão contra o falso testemunho dos dois anciãos contra Suzana (Dn 13, 61)]

 [Daniel desmascara os sacerdotes do ídolo Bel (Dn 14, 7]

 [Oráculo do Senhor pelo profeta Amós (Am 1, 1-)]

  [O grande peixe vomita Jonas de suas entranhas (Jn 2,11)]

 [Jonas pregando aos ninivitas (Jn 3,4)]

  [Oráculo do Senhor pelo profeta Miqueias (Mq 1, 1-)]

 [A visão de Zacarias dos quatro carros (Zc 6, 1-6)]

segunda-feira, 15 de junho de 2020

CANTOS DA MISSA TRADICIONAL (IV): DEUS, DEUS MEUS

Na missa tradicional, o introito muda a cada missa e constitui um esboço da natureza da missa que será rezada. O canto litúrgico a seguir é específico para o Domingo de Ramos.

Introito - Domingo de Ramos

Deus, Deus meus

(Salmo 21, 2-9.18.19.22.24.32)


Deus, Deus meus, respice in me: quare me dereliquisti? Longe a salute mea verba delictorum meorum. Deus meus, clamabo per diem, nec exaudies: in nocte, et non ad insipientiam mihi. Tu autem in sancto habitas, laus Israël. In te speraverunt patres nostri: speraverunt, et liberasti eos. Ad te clamaverunt, et salvi facti sunt: in te speraverunt, et non sunt confusi. Ego autem sum vermis, et non homo: opprobrium hominum et abjectio plebis. Omnes, qui videbant me, aspernabantur me: locuti sunt labiis et moverunt caput. Speravit in Domino, eripiat eum: salvum faciat eum, quoniam vult eum. Ipsi vero consideraverunt et conspexerunt me: diviserunt sibi vestimenta mea, et super vestem meam miserunt sortem. Libera me de ore leonis: et a cornibus unicornium humilitatem meam. Qui timetis Dominum, laudate eum: universum semen Jacob, magnificate eum. Annuntiabitur Domino generatio ventura: et annuntiabunt coeli justitiam ejus. Populo, qui nascetur, quem fecit Dominus.

Ó Deus, Deus meu, olhai para mim; por que me desamparastes? O clamor dos meus pecados afasta de mim a salvação. Meu Deus, clamo de dia e não me respondeis; de noite, e não tenho sossego. Mas Vós, no santuário habitais, louvor de Israel. Em Vós esperam e Vós os livrastes. A Vós clamaram, e foram salvos; em Vós esperaram e não foram confundidos. Eu, porém, sou verme, não homem; opróbrio dos homens e objeção da plebe. Todos os que me veem zombam de mim, e, meneando a cabeça, dizem: Esperou no Senhor, Ele o livre, salve-o agora, pois ele o ama. Eles estão me vendo, e atentam em mim; dividem sobre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançam sorte. Livrai-me da boca do leão, e dos chifres do unicórnio, salvai a minha humildade. Vós que temeis o Senhor, louvai-O: e vós todos que sois da raça de Jacó, glorificai-O. Do Senhor se falará à geração vindoura; e os céus anunciarão a sua justiça. Ao povo que nascerá, e que o Senhor criou.

domingo, 14 de junho de 2020

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores' (Rm 5, 6-8)

sábado, 13 de junho de 2020

13 DE JUNHO - SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA



SÍNTESE BIOGRÁFICA

1195: Nasce em Lisboa, filho de Maria e Martinho de Bulhões. É batizado com o nome de Fernando. Reside na frente da Catedral.

1202: Com sete anos de idade, começa a frequentar a escola, um privilégio raro na época.

1209: Ingressa no Mosteiro de São Vicente, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, perto de Lisboa. Torna-se agostiniano. 

1211: Transfere-se para Coimbra, importante centro cultural, onde se dedica de corpo e alma ao estudo e à oração, pelo espaço de dez anos.

1219: É ordenado sacerdote. Pouco depois conhece os primeiros franciscanos, vindos de Assis, que ele recebe na portaria do mosteiro. Fica impressionado com o modo simples e alegre de viver daqueles frades.

1220: Chegam a Coimbra os corpos de cinco mártires franciscanos. Fernando decide fazer-se franciscano como eles. É recebido na Ordem com o nome de Frei Antônio, enviado para as missões entre os sarracenos de Marrocos, conforme deseja.

1221: Chegando a Marrocos, adoece gravemente, sendo obrigado a voltar para sua terra natal. Mas uma tempestade desvia a embarcação arrastando-a para o sul da Itália. Desembarca na Sicília. Em maio do mesmo ano participa, em Assis, do capítulo das Esteiras, uma famosa reunião de cinco mil frades. Aí conhece o fundador da Ordem, São Francisco de Assis. Terminado o Capítulo, retira-se para o eremitério de Monte Paolo, junto aos Apeninos, onde passa 15 meses em solidão contemplativa e em trabalho braçal. 

1222: Chamado de improviso a falar numa celebração de ordenação, Frei Antônio revela uma sabedoria e eloquência extraordinárias, que deixam a todos estupefatos. Começa a sua epopeia de pregador itinerante.

1224: Em brevíssima Carta a Frei Antônio, São Francisco o encarrega da formação teológica dos irmãos. Chama-o cortesmente de 'Frei Antônio, meu bispo'.

1225: Depois de percorrer a região norte da Itália, passa a pregar no sul da França, com notáveis frutos. Mas tem duras disputas com os hereges da região.

1226: É eleito custódio na França e, um ano depois, provincial dos frades no norte da Itália.

1228: Participa, em Assis, do Capítulo Geral da Ordem, que o envia a Roma para tratar com o Papa de algumas questões pendentes. Prega diante do Papa e dos Cardeais. Admirado de seu conhecimento das Escrituras, Gregório IX o apelida de 'Arca do Testamento'.

1229: Frei Antônio começa a redigir os 'Sermões', atualmente impressos em dois grandes volumes.

1231: Prega em Pádua a famosa quaresma, considerada como o momento de refundação cristã da cidade. Multidões acorrem de todos os lados. Há conversões e prodígios. Êxito total! Mas Frei Antônio está exausto e sente que seus dias estão no fim. Na tarde de 13 de junho, mês em que os lírios florescem, Frei Antônio de Lisboa morre às portas da cidade de Pádua. Suas últimas palavras são: 'Estou vendo o meu Senhor'. As crianças são as primeiras a saírem pelas ruas anunciando: 'Morreu o Santo'.

1232: Não tinha bem passado um ano desde sua morte, quando Gregório IX o inscreveu no catálogo dos santos.

1946: Pio XIII declara Santo Antônio Doutor da Igreja, com o título de 'Doutor Evangélico'.

MILAGRE DOS PEIXES



Certa vez, quando o Frei Antônio pregava o Evangelho na cidade de Rímini, Itália, os moradores locais não queria escutá-lo e começaram a ofendê-lo a ponto de ameaçá-lo de agressão física. Santo Antônio saiu da praça e caminhou em direção à praia e, dando as costas aos seus detratores, falou em voz alta. 'Escutai a Palavra de Deus, vós que sois peixes e vives no mar, já que os infiéis não a querem ouvir.' Diversos peixes agruparam-se à beira da praia e, postando suas cabeças para fora d’água, ficaram em posição como de escuta das palavras do santo: 'Bendizei ao Senhor, vós que sois também criaturas de Deus!' E aqueles que presenciaram este milagre espantoso creram e se converteram ao cristianismo!

EXCERTOS DE UM SERMÃO: 'A CEGUEIRA DAS ALMAS '
(SERMÃO DO DOMINGO DA QUINQUAGÉSIMA) 

Um cego estava sentado... etc. Omitidos todos os outros cegos curados, só queremos mencionar três: o primeiro é o cego de nascença do Evangelho, curado com lodo e saliva; o segundo é Tobias que cegou com excremento de andorinhas, e se curou com fel de peixe; o terceiro é o bispo de Laodicéia, ao qual diz o Senhor no Apocalipse: 'Não sabes que és um infeliz e miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires com roupas brancas, e não se descubra a tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas'. Vejamos o que significa cada uma destas coisas.

O cego de nascença significa, no sentido alegórico, o gênero humano, tornado cego nos protoparentes. Jesus restituiu-lhe a vista, quando cuspiu em terra e lhe esfregou os olhos com lodo. A saliva, descendo da cabeça, significa a divindade, a terra, a humanidade; a união da saliva e da terra é a união da natureza humana e divina, com que foi curado o gênero humano. E estas duas coisas significam as palavras do cego sentado à borda do caminho e a clamar: 'Tem piedade de mim (o que diz respeito à divindade), Filho de Davi' (o que se refere à humanidade).

No sentido moral, o cego significa o soberbo. A este respeito lemos no profeta Abdias: 'Ainda que te eleves como a águia e ponhas o teu ninho entre os astros, eu te arrancarei de lá, diz o Senhor'. A águia, voando mais alto que todas as aves, significa o soberbo, que deseja a todos parecer mais alto com as duas asas da arrogância e da vanglória. É a ele que se diz: 'Se entre os astros, isto é, entre os santos que, neste lugar tenebroso, brilham como astros no firmamento, puseres o teu ninho, isto é, a tua vida, dali te arrancarei, diz o Senhor'. 

O soberbo, pois, esforça-se por colocar o ninho da sua vida na companhia dos santos. Donde a palavra de Job: 'A pena do avestruz, isto é, do hipócrita, é semelhante às penas da cegonha e do falcão, isto é, do homem justo'. E nota que o ninho em si tem três caracteres: no interior é forrado de matérias brandas; externamente é construído de matérias duras e ásperas; é colocado em lugar incerto, exposto ao vento. Assim a vida do soberbo tem interiormente a brandura do deleite carnal, mas é rodeada no exterior por espinhos e lenhas secas, isto é, por obras mortas; também está colocada em lugar incerto, exposta ao vento da vaidade, porque não sabe se de tarde ou se de manhã desaparecerá. E isto é o que se conclui: 'De lá eu te arrancarei, ou seja, arrancar-te-ei para te lançar no fundo do inferno, diz o Senhor'. Por isso, escreve-se no Apocalipse: 'Quanto ela se glorificou e viveu em delícias, tanto lhe dai de tormentos'.

E nota que este cego soberbo é curado com saliva e lodo. Saliva é o sêmen do pai derramado na lodosa matriz da mãe, onde se gera o homem miserável. A soberba não o cegaria se atendesse ao modo tão triste da sua concepção. Daí a fala de Isaías: 'Considerai a rocha donde fostes tirados. A rocha é o nosso pai carnal; a caverna do lago é a matriz da nossa mãe. Daquele fomos cortados no fétido derrame do sêmen; desta fomos tirados no doloroso parto. Por que te ensoberbeces, portanto, ó mísero homem, gerado de tão vil saliva, criado em tão horrível lago e ali mesmo nutrido durante nove meses pelo sangue menstrual?' Se os cereais forem tocados por esse sangue não germinarão, o vinho novo azedará, as ervas morrerão, as árvores perderão os frutos, a ferrugem corroerá o ferro, enegrecerão os bronzes e se dele comerem os cães, tornar-se-ão raivosos e, com as suas mordeduras, farão enlouquecer as pessoas. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: AMOR À CRUZ


'Não era necessário Cristo sofrer e padecer para entrar na glória?' (Lc 24,26)

Se pudéssemos entender de maneira prática o valor do sofrimento, não considerado em si mesmo, mas aceito por amor e em união com Nosso Senhor, poderíamos compreender quase todo o mistério do cristianismo. O sofrimento é necessário para nós, pobres criaturas, profundamente aviltados pelo pecado original, ao qual acrescentamos ainda mais desordem com os nossos pecados.

Ele tem o maravilhoso segredo de nos purificar, restaurando nossas faculdades à pureza original por meio de um processo doloroso. A nossa vida é como uma obra longa e mal acabada, que precisa ser desfeita e reformada por completo; como uma massa de argila que apresenta diferentes tipos de formas, com vestígios emaranhados de todas elas, e que precisam ser apagados um após o outro. Esta é uma reformulação que deve ser realizada pelo fogo da penitência, do arrependimento, do doloroso detestatio peccati, da dolorosa detestação ao pecado cometido.

Ao mesmo tempo, o sofrimento nos fortalece quando é feito com amor. Este trabalho não pode ser realizado sem uma reação poderosa de nossa vontade. Todas as nossas faculdades se agitam contra o aguilhão, mas não podemos fugir disso e é esta ação que torna a nossa vontade forte, ágil, dócil e humilde nas mãos da vontade divina, ordenando tudo e restaurando parte do vigor do dom da integridade perdida pelo primeiro homem, conjuntamente com a Graça.

É preciso fazer um esforço para se permanecer na bigorna enquanto martelam os golpes; não se desviar da cruz: Christo confixus sum cruci. É necessário nos manter por longo tempo como vítimas, desde que Deus assim o queira. Pois Deus não é como os cirurgiões terrestres que dessensibilizam os seus doentes. Ele, pelo contrário, não nos coloca para adormecer mas, muitas vezes, leva a inserção desse sofrimento às profundezas do coração até às suas últimas fibras mais agudas e mais dolorosas.

Deus não nos faz entorpecer. Não age dessa forma. Jesus não estava letárgico na cruz. E ainda que por um ato livre de sua vontade humana, em perfeita harmonia com a vontade divina, Ele não quis que as alegrias da visão beatífica afetassem as suas faculdades sensíveis. Nesse sentido, sua alma continha dois mundos quase fechados. Toda a sua alma sofreu e toda ela estava feliz. Jesus sofreu com toda a sua alma; Ele era, portanto, o homem das dores, e, no entanto, nunca perdeu a visão beatífica. Que mistério e que realidade neste ato de se regozijar ao mesmo tempo em meio aos próprios sofrimentos e humilhações! 

E assim acontece com todas as almas que Jesus chama à sua intimidade, começando pela sua Mãe Santíssima, Nossa Senhora das Dores. Que alma desfrutou mais da intimidade de Deus do que nossa Mãe mais terna? E qual a alma que mais sofreu? Quanto ela sofreu, ela que era tão pura! E todos os santos... Essa graça da alegria é desfrutada apenas por aqueles que bebem o cálice por inteiro. Se apenas os lábios são colocados nele, não há nada além de amargura. Mas se você tiver a coragem de ir até o fim - ou morrer pelo caminho como dizia Santa Teresa - você terá a intimidade de Deus e a alma extasiada de alegria.

Sem dúvida, achamos às vezes que compreendemos bem o sofrimento mas, quando confrontados com uma dor amarga, que nos repugna e da qual gostaríamos de fugir a qualquer custo, precisamos de todo o nosso espírito de fé para nos manter de pé, sem reclamar por qualquer palavra, como Jesus, com Jesus e por Jesus. Acredita que se ama sem sofrer?... Na verdade, poderíamos suportar razoavelmente muitos sofrimentos, mas não o fazemos por covardia, porque a nossa natureza tem uma extraordinária engenhosidade para encontrar razões para enganar a si mesma e evitá-los a todo custo.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)