sexta-feira, 12 de junho de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: AMOR À CRUZ


'Não era necessário Cristo sofrer e padecer para entrar na glória?' (Lc 24,26)

Se pudéssemos entender de maneira prática o valor do sofrimento, não considerado em si mesmo, mas aceito por amor e em união com Nosso Senhor, poderíamos compreender quase todo o mistério do cristianismo. O sofrimento é necessário para nós, pobres criaturas, profundamente aviltados pelo pecado original, ao qual acrescentamos ainda mais desordem com os nossos pecados.

Ele tem o maravilhoso segredo de nos purificar, restaurando nossas faculdades à pureza original por meio de um processo doloroso. A nossa vida é como uma obra longa e mal acabada, que precisa ser desfeita e reformada por completo; como uma massa de argila que apresenta diferentes tipos de formas, com vestígios emaranhados de todas elas, e que precisam ser apagados um após o outro. Esta é uma reformulação que deve ser realizada pelo fogo da penitência, do arrependimento, do doloroso detestatio peccati, da dolorosa detestação ao pecado cometido.

Ao mesmo tempo, o sofrimento nos fortalece quando é feito com amor. Este trabalho não pode ser realizado sem uma reação poderosa de nossa vontade. Todas as nossas faculdades se agitam contra o aguilhão, mas não podemos fugir disso e é esta ação que torna a nossa vontade forte, ágil, dócil e humilde nas mãos da vontade divina, ordenando tudo e restaurando parte do vigor do dom da integridade perdida pelo primeiro homem, conjuntamente com a Graça.

É preciso fazer um esforço para se permanecer na bigorna enquanto martelam os golpes; não se desviar da cruz: Christo confixus sum cruci. É necessário nos manter por longo tempo como vítimas, desde que Deus assim o queira. Pois Deus não é como os cirurgiões terrestres que dessensibilizam os seus doentes. Ele, pelo contrário, não nos coloca para adormecer mas, muitas vezes, leva a inserção desse sofrimento às profundezas do coração até às suas últimas fibras mais agudas e mais dolorosas.

Deus não nos faz entorpecer. Não age dessa forma. Jesus não estava letárgico na cruz. E ainda que por um ato livre de sua vontade humana, em perfeita harmonia com a vontade divina, Ele não quis que as alegrias da visão beatífica afetassem as suas faculdades sensíveis. Nesse sentido, sua alma continha dois mundos quase fechados. Toda a sua alma sofreu e toda ela estava feliz. Jesus sofreu com toda a sua alma; Ele era, portanto, o homem das dores, e, no entanto, nunca perdeu a visão beatífica. Que mistério e que realidade neste ato de se regozijar ao mesmo tempo em meio aos próprios sofrimentos e humilhações! 

E assim acontece com todas as almas que Jesus chama à sua intimidade, começando pela sua Mãe Santíssima, Nossa Senhora das Dores. Que alma desfrutou mais da intimidade de Deus do que nossa Mãe mais terna? E qual a alma que mais sofreu? Quanto ela sofreu, ela que era tão pura! E todos os santos... Essa graça da alegria é desfrutada apenas por aqueles que bebem o cálice por inteiro. Se apenas os lábios são colocados nele, não há nada além de amargura. Mas se você tiver a coragem de ir até o fim - ou morrer pelo caminho como dizia Santa Teresa - você terá a intimidade de Deus e a alma extasiada de alegria.

Sem dúvida, achamos às vezes que compreendemos bem o sofrimento mas, quando confrontados com uma dor amarga, que nos repugna e da qual gostaríamos de fugir a qualquer custo, precisamos de todo o nosso espírito de fé para nos manter de pé, sem reclamar por qualquer palavra, como Jesus, com Jesus e por Jesus. Acredita que se ama sem sofrer?... Na verdade, poderíamos suportar razoavelmente muitos sofrimentos, mas não o fazemos por covardia, porque a nossa natureza tem uma extraordinária engenhosidade para encontrar razões para enganar a si mesma e evitá-los a todo custo.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)