O negócio da eterna salvação é, sem dúvida, o mais importante, e, contudo, é aquele de que os cristãos mais se esquecem. Não há diligência que não se efetue, nem tempo que não se aproveite para obter algum cargo, ganhar uma demanda, ou contratar tal casamento… Quantos conselhos, quantas precauções se tomam! Não se come, não se dorme! E para alcançar a salvação eterna? Que se faz? Que procedimento se segue?
Nada se costuma fazer; ao contrário, tudo o que se faz é para perdê-la, e a maior parte dos cristãos vive como se a morte, o juízo, o inferno, a glória e a eternidade não fossem verdades da fé, mas apenas fábulas inventadas pelos poetas. Quanta aflição quando se perde um processo ou uma colheita e quanto cuidado para reparar o prejuízo! Quando se extravia um cavalo ou um cão, quantas diligências para encontrá-los. Muitos perdem a graça de Deus, e entretanto dormem, riem-se e gracejam! Coisa estranha, por certo! Não há quem não core ao passar por negligente nos negócios do mundo, e a ninguém causa rubor olvidar o grande negócio da salvação, que mais do que tudo importa. Confessam que os santos são verdadeiros sábios porque só trabalharam para salvar-se, enquanto eles atendem a todas as coisas do mundo, sem se importar com sua alma. Mas vós — disse São Paulo — vós, meus irmãos, pensai unicamente no magno assunto de vossa salvação, pois constitui o negócio da mais alta importância.
Persuadamo-nos, pois, de que a felicidade eterna é para nós o negócio mais importante, o negócio único, o negócio irreparável se não o pudermos realizar. É, sem contestação, o negócio mais importante, porque é das mais graves consequências, em vista de se tratar da alma, e, perdendo-se esta, tudo está perdido. Devemos estimar a alma — disse São João Crisóstomo — como o mais precioso dos bens. Para compreender esta verdade, basta considerar que Deus sacrificou seu próprio Filho à morte para salvar as nossas almas (Jo 3,16). O Verbo Eterno não vacilou em resgatá-las com seu próprio sangue (1Cor 6,20). De maneira que — disse um Santo Padre, — parece que o homem vale tanto como Deus.
Daí esta palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: 'Que dará o homem em troco de sua alma'? (Mt 16,26). Se tem tamanho valor a alma, qual o bem do mundo que poderá dar em troca o homem que a vir a perder? Razão tinha São Filipe Néri em chamar de louco ao homem que não trabalhava na salvação de sua alma. Se houvesse na terra homens mortais e homens imortais e aqueles vissem estes se aplicarem afanosamente às coisas do mundo, procurando honras, riquezas e prazeres terrenos, dir-lhes-iam sem dúvida: 'Quanto sois insensatos! podeis adquirir bens eternos e só pensais nas coisas miseráveis e passageiras, condenando-vos a penas eternas na outra vida! Deixai-os, pois; nesses bens só devem pensar os desventurados que, como nós, sabem que tudo se acaba com a morte!'
Isto, porém, não é assim: todos somos imortais. Como se haverá, portanto, aquele que, por causa dos miseráveis prazeres do mundo, perder a sua alma? Como se explica — disse Salviano — que os cristãos creiam no juízo, no inferno, na eternidade, e vivam sem receio de nenhuma dessas coisas? Como?
Ah! meu Deus! De que me serviriam tantos anos de vida que me concedestes para adquirir a salvação eterna? Vós, Redentor meu, resgatastes minha alma com o vosso sangue e me entregastes para que a salvasse; entretanto eu apenas me tenho aplicado em perdê-la, ofendendo-vos, que tanto me haveis amado! De todo o coração, agradeço-vos que ainda me concedeis tempo para reparar o mal que fiz.
Perdi a alma e vossa santa graça; arrependo-me, Senhor, e detesto sinceramente os meus pecados. Perdoai-me, pois que estou firmemente resolvido a perder todos os bens, inclusive a vida, mas não quero perder a vossa amizade. Amo-vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de amar-vos sempre, ó Sumo Bem, digno de infinito amor! Ajudai-me, meu Jesus, a fim de que esta minha resolução não seja semelhante a meus propósitos anteriores, que foram outras tantas infidelidades. Fazei que morra, antes que volte a ofender-vos e deixe de vos amar. Ó Maria, minha esperança, salvai-me, obtendo para mim o dom da perseverança!
(Excertos da obra 'Preparação para a Morte', de Santo Afonso Maria de Ligório)