terça-feira, 4 de janeiro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXII)

Capítulo XXII

Duração do Purgatório - Posições dos Doutores da Igreja - São Berlamino - Estimativas do Padre Mumford

A fé não nos ensina a duração precisa das dores do Purgatório. Sabemos, de maneira geral, que estes tempos são medidos pela Justiça Divina e que são proporcionais ao número e à gravidade das faltas que ainda não foram expiadas. Deus pode, entretanto, sem prejuízo de sua Justiça, abreviar esses sofrimentos aumentando a sua intensidade; a Igreja Militante também pode obter a remissão das dores pelo Santo Sacrifício da Missa e por meio de outros sufrágios oferecidos pelos defuntos.

Segundo a opinião comum dos Doutores da Igreja, as dores expiatórias são de longa duração. 'Não há dúvida', diz São Belarmino (De Gemitu, lib. 2, c. 9), 'que as dores do Purgatório não se limitam a dez ou vinte anos mas que, em alguns casos, duram séculos inteiros. Mas, admitindo que a sua duração não exceda dez ou vinte anos, podemos considerar que seja nada suportar por dez ou vinte anos os mais excruciantes sofrimentos sem o mínimo alívio? Se um homem tivesse a garantia de que sofreria alguma dor violenta nos pés, na cabeça ou nos dentes pelo espaço de vinte anos, sem nunca poder dormir ou repousar o mínimo possível, não preferiria morrer mil vezes a viver um tal estado? E se a escolha fosse dada a ele entre isso e uma vida miserável e a perda de todos os seus bens temporais, hesitaria em fazer o sacrifício de sua fortuna para se livrar de tal tormento? Encontraremos então alguma dificuldade em abraçar o trabalho e a penitência para nos libertar dos sofrimentos do Purgatório? Teremos receio de praticar os exercícios mais dolorosos como vigílias, jejuns, esmolas, longas orações e, principalmente, contrição, acompanhados de suspiros e lágrimas?'

Essas palavras abrangem toda a doutrina dos santos e teólogos. O Padre Mumford, da Companhia de Jesus, em seu Tratado sobre a Caridade para com os Defuntos, baseia a longa duração do Purgatório em um cálculo de probabilidade, que daremos em substância. Ele parte do princípio de que, segundo as palavras do Espírito Santo, o justo cai sete vezes ao dia (Pv 24,16), ou seja, mesmo aqueles que se aplicam mais perfeitamente ao serviço de Deus, apesar de toda boa vontade, comete um grande número de faltas aos olhos infinitamente puros de Deus. Só temos que entrar em nossa própria consciência e então analisar, diante de Deus, os nossos pensamentos, nossas palavras e obras, para nos convencermos deste triste efeito da miséria humana. Ó como é fácil não ter respeito na oração, preferir nossa comodidade ao cumprimento do dever, pecar por vaidade, pela impaciência, pela sensualidade, por pensamentos e palavras pouco caridosos, por falta de conformidade com a vontade de Deus... O dia é longo; não é muito provável que até mesmo uma pessoa virtuosa pode cometer, não digo sete, mas vinte ou trinta deste tipo de faltas e imperfeições por dia?

Façamos então uma estimativa moderada e supor que se cometa cerca de dez faltas por dia; ao final de 365 dias, a soma será de 3.650 faltas. Vamos arredondar, para facilitar o cálculo, considerando 3.000 faltas por ano. Ao final de dez anos, serão 30.000 e, ao final de 20 anos, 60.000. Supondo que, dessas 60.000 faltas, tenham sido expiadas a metade por penitência e boas obras, ainda restarão 30.000 faltas para serem expiadas.

Continuemos a nossa hipótese: você morre após estes vinte anos de vida virtuosa e se coloca diante de Deus com uma dívida de 30.000 faltas, que você deve expiar no Purgatório. Quanto tempo você precisará para realizar essa expiação? Vamos supor que, em média, cada falta requeira uma hora de expiação. Esta medida é muito moderada, se julgarmos pelas revelações dos santos; mas, de qualquer forma, isso implica um purgatório de 30.000 horas. Agora você sabe quanto tempo essas 30.000 horas representam? Três anos, três meses e quinze dias. Assim, um bom cristão que zela por si mesmo, que se aplica à penitência e às boas obras, encontra-se sujeito por princípio a três anos, três meses e quinze dias de purgatório.

O cálculo anterior é baseado em uma estimativa tolerante ao extremo. Agora, se você estende a duração da dor e, em vez de uma hora, estima em um dia a expiação de cada falta; e se, em vez de não ter apenas pecados veniais, tem-se ainda perante Deus uma dívida resultante de pecados mortais, mais ou menos numerosos que anteriormente se cometeu; se for atribuído em média, como diz Santa Francisca Romana, sete anos para a expiação de cada pecado mortal, remido quanto à culpa, quem não vê que se chegaria a uma duração espantosa e que a expiação poderia facilmente prolongar-se por muitos anos e mesmo por séculos? Anos e séculos de tormentos! Ó se apenas pensarmos nisso, com que cuidado não iríamos evitar os menores defeitos e com que fervor não iríamos praticar penitências para dar satisfação a Deus neste mundo!

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)