'O louvor pela voz é necessário para estimular a afeição humana para Deus. Por isso, qualquer coisa que seja útil para isso, é assumido convenientemente no louvor divino. Também é verdade que, segundo as diferenças das melodias, as pessoas são levadas a sentimentos diferentes. A essa conclusão chegaram Aristóteles e Boécio. Por isso, foi salutar a introdução do canto nos louvores divinos para que os espíritos mais fracos fossem mais incentivados à devoção. A respeito, escreve Santo Agostinho: 'Inclino-me a aprovar a prática do canto na Igreja para que, pelo deleite auditivo, as almas fracas se elevem em piedoso afeto'. E diz de si mesmo: 'Chorei ouvindo os teus hinos e cânticos, profundamente emocionado pelas vozes de tua Igreja, que suavemente canta!' (resp.)
'Deve-se dizer que os cantos espirituais [Cl III, 16] poderão significar não somente o que se canta interiormente, como também o que as palavras sonoras dizem externamente: assim a devoção é estimulada por esses cantos' (ad 1).
'Deve-se dizer que São Jerônimo não condena absolutamente o canto, mas repreende aqueles que na Igreja cantam de modo teatral, não para excitar a devoção, antes para se exibirem e se deleitarem. Pelo que Santo Agostinho diz: 'Quando atendo mais à melodia do que ao significado das palavras cantadas, confesso que faço e devo me penitenciar: prefiro então não ouvir o cantar' (ad 2).
'Deve-se dizer que é mais excelente aumentar a devoção das pessoas pelo ensino da doutrina e pela pregação do que pelo canto. Por isso, os diáconos e os bispos, aos quais compete excitar as almas para a devoção a Deus, pelos ensinamentos doutrinários e pela pregação, não devem se dedicar aos cantos, para que por eles não descuidem das tarefas mais importantes (...) São Gregório afirma: 'É muito repreensível o costume dos diáconos de se dedicarem aos cânticos, pois a eles compete ofício da pregação e da distribuição das esmolas aos pobres' (ad 3).
'Deve-se dizer, como ensina Aristóteles: 'Para ensinar não se deve usar flautas nem instrumentos semelhantes, como a cítara e outras, mas tudo que possa contribuir para os ouvintes serem bons', até porque esses instrumentos musicais movem mais a alma para o deleite do que para a formação da boa disposição interior. No Antigo Testamento, usavam-se esses instrumentos, quer porque o povo era mais grosseiro e carnal, e por isso deviam ser estimulados por tais instrumentos, como também pelas promessas terrenas; quer porque, esses instrumentos materiais eram figurativos' (ad 4).
'Deve-se dizer que quando se dá muita atenção ao canto para se deleitar, o espírito deixa de considerar as palavras cantadas. Mas, se a pessoa canta por causa da devoção, mais atentamente perceberá o sentido das palavras, porque demora-se mais nelas, e porque, como diz Santo Agostinho: 'Todos os afetos de nosso espírito, conforme a sua diversidade, descobrem modalidades próprias da voz e do canto com as quais se movem, por uma secreta familiaridade'. O mesmo se aplica aos que ouvem os cânticos, os quais, embora às vezes não entendam o que se canta, todavia, entendem a razão do canto, isto é, o louvor a Deus. E isto é suficiente para despertar a devoção' (ad 5).
(Excertos da obra 'Suma Teológica', II-II, q.91, a.2 de São Tomás de Aquino)