MEDITAÇÃO PARA A PRIMEIRA SEMANA DA QUARESMA
DAS TENTAÇÕES
PRIMEIRO PONTO - A TENTAÇÃO, LONGE DE SER UM MAL, PODE NOS TRAZER UMA GRANDE VANTAGEM
Nenhum mal moral é possível sem que a vontade não o queira: ainda que a porta da vontade esteja cerrada, o demônio e a imaginação podem fazer alarido em torno do coração, mas não podem alterar a sua pureza. Eis aí porque Jesus Cristo e todos os santos suportaram a prova da tentação, sem que a provação causasse o menor ferimento a suas almas. Vede como toda desolação nas tentações se dá sem razão. O ato de se desolar é um desafio do amor-próprio, descontente em se ver miserável, ou uma desconfiança da bondade de Deus, que jamais falta aos que O invocam, ou a pusilanimidade de uma alma, que se vê só na sua fragilidade, e longe dos socorros de Deus.
Longe de ser um mal, a tentação pode, pelo contrário, trazer-nos uma grande vantagem. Pois: (i) ela nos dá a oportunidade de glorificar a Deus, porque, ao resistirmos generosamente, provamos a nossa fidelidade, derrotamos os seus inimigos e triunfamos; (ii) leva-nos à humildade, ensinando-nos o lado ruim que existe em nós; ao espírito de oração, fazendo-nos ver a necessidade de recorrer a Deus; à vigilância, advertindo-nos a desconfiar de nossa força e evitarmos a ocasião do mal; ao amor divino, fazendo ressaltar a bondade de Deus.
Além disso, evita o desânimo, desperta o fervor, dá a virtude de um caráter mais firme e mais rígido; ensina-nos a nos conhecer; e dá mais graça à alma nesta vida e mais glória na outra, na proporção dos méritos que a adornam e a faz mais digna de Deus, como está escrito dos santos: 'Deus os tem provado e os encontrado dignos de Si'. Eis porque Deus disse ao povo de Israel: 'Eu não queria destruir os cananeus para que tenhais inimigos para combater' e o Papa Leão disse da mesma forma: 'É bom para a alma o temor de cair e de ter constantemente uma luta para sustentar'.
A alma fiel retira da tentação ao mal o mesmo fruto que da inspiração pelo bem. É esta a oportunidade para ela alcançar a perfeição da virtude com toda a boa vontade de que é capaz. Na tentação dos sentidos, [a alma] elevada à infinita grandeza de Deus se levanta. Elevada tão alto, mantém-se acima dos olhares baixos e sensuais; na tentação do espírito, mergulha até o nada; nas tentações do prazer, ama e abraça a cruz. É assim que temos tirado proveito de nossas tentações?
SEGUNDO PONTO - EM QUE CONDIÇÕES A TENTAÇÃO TORNA-SE UM BEM?
Existem certas condições que são necessárias antes, durante e depois da tentação: (i) Antes da tentação, é necessário evitar tudo que conduza ou incline para o mal, por exemplo: lidar com pessoas perigosas, olhares imodestos, modismos e leituras livres, os prazeres de uma vida fútil e e sensual: 'Quem ama o perigo nele perecerá e o que conta com as suas próprias forças será confundido'. A desconfiança é a mãe da segurança e expor-se voluntariamente ao perigo é tentar a Deus, é se fazer indigno do Seu auxílio. Além disso, é necessário não temer a tentação; temê-la a faz nascer; o melhor é não pensar nela e se concentrar apenas no que se tem a fazer.
(ii) Durante a tentação, é necessário não se envolver por ela, com o pretexto de que será ligeira; de outra forma, ela se apoderaria de nós; antes deve-se descartá-la de pronto, firme e tranquilamente, rechaçando-a com desprezo, sem sequer se dignar a entreolhá-la; e, caso produza algumas impressões, basta desaprová-las suavemente e dedicarmos integralmente à ação presente. Aqueles que a enfrentam, correm o risco de manchar-se e os que a rejeitam com esforço excessivo perderiam a paz do coração, o recolhimento do espírito e a unção da piedade. Se não for possível ter sucesso assim, é necessário se recorrer humildemente a Deus e dizer: 'Ó Senhor, quão profunda é a minha miséria! Quanto mal ainda tenho com o meu amor próprio! Quão bom sois Vós em amar um pecador como eu! Ó Jesus! Ó Maria! Ó todos os Santos e Anjos de Deus, bendizei ao Senhor, que quer se humilhar no Seu amor até a minha baixeza'.
(iii) Depois, é necessário esquecer a tentação; a reflexão a faria reviver. É melhor tomar dela o valor de forma pacífica e reparar o mal passado, se este é conhecido, fazendo perfeitamente a ação presente; dirigir o olhar para Deus e envolver-se nos Seus braços com confiança e amor, dizendo como o filho pródigo: 'Pai, pequei contra o Céu e contra Vós', ou como o publicano: 'Meu Deus, tende misericórdia de mim, que sou pecador'. Examinemos, pois, se temos observado estas regras durante e depois das tentações.
(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).