sábado, 15 de outubro de 2022

A SANTIDADE NOSSA DE CADA DIA

Contentar-se com o dever presente e colocar nele, para cumpri-lo perfeitamente, toda a sua atenção e toda a sua energia, animá-lo pela intenção do amor divino, tal é a tarefa da alma que quer chegar à santidade. Cada instante assim utilizado lhe faz alcançar, no momento preciso, toda perfeição de que ela é capaz. De então em diante, não lhe resta outro dever a cumprir senão o de continuar sem descanso, até ao fim, o seu trabalho. É aqui precisamente, porém, que as almas não advertidas encontram um grande perigo. Quase todas querem ser santas no fim de alguns anos de esforços. Se o resultado não corresponde às suas esperanças, desolam-se e correm risco de tudo abandonar.

Estas almas negligenciam na sua santificação um elemento pouco apreciado, porém indispensável, isto é, o tempo. Deus sabe o número de anos que temos a passar sobre a terra; conhece também o grau de santidade que devemos adquirir. Deixemos a Ele o cuidado de nos santificar antes de nossa morte. Contentemo-nos em servi-lo no momento presente, em amá-lo ardentemente, apaixonadamente. Coloquemos todo o nosso ardor em nossos atos. Deliciemo-nos em nos enraizar cada vez mais nEle e depois... abandonemos a Ele tudo o mais. Ele é nosso Pai e quer verdadeiramente se encarregar dos interesses dos seus filhos. A menos que Deus intervenha de modo particular, o trabalho de nossa santificação não se fará na medida de nossos impacientes desejos.

A santidade é a orientação de toda uma vida para Deus; são todas as faculdades dispersas sobre as criaturas a reconduzir para Ele; é a inclinação de todo o homem para o sensível a transformar e a mudar em uma tendência constante para Deus, que é um puro Espírito; são inumeráveis apegos secretos às criaturas e a si mesmo a romper um a um; é um domínio pacífico da vontade a estabelecer sobre paixões impacientes do jugo; é, enfim, uma infinidade de ações cotidianas a impregnar da intenção do puro amor de Deus. Semelhante metamorfose não se opera geralmente em alguns anos.

Nos momentos de fervor e de estreita união com Deus, a alma pode bem sentir-se toda dEle e crer terminada a feliz transformação de todo o seu ser, mas a triste experiência faz com que ela volte bem cedo à realidade. Depois de suas ardentes orações, ela se encontra novamente natural, apegada às suas comodidades, frouxa e pusilânime. A alma admira-se de que, sendo tão imperfeita, Deus tenha podido favorecê-la com as suas carícias; concebe indignação contra si mesma; desanima. Contudo, nada é mais natural do que a conduta de Deus.

A alma está em marcha para a santidade; no momento presente, ela põe ao serviço de Deus toda soma de boa vontade de que dispõe e, por seu lado, Deus mostra-se satisfeito com os seus esforços e a favorece com as suas comunicações. Mestre hábil na direção das almas, Ele sabe que, por momentos, elas têm necessidade de repouso durante a rude ascensão para o ideal e dá-lhes oportunidades de experimentarem, de tempos a tempos, a sua doce presença. Mais tarde, tratá-las-á como almas perfeitas, fá-las-á assentarem-se à sua mesa e introduzi-las-á definitivamente na sua intimidade.

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Ajuntai a isto a ação incessante da graça, que trabalha esta alma, que a desapega da criatura e dela própria, que a transforma, sem ela o saber, que a orna de virtudes, que lhe instila gota a gota a divina caridade, que a enraíza sem cessar cada vez mais no Cristo, que a habilita a viver com Deus, e concordareis que a alma se acha na feliz impossibilidade de não atingir a santidade. Estes progressos contínuos escapam habitualmente ao olhar da alma. A ação que a transforma é demasiado sutil para ser perceptível.

Todavia, em certos momentos, ela nota que tal defeito, há tanto tempo combatido, desapareceu subitamente; que tal virtude, tão ardentemente desejada e pedida, veio tomar o seu lugar; que suas relações com o divino Mestre tomaram um caráter de mais franca intimidade; que as preocupações passadas não exercem mais sobre ela sua tirânica influência. São indícios verdadeiros de uma lenta, mas segura transformação. Todavia, mesmo na falta de provas palpáveis, saberíamos que a santificação deve operar-se assim. Os atos repetidos continuamente produzem em nossas faculdades hábitos sempre mais poderosos, enraízam sempre mais profundamente em nós as virtudes infusas com a divina caridade.

Possam estas poucas considerações moderar o ardor das almas inquietas, impacientes de chegar ao termo, e ensinar-lhes que nada de considerável se faz aqui na terra, mesmo na vida espiritual, sem o precioso concurso do tempo! Uma virtude demasiadamente precoce é sempre suspeita aos olhos dos diretores espirituais. Talvez bela em aparência, mas raramente sólida! Ao primeiro contato com as dificuldades reais da vida, se quebra. É um fruto antecipadamente amadurecido e muitas vezes um verme oculto o corrói.

Acompanhemos o passo de Deus e tenhamos paciência. Saibamos esperar o seu momento; chegaremos seguramente à santidade. Não nos inquietemos a respeito da parte que Deus reservou para si na obra de nossa perfeição. A nossa resume-se na fidelidade ao dever presente e no abandono ao nosso Pai celeste: Jacta super Dominum curam iuam et ipse te enutriet - 'entregue ao Senhor os teus cuidados e Ele te sustentará' (Sl 54, 23).

(Excertos da obra 'A Boa Vontade' pelo Padre José Schrijvers, 1937)