quinta-feira, 2 de maio de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (X)


46. Mas se afirmamos que Maria concebeu Jesus por obra do Espírito Santo e também no Credo rezamos: 'encarnou-se por obra do Espírito Santo', como afirmamos que José é pai de Jesus e não apenas que ele é o guarda de Jesus? 

Antes de tudo, como já salientamos, os evangelistas chamam José expressamente de pai (Lc 2,27.33.41.43.48; 3,23; Mt 13,55). Portanto, verdadeiro pai e não num sentido redutivo e incompleto. Sua paternidade é humana e não biológica, por isso esta paternidade tem o aspecto jurídico, o aspecto afetivo e também o aspecto educativo. Ser pai não implica apenas gerar na carne, basta lembrar hoje a moderna biotecnologia que compromete seriamente aquela paternidade que tem como único fundamento a geração, como: a fecundação in vitro, a gravidez do embrião numa mãe 'barriga de aluguel', sem levar em conta as especulações de lucro, ou ainda os bancos de espermas selecionados, ignorando completamente a pessoa que é denominada apenas de 'doador'. Podemos afirmar com Santo Tomás que 'José é pai de Jesus do mesmo modo como é entendido como esposo de Maria, sem a união da carne, mas pelo vínculo do próprio matrimônio'. José teve um relacionamento com Jesus muito mais intenso do que um filho adotivo fora do casamento. É importante salientarmos que Cristo nasceu do Espírito Santo não como Filho, por isso Santo Tomás afirma que não se pode dizer que Cristo foi propriamente 'concebido do Espírito Santo, mas sim por obra do Espírito Santo', tudo isso pelo amor de Deus por nós. Este amor e dom de Deus por nós, no Espírito Santo tem uma peculiaridade. De modo analógico, também em São José, o qual foi profundamente envolvido no mistério da Encarnação a ponto de ser considerado por Francisco Suárez como pertencente à ordem da união hipostática. 'O Espírito Santo que honrou José com o nome de pai', como afirmou Orígenes, não excluiu a sua parte, esvaziando assim a sua paternidade. Enquanto Maria recebia um coração de mãe, o Espírito Santo formava em José um coração de pai. 

47. Qual a palavra mais indicada para designar a paternidade de José em relação a Jesus? 

Há sem dúvida uma dificuldade para designar a paternidade de José, sendo este caso único e singular; portanto nossa língua não possui um termo que a defina exatamente. Por isso, muitos chamam-no de 'pai adotivo', porém é uma palavra inadequada, pois indica uma relação paterna com o filho que não é da família, mas que se tornou tal em virtude da lei. Jesus não era estranho à sua família; José personalizava a paternidade divina sobre ele. Outros designam que a sua paternidade é de 'pai legal', baseando-se nas palavras do anjo a José dizendo-lhe de receber Maria como sua esposa, e que dela nasceria um filho no qual ele colocaria o nome de Jesus (Mt 1,21). Esta designação possui um sentido estritamente jurídico, embora expresse que Jesus é legitimamente reconhecido diante da lei como filho de José. Com isso vem conferida a José a legitimidade de sua paternidade, inclusive com o título messiânico da descendência de Davi. Contudo esta explicação tem um significado formal e não responde à relação íntima entre o pai e o filho, portanto é incompleta. Há ainda a denominação de 'pai virginal', esta por sinal bastante comum entre os teólogos: um título que não deixa de ser impróprio, embora possa ser um dos mais adequados e aceitáveis porque capta a essência espiritual desta paternidade e determina a sua natureza, pois coloca José juntamente com Maria dentro do matrimônio virginal do qual nasceu Jesus. Contudo esta expressão é ainda imprópria, pois Maria Virgem concebeu por obra do Espírito Santo dando um corpo, carne e sangue a Jesus, enquanto que José em nada disso cooperou. Há ainda a designação de 'pai nutrício', devido à dedicação de José como pai. Este também é um termo inadequado, pois ressalta algumas funções do exercício de sua paternidade, tais como alimentar, defender, cuidar de Jesus, e isso é restringi-la. A teologia josefina procurou também chamá-lo de 'pai matrimonial' em virtude de seu matrimônio com Maria, visto que o seu matrimônio foi querido por Deus em razão da acolhida de Jesus. Esta denominação é incomum, assim como a expressão 'pai vigário', para indicar que José fez as vezes de Deus Pai aqui na terra para Jesus, mesmo porque é uma linguagem difícil de ser compreendida. Por fim alguns teólogos exprimem a opinião de que a designação da paternidade de José deve ser aquela expressa em Lucas 3,23: 'Ao iniciar o ministério, Jesus tinha uns trinta anos, filho, segundo se pensava, de José…'. Este título também exprime pouco, pois apenas salienta que os moradores de Nazaré acreditavam que ele era o pai de Jesus, não destacando os aspectos positivos de sua paternidade. 

48. Então qual é a designação exata que podemos usar para expressar a paternidade de José? 

Na verdade nenhum dos títulos citados exprime a totalidade do relacionamento de José com Jesus, pois ele teve, como afirma Suárez: 'Salvo a sua virgindade, tudo aquilo que é próprio de um pai'. Participou da mesma dignidade de Maria, a Mãe de Jesus. Esta é uma paternidade única, sobrenatural, e não encontrando uma palavra completa que possa expressar perfeitamente essa paternidade especial, devemos chamar José simplesmente de 'pai de Jesus', como a sagrada escritura o chama, (Lc 2,27. 33.41.43.48; 3,23; Mt 13,55), sem acrescentar nenhum adjetivo especial a esse título.

49. Sendo José pai de Jesus, quais foram as atribuições mais específicas que José exerceu neste ministério? 

Basicamente os evangelistas ressaltaram estas: a imposição do nome ao Menino (Mt 1,15), assumindo o direito paterno e reconhecendo Jesus como seu filho; a descendência davídica, reconhecendo a Jesus o título de descendente de Davi, portanto da casa e da família de Davi (Lc 2,4); o rito da circuncisão (Lc 2,21), com o qual Jesus passou a fazer parte do povo da Aliança; o rito do resgate como primogênito, na apresentação do Menino no Templo (Lc 2,22ss); o cuidado com o Menino e sua mãe na fuga e permanência no Egito (Mt 2,13- 22) e a vida de dedicação à família e ao trabalho em Nazaré, onde Jesus lhe era submisso (Mt 2,51).

50. Sendo pai de Jesus, como José o educava? 

Um aspecto muitas vezes esquecido em relação à paternidade de São José é aquele que diz respeito à sua função de educador de Jesus. Evidentemente deve-se admitir que a influência que uma pessoa recebe do ambiente em que vive e o circunda tem grande importância na sua vida, e isto foi muito real em relação à educação de Jesus. O Papa Paulo VI compreendeu muito bem este aspecto, vendo refletida no comportamento de Jesus a longa convivência que ele teve com José, e por isso mesmo afirmou: 'São José é o tipo do evangelho que Jesus, depois de deixar a pequena oficina de Nazaré e ao iniciar a sua missão de profeta e de mestre, anunciará como programa para a redenção da humanidade'. Isto significa que o tipo de homem novo que Jesus pregava como ideal no Reino, fora formado e plasmado em sua mente ao longo dos anos que conviveu com José, em correspondência àquele modelo concreto que sempre teve diante de si durante os 30 anos de convivência na Sagrada Família de Nazaré. Jesus embebeu-se da educação recebida de José, uma educação fundamentada no exemplo, na coerência, no esforço do cumprimento da vontade de Deus, de uma maneira simples, tornando-se um modelo a ser imitado. Por isso o mesmo o Papa declara: 'São José é a prova que para ser bons e autênticos seguidores de Cristo não é preciso grandes coisas, basta o cumprimento das virtudes comuns, humanas e simples, contanto que verdadeiras e autênticas'.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)