segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXIV)

XVI

DOS PRECEITOS RELATIVOS À PRUDÊNCIA 

Existe no Decálogo algum preceito relativo à prudência? 
Não, Senhor; porque os preceitos do Decálogo, expressão do que a lei natural exige, têm por objeto os fins da vida humana, e a prudência versa sobre os meios de consegui-los; se bem que, em certo modo a ela se referem todos os mandamentos, como reguladora de todas as virtudes (LVI. 1)*. 

Logo, os preceitos relativos à prudência são posteriores e complementares dos do Decálogo? 
Sim, Senhor; e se encontram também na Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, e de modo mais concreto no Novo (Ibid). 

Não há no Antigo Testamento preceitos severíssimos contra os vícios opostos à prudência? 
Sim, Senhor; contra a astúcia, o dolo e a fraude (LVI, 2). 

Por que proibiu Deus de modo tão especial estes pecados? 
Porque quase sempre se tocam com as matérias da Justiça, ponto de vista de todo o Decálogo (Ibid). 

XVII 

DA VIRTUDE DA JUSTIÇA — O DIREITO NATURAL, POSITIVO, PRIVADO, PÚBLICO, NACIONAL, INTERNACIONAL, CIVIL E ECLESIÁSTICO — JUSTIÇA LEGAL E PARTICULAR — VÍCIOS OPOSTOS 

A virtude da justiça segue em categoria e importância à da prudência? 
Dado o seu caráter particular, a prudência, sem a qual não pode existir nenhuma virtude moral, ocupa o primeiro lugar; depois dela, a Justiça (LVII, CXXI). 

Que entendeis por Justiça? 
A virtude que tem por objeto o direito, isto é, o justo (LVII, 1). 

Que entendeis quando afirmais que tem por objeto o direito ou o justo? 
Que está destinada a manter a paz e harmonia entre os homens, fazendo que cada um respeite as pessoas, atribuições, faculdades e bens legitimamente adquiridos e possuídos pelos outros (Ibid). 

A que normas devemos atender para averiguar quais são os direitos legítimos dos outros? 
Primeiramente, ao que dita a razão natural; em segundo lugar, aos convênios havidos entre os homens prudentes e, por último, às disposições da autoridade legitima (LVII, 2-4). 

Como se chama o direito fundado nos ditames da razão? 
Chama-se direito natural. 

E o fundado em convênios e em leis promulgadas pela autoridade competente? 
Direito positivo, o qual se divide em privado e público, e este, por sua vez, em nacional e internacional, baseado o primeiro em convênios privados e em leis da nação e o segundo, em pactos entre os diversos Estados (Ibid). 

Não falastes também de direito civil e eclesiástico? 
Sim, Senhor; e se distinguem em que o primeiro se apóia em atos emanados da autoridade civil e o outro nos da eclesiástica. 

Limita-se o direito, enquanto objeto da virtude da Justiça, a impor ordem nas relações dos particulares entre si, ou estende-se às dos particulares com o conjunto ou sociedade? 
Abrange as duas coisas (LVTII, 5-7). 

Que nome tem a virtude da Justiça no segundo caso? 
Chama-se Justiça legal (Ibid). 

E no primeiro? 
Justiça particular (Ibid). 

Poderíeis definir com precisão a virtude da justiça? 
Sim, Senhor; consiste na disposição consciente, duradoura e irrevogável da vontade, mediante a qual se dá a cada um tudo o que lhe pertence (LVTII, 1). 

Como se chama o vício oposto a esta virtude? 
Chama-se injustiça; e o mesmo se opõe tanto à justiça legal quando prejudica o bem comum, como à particular, cujo objeto é manter as relações dos cidadãos sobre a base da igualdade (LIX). 

Em que consiste propriamente este último pecado de injustiça? 
Em atentar livre e espontaneamente contra o direito de outrem, isto é, em negar o que outro natural e razoavelmente deve e pode querer (LIX, 3). 

XVIII 

DO JUÍZO COMO ATO DA JUSTIÇA PARTICULAR

Tem a Justiça algum ato de especial importância, considerada, sobretudo, como justiça particular?
Sim, Senhor; o ato do Juízo, que consiste em determinar com exatidão aquilo que a cada um se deve dar, principalmente se se trata de ofício para administrar justiça aos litigantes, cargo próprio dos juízes, ou em particular para discernir em consciência e por amor à Justiça, até onde se estendem os deveres e os direitos de cada um (LX). 

Em caso de dúvida, deve inclinar-se o Juízo para o lado da benevolência? 
Tratando-se do próximo, sim, Senhor; pois a Justiça exige que jamais se pronuncie sentença condenatória, quer seja exterior, ou simplesmente interior e de pensamento, enquanto permaneça de pé alguma dúvida (LX. 4). 

Apesar disto, podemos em determinadas ocasiões presumir e suspeitar da existência do mal sem provas suficientes? 
Sim, Senhor; quando devamos preveni-lo ou remediá-lo, pois a Justiça legal, a prudência e a caridade nos mandam ser cautelosos e supor, ao menos como possível, a maldade de certos homens, ainda que dela não tenhamos a certeza, mas apenas conjecturas (LX, 4, ad 3). 

Tendes que formular alguma reserva a esta doutrina? 
Sim, Senhor; porque ainda neste caso, temos obrigação de não emitir contra quem quer que seja, juízo formalmente desfavorável. 

Poderíeis explicar-me com um exemplo? 
Se eu visse um homem de catadura suspeita, não teria o direito de julgá-lo ladrão, nem mesmo consigná-lo como tal; porém se o visse rondar a minha casa ou as dos meus amigos, teria direito de tomar cuidado para que tanto dentro de minha casa como das deles, tudo estivesse a salvo de uma surpresa ou tentativa de roubo.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)