sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (VII)

XXI

AÇÃO DAS CRIATURAS NO GOVERNO DO MUNDO: ORDEM DO UNIVERSO

Podem as criaturas exercer o influxo de umas nas outras para efetuar as mudanças e alterações que se observam no mundo?
Sim, Senhor; e neste mútuo influxo se funda a ordem do universo (XLVII, 3)*.

Estão reguladas estas ações pelas leis da Providência divina?
Sim, Senhor; e de modo especialíssimo (CIII, 6).

Por que?
Porque são o meio ou instrumento de que Deus se utiliza para conduzir as criaturas em conjunto ao fim que lhes assinalou (Ibid).

Pode Deus prescindir do concurso das criaturas no governo do mundo?
Sem dúvida alguma pode, porém foi melhor que as utilizasse, pois deste modo Ele aparece maior e a criatura, mais enobrecida e perfeita.

Por que ganham as criaturas em nobreza e perfeição?
Porque concorrem com a ação soberana de Deus, na obra de guiar os seres ao seu fim último (CIII, 6-3).

Por que Deus aparece maior?
Porque manifesta-se nEle sinal de grandeza e poderio soberano o ter a seu serviço uma legião de ministros que executem submissos os seus mandatos (Ibid).

Logo, quando as criaturas exercem mútuo influxo limitam-se a cumprir as ordens absolutas de Deus?
Sim, Senhor; porque é impossível que executem atos não previstos, nem ordenados no plano da Providência Divina (Ibid).

É possível que a atuação da criatura, obrando como instrumento de Deus no governo do mundo, perturbe ou contrarie o plano divino?
Não, Senhor; porque quaisquer que sejam os seus atos, ordenados estão por Deus, para o bem do universo (CIII, 8, ad 1).

Podem, não obstante isto, ser causa de algum mal particular?
Sim, Senhor; podem ocasionar alguns males físicos e até morais, porque, em determinadas ocasiões, umas vezes perturbam a ordem inferior de um grupo de seres e outras vezes impedem alguma manifestação secundária do poder e da vontade de Deus.

Ferem estes males particulares a ordem estabelecida no plano divino?
Considerando o plano em conjunto, não Senhor.

Por que?

Porque o soberano poder de Deus é tal, que se utiliza do mal particular, e depois de o ter subordinado a um fim mais elevado, ele vai contribuir para o bem universal (Ibid, XIX, 6; XXIII 5 ad 3).

Logo, não há ação das criaturas que não esteja maravilhosamente disposta, para cooperar, sob a direção suprema de Deus, para o bem do universo?

Não, Senhor; e se alguma coisa aparece prejudicial ou deslocada num plano inferior, considerado de um ponto de vista mais alto, ela tem sempre a razão suficiente, sapientíssima e profundíssima.

Pode o homem, neste mundo, abranger e compreender a maravilhosa grandeza e harmonia do plano divino?
Não, Senhor; porque necessitaria conhecer todas as criaturas, assim como os incontáveis segredos do plano divino.

Onde as compreenderá?
Somente no céu.

XXII

AÇÃO DOS ANJOS NO GOVERNO DO MUNDO - ORDENS E HIERARQUIAS ANGÉLICAS

Atuam também umas criaturas sobre as outras no mundo dos espíritos?
Sim, Senhor.

Como se chama este influxo?
Chama-se iluminação (CVI, 1).

Por que?
Porque um espírito puro influi no outro para transmitir-lhe a iluminação que recebe de Deus, relacionada com o governo do mundo (Ibid).

Logo, a iluminação, que procede de Deus, comunica-se aos espíritos, ordenada e gradualmente?
Comunica-se com graduação e ordem maravilhosa.

Que entendeis, quando afirmais que se comunica com graduação e ordem maravilhosa?
Que Deus a comunica diretamente aos que estão mais próximos dEle, e estes aos demais anjos, porém com ordem tão severa que a iluminação dos primeiros só pode chegar aos últimos por ação dos intermediários (CVI, 3).

Logo há anjos superiores, intermediários e últimos na ordem estabelecida para se comunicarem entre si as iluminações que emanam de Deus?
Sim, Senhor (CVIII, 2).

Podereis esclarecer com um exemplo em que consiste esta subordinação?
Poderíamos compará-la a um rio que, em vistosas cascatas, se precipita de rocha em rocha, alimentando o seu curso, sem cessar, com as águas de um lago, situado no alto da montanha.

Há, em cada uma das ditas categorias angélicas, diversos agrupamentos?
Sim, Senhor (CVIII).

De quantas classes são?
De duas classes.

Que nome têm?
Chamam-se Hierarquias e Ordens Angélicas (Ibid).

Que significa o nome de Hierarquia?
Hierarquia é uma palavra derivada do grego que significa 'Principado Sagrado'.

Que coisas se expressam com a palavra Principado?
Duas: O príncipe e a multidão a ele subordinada (Ibid).

Qual é, pois, o significado completo da expressão 'Principado Sagrado'?
Significa e designa o conjunto de todas as criaturas racionais, chamadas a participar das coisas santas, debaixo do governo único de Deus, Rei dos Reis e Príncipe Soberano (Ibid).

Logo, só há uma hierarquia e um principado sagrado no mundo?
Considerado por parte de Deus, Rei Soberano de todas as criaturas racionais por Ele regidas, só há uma hierarquia ou principado sagrado, que compreende os anjos e os homens (Ibid).

Por que, pois, e em que sentido, se fala das hierarquias no plural e especialmente no mundo dos espíritos puros ou anjos?
Porque, atendendo aos súbditos, classificam-se os principados segundo os diversos modos como o príncipe os governa (Ibid).

Poderíeis elucidá-lo com um exemplo?
Sim, Senhor; debaixo do cetro de um monarca pode haver cidades e províncias regidas sob diversas leis e diferentes ministros (ibid).

São os homens da mesma hierarquia que os anjos?
Enquanto vivem neste mundo, não, Senhor (Ibid).

Por que dizeis 'enquanto vivem neste mundo'?
Porque no céu serão admitidos nas hierarquias angélicas (CVIII, 8).

Logo, há várias hierarquias angélicas?
Sim, Senhor (CVIII, 8).

Quantas são?
São três (Ibid).

Em que se distinguem?
Na forma diversa de conhecer a razão das coisas concernentes ao governo divino (Ibid).

Como as conhecem os da primeira hierarquia?
Com a iluminação direta procedente do mesmo Deus.

Que se segue daqui?

Segue-se que os anjos da primeira hierarquia são os mais próximos de Deus e, portanto, as ordens desta hierarquia tomam os seus nomes de algum ministério que tenha por objeto o mesmo Deus (CVIII, 1,6).

Como conhecem os anjos da segunda hierarquia a razão das decisões concernentes ao governo do mundo?
Nas suas causas universais criadas (Ibid).

Que se deduz deste princípio?
Que os anjos da segunda hierarquia as conhecem, mediante a iluminação dos da primeira e suas ordens tomam o nome de algum ministério que tenha por objeto o conjunto de todas as criaturas (ibid).

Como as conhecem os anjos da terceira hierarquia?
Enquanto são executivas e dependem de suas causas próximas (Ibid).

Que se deduz deste modo de conhecer?
Que os anjos da última hierarquia recebem as ordens divinas tão concretas e particularizadas como é necessário para comunicá-las às nossas inteligências e as suas ordens recebem denominação de atos limitados a um homem, como os anjos da guarda, ou a uma província, como os principados (CVIII, 6).

Podereis esclarecer a doutrina exposta com uma comparação?
Com a seguinte: nas cortes dos reis há assessores e conselheiros áulicos que assistem à pessoa do monarca; há secretários da real cúria e despacho a cujas secretarias vêm ter os negócios gerais de todo o reino: há, por fim. governadores e prepostos nas diversas províncias e nos diversos ramos da administração.

São as ordens angélicas distintas das hierarquias?
Sim, Senhor (CVIII, 2).

Em que se distinguem?
Em que as hierarquias se integram com diversas multidões de anjos que formam diferentes principados. debaixo do governo divino, e as ordens constituem classes distintas dentro das multidões que formam uma mesma hierarquia (Ibid).

Quantas ordens há em cada hierarquia?
Há três (Ibid).

Por que?
Porque é uma semelhança do que se passa entre os homens, onde se agrupam as classes sociais em aristocracia, classe média e povo inferior (Ibid).

Logo, em cada hierarquia, há anjos superiores, médios e inferiores?
Sim, Senhor e a estas categorias chamamos ordens angélicas (Ibid).

Logo, são nove as ordens angélicas?
As principais são nove (CVIII, 5, 6).

Por que dizeis 'as principais'?
Porque em cada ordem há infinitas sub-ordens, visto que cada anjo tem a sua categoria e ofício particular, ainda que nos não é dado conhecê-las neste mundo (CVIII, 3).

Ordem é o mesmo que coro angélico?
Sim, Senhor.

Por que se dá o nome de coros às ordens angélicas?
Porque, cumprindo as diversas ordens a missão que Deus lhes confia no governo do mundo, formam grupos harmônicos, onde maravilhosamente se retrata a glória divina.

Que nome têm as ordens angélicas?
Enumerados, em ordem descendente, chamam-se: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos (CVIII, 5).

Há ordens ou classes entre os demônios?
Sim, Senhor; porque a ordem angélica depende da natureza de cada anjo, e esta permaneceu nos demônios.

Logo, há subordinação entre eles, como a havia antes da queda?
Sim, Senhor.

Algum dos demônios utiliza esta superioridade para praticar o bem?
Nunca, sempre para praticar o mal (CIX, 3).

Não existe, portanto, iluminação entre os demônios?
Não, Senhor, por isso que seu reino é chamado de império das trevas.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular).