sábado, 28 de fevereiro de 2015

OS TRÊS TIPOS DE SANTIDADE


A doutrina revelada sobre a morte, sobre o juízo particular, sobre o inferno, sobre o purgatório e o céu, leva-nos a pressentir o que é a outra vida e manifesta-nos a grandeza da alma humana que só Deus visto face a face pode irresistivelmente atrair e encher. O que nos faz tender para o céu, nosso destino, é a graça santificante, germe de vida eterna, e as virtudes infusas que dela derivam, sobretudo a fé, a esperança e a caridade acompanhadas dos sete dons do Espírito Santo.

Note-se, que estas três grandes virtudes teologais são hoje, por vezes, completamente desfiguradas. A fé em Deus, a esperança em Deus e o amor a Deus e às almas por ele, foram substituídas em muitos meios modernos pela fé e esperança na humanidade, pelo amor teórico da humanidade. Nesses meios, a fraseologia ocupou o lugar da doutrina sagrada. A arte de fazer frases substituiu a doutrina revelada acerca de Deus e da alma. Quando é assim, a falsidade não tem remédio.

Em certas lojas maçônicas lê-se nas paredes: 'Fides, spes, caritas'. Chesterton afirmou sobre este ponto: 'Grandes ideias que se tornaram loucas'... 'As grandes ideias tornadas loucas' são as ideias religiosas que perderam significado superior e vieram a desarticular-se e a desequilibrar-se de todo. É o que acontece quando se substitui a fé em Deus, que não pode enganar-se nem nos enganar, pela fé na humanidade, apesar de todas as suas aberrações. E assim como a verdadeira fé, esclarecida pelos dons do Espírito Santo, pelos dons da inteligência e da sabedoria, constitui o principio da contemplação mística, a fé degenerada e desarticulada torna-se o principio de uma falsa mística, aprovada na paixão pelo progresso da humanidade.

A antiguidade clássica não conheceu um tão profundo desequilíbrio. Depois dela, veio o Cristianismo, a elevação sobrenatural do Evangelho, e, quando alguém se separa dele, a queda é tanto mais rápida quanto se cai de mais alto. A descida começou com Lutero, pela negação do sacrifício da Missa, do valor da absolvição sacramental, e, portanto, da confissão, pela negação, também, da necessidade de cumprir os mandamentos de Deus para obter a salvação. A queda acelerou-se depois, com os enciclopedistas e filósofos do século XVIII, com o 'cristianismo corrompido' de Jean Jacques Rousseau, que subtraiu ao Evangelho o seu caráter sobrenatural e reduziu a religião ao sentimento natural que se encontra mais ou menos alterado em todas as religiões. A Revolução Francesa propagou por toda parte estas ideias. 

Na mesma época, Kant sustentou que a razão especulativa não pode provar a existência de Deus. Fichte e Hegel ensinam que Deus não existe fora e acima da humanidade; surge em nós e por nós e não é outra coisa senão o próprio progresso da humanidade, como se este, de tempos em tempos, não fosse acompanhado de um terrível retrocesso para a barbárie. O Liberalismo pretende ocupar, entre o Cristianismo e estes erros monstruosos, uma posição eclética e não chega a conclusão alguma válida para a ação. Vê-se logo substituído pelo radicalismo na negação, depois, pelo socialismo e, finalmente, pelo comunismo materialista e ateu, como previa Donoso Cortès. Este comunismo representa a negação de Deus, da família, da propriedade, da pátria e conduz a uma servidão universal, graças a mais terrível das ditaduras. 

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Só há um caminho para voltar a subir: a verdadeira santidade. Mas é preciso encará-la de uma maneira realista. A santidade, como demonstra Santo Tomás, tem dois caracteres essenciais: a ausência de toda mancha, isto é, ausência de todo pecado, e uma firmíssima união com Deus. Esta santidade atinge sua perfeição no céu, mas começa na terra. Manifesta-se concretamente, sobre as quais queremos insistir aqui. 

Realmente, há três grandes deveres para com Deus: conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo. Cumpri-los é ganhar a vida eterna. Há almas que têm, sobretudo, por missão, amar a Deus e fazer com que ele seja muito amado; são as almas de vontade forte, que recebem graças de amor ardente. Há outras que tem por missão dá-Lo a conhecer; nelas predomina claramente a inteligência e recebem, sobretudo, graças de luz. Finalmente, há almas que tem por missão, sobretudo, servir a Deus mediante a fidelidade ao dever cotidiano. É o caso da maioria dos bons cristãos, que empregam a memória e a atividade prática para serem fiéis ao dever de cada dia. Estas três formas de santidade parecem estar representadas em três apóstolos privilegiados: São Pedro, São João e São Tiago.

(Excertos da obra 'O Homem e a Eterndade', do Pe. Garrigou-Lagrange)