terça-feira, 29 de outubro de 2013

DAS EXCELÊNCIAS DA SANTA MISSA

Aqueles que não têm gosto para assistir à Santa Missa, invocam inúmeros pretextos para escusar sua tibieza. Podeis vê-los absolvidos por seus negócios. Cheios de solicitude e zelo pelo progresso de seus miseráveis interesses. Para isso toda fadiga é leve, e não há dificuldade que os retenha. Ao contrário, para assistir à Santa Missa, que é o mais importante dos tesouros, ei-los cheios de frieza e preguiça, invocando centenas de escusas frívolas: seus inúmeros cuidados, sua saúde delicada, os embaraços da família, a falta de tempo, o excesso de ocupações. Em suma, se a Santa Madre Igreja não os obrigasse sob pena de pecado a assistir à Santa Missa ao menos aos domingos e dias santificados, sabe Deus se visitariam jamais uma igreja ou dobrariam o joelho ante um altar!

Ó vergonha, ó profunda miséria de nossos tempos infelizes, que estamos longe do fervor dos primeiros cristãos, os quais, como já disse, assistiam todo dia à Santa Missa e recebiam o Pão dos Anjos. No entanto, não lhes faltavam afazeres, cuidados, ocupações. Mas a própria Santa Missa era para eles um auxílio para bem dirigir seus negócios e interesses espirituais e temporais. Mundo obcecado! Quando abrirás os olhos para reconhecer tão palpável ilusão? Vamos! Despertemos todos! E que nossa devoção preferida, a mais amada, seja assistir diariamente à Santa Missa e nela comungar, pelo menos espiritualmente.

Para alcançar tão santo resultado, não sei de meio mais eficaz que o exemplo, pois é uma máxima indiscutível que todos vivimus ab exemplo: isto é, que tudo que vemos feito por nossos semelhantes se nos torna acessível e fácil. Não poderás fazer, dizia a si próprio Santo Agostinho, o que fazem estes e aqueles? 'Tu non poteris qudo isti et istae'? Apresentarei, portanto, alguns exemplos interessantes de pessoas diversas, e por este meio espero convencer todo o mundo. 

Uma mulher, que entra na Igreja com um traje espaventoso, atrai todos os olhares, e queira Deus não atraia também os corações, arrebatando ao Senhor as devidas adorações! Não é preciso excitar estas pessoas a assistir todos os dias à Santa Missa; já são demais levadas a frequentar as igrejas. O importante será fazer-lhes compreender com que modéstia e respeito devem portar-se na casa de Deus, especialmente quando se celebra a Santa Missa. Tanto mais me edificam senhoras da nobreza e princesas que só aparecem ante aos altares vestidas simplesmente, sem luxo nem elegâncias refinadas, quanto me escandalizam certas pretensiosas que, com seus penteados ridículos e ares de atrizes, assumem poses de deusas no lugar santo.

A bem-aventurada Ivete teve, certo dia, uma visão, que devia inspirar a essas pessoas o temor respeitoso devido à Santa Missa. Ao assistir à Santa Missa, viu essa nobre flamenga um espetáculo terrível. Perto dela estava uma dama distinta, cujo olhar se fixava aparentemente no altar; mas não era para seguir o Santo Sacrifício, nem para adorar o Santíssimo Sacramento que ia receber, e sim, para satisfazer uma paixão impura. Em volta dela estavam um grande número de demônios que dançavam e se expandiam em demonstrações de regozijo. Quando ela se levantou para se dirigir à mesa sagrada, uns lhe seguraram a cauda do vestido, outro lhe ofereceu o braço enquanto outros lhe faziam cortejo e serviam-lhe como a sua senhora. No momento em que o sacerdote descia do altar com a Santa Hóstia na mão, a fim de dar a comunhão àquela infeliz, pareceu a Ivete que o Salvador abandonava as santas espécies e volvia ao Céu, repugnando-Lhe entrar num coração assim rodeado de espíritos das trevas. Aterrorizada por semelhante cena, a bem-aventurada Ivete dirigia humildes preces a Nosso Senhor. E Ele revelou-lhe a causa, fazendo-lhe ver que aquela mulher alimentava uma paixão desordenada por uma pessoa que se achava próxima do altar, e que durante toda a Santa Missa, ao invés de se ocupar dos Santos Mistérios, contemplava-a com olhares impuros, desejando antes lhe agradar que agradar a Deus. Por isso rodeavam-na os demônios e faziam-lhe o cortejo.

Dir-me-eis que não sois do número dessas infelizes criaturas, e eu creio de boa vontade. Se, entretanto, ides à Igreja com certos trajes escandalosos, mereceis todas as censuras. Transformeis o templo sagrado em covil de ladrões, pois roubais a Deus a honra, pelas distrações que provocais aos sacerdotes, aos ministros, a todo o povo. Por favor, considerai e tomai a resolução de imitar Santa Isabel da Hungria. Para assistir à Santa Missa, ela se dirigia com grande pompa à Igreja. Mas, para assistir ao Santo Sacrifício, retirava da cabeça a coroa, os anéis dos dedos, depunha seus ornamentos e cobria-se com um véu, ficando em atitude tão modesta que nunca foi vista desviar sequer os olhos. Tudo isso agradou de tal modo a Deus que Ele quis manifestá-lo a todos: durante a Santa Missa, a Santa aparecia envolta de tal claridade que se velavam de deslumbramento os olhos dos assistentes; parecia-lhes contemplar um Anjo do Paraíso. Imitai exemplo tão ilustre, certos de que agradareis a Deus e aos homens, e que a Santa Missa será para vós de imenso proveito para esta vida e para a outra.

Grande é a utilidade que se aufere da assistência à Santa Missa, o que acaba de ser demonstrado. Muitas vezes, porém, há impossibilidade para certas pessoas, ou mesmo inconveniência, de ir à Igreja todos os dias. Vós que tendes filhos pequenos, ou que por obrigação ou caridade cuidais de um doente, ou que tendes um marido difícil que vos proíbe sair, não deveis inquietar-vos, ou, o que é pior, desobedecer. Pois, ainda que a Santa Missa seja um santo tesouro e de valor infinito, apesar de tudo, é sempre ainda melhor obedecer e renunciar à própria vontade, pois a obediência é imensamente valiosa.

Que sucederia, no entanto, se fôsseis à Santa Missa para vos entregardes à tagarelice, à curiosidade, às distrações voluntárias, e voltásseis com as mãos vazias? Foi o que sucedeu a uma camponesa, que morava em uma aldeia um pouco afastada da Igreja. Querendo alcançar uma graça importante, ela prometeu assistir à Santa Missa durante um ano. Com esta intenção, todas as vezes que ouvia repicar o sino anunciando a Santa Missa, em alguma Igreja dos arredores, largava imediatamente seu trabalho e punha-se a caminho, sem atender sequer às inclemências do tempo. De volta a casa, para não perder a conta das Santas Missas assistidas, que tencionava completar exatamente conforme se impusera, depositava cada vez uma fava em uma caixa cuidadosamente guardada. Passou-se o ano, e ela, certa de ter cumprido a promessa e alcançado muitos méritos, foi abrir a caixa. Ora, de tantas favas que ajuntara, só encontrou uma. 

Surpreendida e consternada, invadiu-a um grande pesar, e dirigiu-se a Deus, dizendo-lhe lacrimosa: 'Ó Senhor, como é possível que, de tantas Santas Missas que participei, só uma se encontre de sobra? Nunca faltei, a despeito do esforço a fazer, do mau tempo, da chuva, do frio e do caminho ruim!'. Deus então lhe inspirou a ideia de contar sua infelicidade a um piedoso sacerdote muito prudente. Este lhe perguntou de que modo ia ela à igreja, e com que devoção assistia ao santo Sacrifício. Então, ela disse-lhe que no caminho só falava de negócios ou de diversões e passava o tempo dos divinos Mistérios a tagarelar com um e outro, tendo o espírito ocupado exclusivamente com sua casa e seus campos. 'Aí está, lhe disse o padre, o motivo de nada restar dessas Missas. A tagarelice, a curiosidade, as distrações voluntárias vos roubaram todo o mérito. Satanás vo-lo roubou. Por isso, vosso Anjo fez desaparecer as favas, para vos mostrar que as obras mal feitas, ficam perdidas. Dai graças a Deus porque pelo menos uma das Santas Missas foi bem assistida e vos trouxe frutos'.

Fazei agora uma reflexão bem séria e dizei: Quem sabe, de tantas Santas Missas a que tenho assistido em minha vida, quantas foram agradáveis a Deus? Que vos responde a consciência! Se vos parece que bem poucas dessas Santas Missas são dignas de mérito aos olhos de Deus, remediai esta situação e emendai-vos sinceramente para o futuro. Mas se, o que não queira Deus, sois do número dessas infelizes, asseclas dos demônios, que vão à igreja ajudá-los a arrastar ao inferno, ouvi uma história apavorante e tremei!

Conta-se que certa mulher, tendo caído em grande miséria, errava em extremo desespero, num lugar solitário. Apareceu-lhe Satanás e disse-lhe que se ela quisesse distrair as pessoas na igreja, por meio de conversinhas e falatório inútil e inconveniente, ele a tornaria rica como nunca. A miserável mulher aceitou a proposta e pôs-se a executar o diabólico ofício, alcançando plenos resultados: agia e falava de tal maneira que ninguém perto dela podia assistir atentamente à Santa Missa, nem a outras cerimônias. Não durou muito, porém, que não pesasse sobre ela a mão de Deus. Certa manhã desencadeou-se terrível tempestade e um raio certeiro fulminou-a, reduzindo-a a cinzas. Ó mulheres, aprendei à custa de outrem, e fugi das pessoas que, por suas tagarelices e irreverências nas igrejas, exercem o ofício de ministros de Satanás, se não quereis incorrer também vós na cólera de Deus.

São Tomás e São Boaventura, os dois doutores da Igreja, ensinam, como dissemos anteriormente, que o Santo Sacrifício da Missa é de valor infinito, tanto pela Vítima que é ai oferecida, que é o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, principalmente, por Quem o oferece. No entanto, muitos há que o têm em tão pouca estima que colocam este tesouro sacratíssimo abaixo do mínimo interesse. Outra finalidade não tem este livrinho, da primeira à última página, senão dar uma ideia justa desta preciosidade tão grande que não tem preço. E se, até aqui, este Santo Sacrifício era para vós um tesouro oculto, agora que lhe conhecem o valor infinito, tomem a resolução de aproveitá-lo, assistindo à Santa Missa! Para a isso mais incitá-los, vou contar uma história apavorante, que será a conclusão desta obra.

Piccolomini, mais tarde Pio II, refere que, em certa região da Alemanha, havia um fidalgo de grande linhagem que, tendo caído na pobreza, vivia retirado em uma de suas terras. Aí, acabrunhado pela melancolia, estava prestes a deixar-se dominar pelo desespero, pois Satanás o impelia cada dia, a por uma corda ao pescoço a fim de dar cabo da vida. Nesse combate contra a tristeza e a tentação, recorreu a um santo confessor, que lhe deu o excelente conselho de não passar, nem um dia, sem assistir à Santa Missa. O fidalgo aceitou o conselho e logo o colocou em prática; e fez mais: para ficar seguro de nunca faltar à Santa Missa, tomou um capelão que devia estar pronto a oferecer, cada manhã, o Santo Sacrifício, a que ele assistia com grande fervor e devoção. 

Um dia, porém, o capelão dirigiu-se bem cedo a uma aldeia pouco afastada para assistir um padre recém-ordenado que lá celebrava sua primeira Missa. O fidalgo, receoso de ficar privado da Santa Missa naquele dia, dirigiu-se apressadamente para a tal aldeia. No caminho, porém, encontrou um camponês, e este lhe disse que podia voltar dali, pois a Santa Missa do novo sacerdote já havia terminado e que na aldeia não se celebraria outra. A esta notícia, o fidalgo perturbou-se e exclamou entre lágrimas: 'Que vai ser de mim hoje?'. O camponês, que nada podia entender de tão pungente aflição, replicou num tom de gracejo e ímpio ao mesmo tempo: 'Não choreis, senhor, eu vos venderei a Missa que acabo de assistir. Dai-me o manto que trazeis e eu vo-la cedo'. O gentil-homem aceitou a estranha proposta do camponês e, entregando-lhe o manto, encaminhou-se para a Igreja. Fez uma curta oração no lugar santo e voltou em seguida para casa. Mas, ao chegar ao sítio em que se detivera pouco antes, qual não foi seu espanto ao ver enforcado num carvalho, morto como Judas, o desgraçado camponês que lhe vendera sua Missa. A tentação de suicídio passara do fidalgo ao camponês que, privado do socorro que a Santa Missa lhe alcançara, não soubera resistir ao Diabo. O fato acabou de convencer o bom fidalgo de quão eficaz era o remédio sugerido pelo confessor, e mais se firmou em sua resolução de assistir, todos os dias, à Santa Missa.

Duas coisas de grande importância eu quisera que notásseis neste terrível caso. Primeiro, a grosseira ignorância de grande número de cristãos que, não sabendo apreciar as riquezas imensas na Santa Missa, vão a ponto de taxá-la por um preço material. Daí vem a linguagem inconveniente de algumas pessoas que falam em 'pagar ao sacerdote a sua Missa'. Pagar a Missa! E onde encontrareis fortuna capaz de igualar o valor de uma única Santa Missa, já que ela vale mais que todo o Paraíso, ó ignorância revoltante. Esse pouco de dinheiro que dais ao sacerdote, vós lho dais para seu sustento, mas não como pagamento, pois a Santa Missa é um tesouro sem preço.

Por que vos exortei, neste livrinho, a assistir todos os dias à Santa Missa e a encomendar quantas puderdes, é possível que Satanás vos coloque no espírito esta ideia: 'Os padres nos exortam a encomendar muitas Missas, por motivos muito bonitos e especiais. Mas nem tudo que brilha é ouro. Sob esta aparência de zelo, eles escondem seu proveito e no fim de contas vê-se que o interesse é que lhes inspira a conduta e as palavras'. Que erro o vosso, se pensais assim! Dou graças a Deus de me ter inspirado abraçar uma ordem na qual se professa a mais estrita pobreza, e não se recebem 'espórtulas' pelas Missas. Se nos oferecessem cem escudos por uma só Missa, jamais os aceitaríamos, pois dizemos todas as nossas Missas na intenção que tinha Cristo na Cruz, quando ofereceu ao Eterno Pai o primeiro Sacrifício do Calvário. Se, portanto, alguém há que possa elevar a voz sem receio de censura, sou eu que só busco o vosso interesse. Ora, tudo que vos aconselhei neste opúsculo vo-lo repito novamente, rogo-vos: assisti a muitas Santas Missas e as encomendai o mais que puderdes. Tereis amontoado um grande tesouro que vos aproveitará neste Mundo e no outro.

A segunda verdade que deveis depreender da história precedente é a eficácia da Santa Missa para alcançar todo bem e preservar-se de todo mal, e em particular para adquirir forças espirituais a fim de vencer todas as tentações. Deixai-me, portanto, dizer-vos ainda: À Santa Missa! À Santa Missa! Se quereis a vitória sobre vossos inimigos e ver todo o Inferno vencido e dominado. Resta-me ainda dar-vos um aviso, que se dirige também tanto aos sacerdotes, aos religiosos, como aos leigos: é que, para receber com grande abundância os frutos da Santa Missa, importa ir a Ela com a máxima devoção. Vós, leigos, portanto, assisti com toda a devoção à Santa Missa, e para isto, se quiserdes, utilizai-vos deste livrinho e ponde em prática, cuidadosamente, tudo o que nele vai indicado. Em pouco tempo, posso assegurar-vos pela experiência, verificareis uma mudança sensível em vosso coração e tocareis com o dedo o grande bem que daí há de auferir a vossa alma.

E vós, sacerdotes, deveis temer a justiça de Deus quando, por uma pressa exagerada ou por negligência irreverente, executardes mal as santas cerimônias, precipitardes as palavras, confundirdes os movimentos, numa palavra: despachardes a Missa. Refleti que consagrais, que tocais e recebeis o Filho de do Altíssimo e que não podeis, sem falta, omitir a menor cerimônia ou fazê-la de modo negligente ou defeituoso, como o ensina o sábio Suarez: 'Vei unius caeremoniae omissio culpae reatum inducit'!

Por isso, João D'Ávila, o oráculo da Espanha, não punha em dúvida que o Soberano Juiz pedirá aos sacerdotes uma conta mais rigorosa de todas as Missas que tiverem celebrado, do que qualquer outra obrigação. Por este motivo, tendo ouvido dizer que um jovem sacerdote passara à outra vida ao terminar sua primeira Missa, aquele santo homem soltou um suspiro e disse: 'Ele celebrou, então, a Santa Missa?'. E como lhe respondessem que o neo-sacerdote tivera a felicidade de morrer logo depois de celebrá-la, replicou: 'Ah! Grande conta tem ele de dar a Deus se celebrou uma Missa!'

E vós e eu, que tantas temos celebrado, como nos arranjaremos no tribunal de Deus? Tomemos portanto a salutar resolução de rever, ao menos no próximo retiro que fizermos, todas as rubricas do Missal e todas as cerimônias sacras, a fim de celebrar com a máxima perfeição possível. E estou certo de que se nós, sacerdotes, celebramos com um exterior grave e recolhido e, sobretudo, com grande fervor, os leigos, de sua parte, hão de decidir-se a assistir diariamente à Santa Missa. E teremos a consolação de ver renascer entre os cristãos de nossos dias o fervor dos primeiros fiéis da Igreja.

E vós, que é que estais fazendo? Por que é que não ides correndo para as igrejas para lá assistirdes fervorosamente a todas as Santas Missas que puderdes? Por que é que não quereis imitar os Anjos que, quando se celebra a Santa Missa, descem do Paraíso em grande número e vêm ficar ao redor do altar em adoração, intercedendo por nós? E Deus será soberanamente honrado e glorificado: é esta a única finalidade desta pequena obra. Orai por mim, rezando uma Ave Maria.

(Excertos da obra 'As Excelências da Santa Missa” de São Leonardo de Porto Maurício)