quinta-feira, 2 de maio de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (III)

III. De que modo, quando e como falar com Deus

1. Em geral 

Nunca vos esqueçais então da doce presença do Senhor, como fazem a maioria dos homens. Falai-lhe o maior número de vezes que puderdes: Ele não é como os grandes da terra, não se enfadará com a vossa frequência, nem vos desprezará; e se o amais, havereis sempre com que entretê-lo. Dizei-lhe tudo o que se apresenta no tocante a vossa pessoa e interesses, como o dirias a um amigo íntimo. Não o considereis como um príncipe soberbo, que não quer tratar senão de coisas elevadas e somente com grandes personagens: o nosso Deus tem prazer em prostrar-se para tratar com cada um de nós e quer que lhe comuniquemos os nossos negócios ainda os menos importantes e os mais ordinários. 

Ele vos ama e tem cuidado por vós, como se fôsseis o único objeto dos seus pensamentos. É tão aplicado ao que vos interessa, que parece conservar a sua providência unicamente para vos socorrer; a sua onipotência para vos ajudar; a sua misericórdia e bondade para ter compaixão de vós, fazer-vos bem, e ganhar, por sinais de ternura, a vossa confiança e amor. Descobri-lhe então livremente todo o vosso interior, e pedi-lhe vos guiar ao perfeito cumprimento da sua santa vontade, e todos os vossos desejos e desígnios tenham por único fim dar-lhe agrado e contentar o seu coração: 'Descobri o vosso caminho ao Senhor' (Sl 36,5). 'Pedi-lhe faça vossos caminhos retos e que todos os vossos desígnios repousem nele' (Tb 4,20). 

Não digais: De que serve expor a Deus todas as minhas necessidades? Ele as vê e conhece melhor do que eu. Deus as conhece, não há dúvida, mas procede como se ignorasse as necessidades de que não lhe são faladas e para as quais não recorreis a Ele. O nosso Divino Salvador sabia da morte de Lázaro; entretanto, antes que fosse disso comunicado pelas irmãs do defunto, parecia ignorá-la; só depois de receber a mensagem delas é que as consolou, ressuscitando-lhes o irmão (Jo 11,1). 

2. Nos padecimentos 

Assim, quando estiverdes nas provações da enfermidade, tentação, perseguição ou outra tribulação, seja qual for, ide sem demora ao Senhor, e rogai-lhe vos estenda a mão auxiliadora. Bastante será pordes sob os seus olhos o que vos aflige, dizendo: 'Senhor, vede a minha angústia'. Ele não deixará de vos consolar, ou ao menos vos dará força para levardes com paciência a vossa cruz, o que valerá mais para vós do que se Ele a tirasse toda de vós. Comunicai-lhe todos os pensamentos que vos atormentam, os vossos sentimentos de temor ou tristeza, e dizei-lhe: 'Meu Deus, em vós ponho todas as minhas esperanças; ofereço-vos esta provação e me resigno à vossa santa vontade; mas, tende compaixão de mim'; ou 'livrai-me desta aflição ou ajudai-me a suportá-la'. Então o Senhor cumprirá certamente a sua promessa de consolar ou fortalecer todos aqueles que, nas penas, recorrem a Ele: 'Vinde todos a mim' - diz Ele no Evangelho - 'vós que sofreis e sois acabrunhados, e eu vos aliviarei' (Mt 11,28). 

Se alguma vez fordes buscar, junto aos vossos amigos, alguma consolação nas vossas penas, Deus não se ofende com isto, mas quer que de preferência recorrais a Ele. Assim, ao menos depois de ter pedido às criaturas consolações que elas não vos puderam dar, voltai-vos para o Criador, e dizei-lhe: 'Senhor, os homens não têm mais do que palavras' (Jó 16,21), palavras impotentes para consolar-me; eu não os escuto mais. 'Vós sois toda a minha esperança e todo o meu amor; só de vós espero a minha consolação; e a que eu solicito é a graça de fazer nesta ocasião o que vos é mais agradável. Eis-me pronto a sofrer esta pena durante toda a minha vida e toda a eternidade, se esta for a vossa vontade; mas, ó Deus meu, ajudai-me'. 

Não temais dar-lhe desgosto, se ousais alguma vez queixar-vos docemente a Ele nestes termos: 'Senhor, vós o sabeis eu vos amo e não desejo outra coisa que o vosso amor. Por que ficais separado de mim?' (S l9,10-11). Por piedade, vinde em meu socorro, não me abandoneis. Se a vossa desolação se prolonga e vos acabrunha, uni a vossa cruz à de Jesus afligido e moribundo na sua, e dizei implorando misericórdia do Senhor: 'Meu Deus! Meu Deus! por que me haveis abandonado?' (Mt27,46). Mas aproveitai esta ocasião de vos humilhar mais profundamente, lembrando-vos de que não se merece consolação depois de se haver ofendido a Deus e, ao mesmo tempo, reanimai a vossa confiança, pensando que o vosso Pai celeste não faz, não permite nada, que não seja para o vosso bem: 'todas as coisas' - como nos assegura São Paulo - 'cooperam para o bem dos que amam a Deus' (Rm 8,28). 

Com uma coragem tanto maior, quanto mais a confusão e desolação enchem a vossa alma, dizei a Deus: 'Senhor, a Vós pertence esclarecer-me, a Vós salvar-me; a quem temerei?' (Sl 26,1). 'Em vós confio, Senhor, não serei confundido para sempre' (Sl 30,2). Tranquilizai-vos assim, persuadida que nunca ninguém, depois de ter posto em Deus a sua confiança, se perdeu (Ec l2,11). Pensai que Deus vos ama mais do que podeis amar-vos a vós mesmo, e deixai de temer. Confortai-vos repetindo com Davi: 'O Senhor toma para si os meus interesses' (Sl 39,18). Sim, meu Deus, eu sei, e é por isso que me abandono entre os vossos braços; não quero pensar senão em vos amar e agradar; eis-me pronto a fazer tudo o que exigirdes de mim. Não somente desejais o meu bem, mas ele é objeto das vossas solicitudes paternais; eu vos deixo então o cuidado da minha salvação: 'Descanso e descansarei sempre em vós, visto como quereis que ponha em vós todas as minhas esperanças' (Sl 4,6).

'Tende sentimentos dignos da bondade de Deus' (Sb 1,1). Por estas palavras, o Sábio nos exorta a termos mais confiança na misericórdia de Deus do que temor da sua justiça, porque Ele é incomparavelmente mais propenso a fazer bem do que a punir: 'A misericórdia' - diz São Tiago - 'vence a justiça' (Tg 2,13). Daqui este aviso do Apóstolo São Pedro de que, no meio dos nossos temores, no que diz respeito aos nossos interesses, quer temporais, quer eternos, devemos nos entregar inteiramente à bondade do nosso Deus, o qual, ajunta ele, tem cuidado extremo da nossa salvação: 'Confiai-lhe todos os vossos cuidados porque Ele toma para si a vossa salvação' (IPd 5,7). 

E a este propósito, com que belo título Davi dá ao Senhor quando lhe chama 'o Deus que salva' (Sl 67,21). Segundo a explicação de Belarmino, ele nos ensina por este modo que o modo próprio do nosso Deus não é condenar, mas salvar todos os homens; porque, se Ele ameaça com a sua cólera aos que o desprezam, promete e assegura a sua misericórdia àqueles que o temem, assim como a Mãe de Deus o proclama no seu Cântico: E a sua misericórdia repousa sobre aqueles que o temem... Eu vos cito todos estes textos da Escritura, alma devota, a fim de que se alguma vez fordes tentada com inquietações a respeito da própria salvação, da vossa predestinação, vos tranquilizeis, vendo nas promessas do Senhor quanto Ele deseja vos salvar, contanto que estejais resolvida a amá-lo e servi-lo como Ele assim o quer. 

3. Nas alegrias 

Quando receberdes alguma notícia satisfatória, não façais como costumam fazer certas almas infiéis e ingratas, que recorrem a Deus no tempo da tribulação, mas na prosperidade o esquecem e o abandonam. Procedei para com Deus com a mesma fidelidade que usais com um amigo sincero que estimaria como sua a vossa felicidade; ide comunicar-lhe a vossa alegria: louvai-o e dai-lhe graças, reconhecendo que deveis tudo à sua bondade; julgai-vos feliz por lhe serdes devedora desta graça; ponde, enfim, toda a vossa alegria e consolação no Senhor: 'Eu me regozijarei em Deus meu Salvador' (Hb 3,18), e ainda, 'Cantarei os louvores do Senhor de quem me vêm estes bens' (Sl 12,10). 

Dizei-lhe: 'Meu Jesus, eu vos bendigo e bendirei sempre por todas as graças que me prodigalizais, a mim pecador, que mereceria, não favores, mas castigos'. Dizei-lhe como a esposa sagrada: 'Todos os frutos, novos e velhos, conservo para vós, ó meu bem-amado' (Ct7,13). Senhor, eu vos dou graças; conservo a lembrança de todos os vossos benefícios, passados e presentes, para vos tributar por eles honra e glória por toda a eternidade. Mas, se amais com verdade o vosso Deus, regozijar-vos-eis ainda mais com a dEle do que com a vossa felicidade. Não raro tem a gente mais satisfação com o bem da pessoa a quem muito ama do que com o seu próprio. Sede, pois, feliz, por saberdes que o vosso Deus é infinitamente feliz, dizei-lhe muitas vezes: 'Meu amadíssimo Senhor, regozijo-me mais com a vossa imensa felicidade do que com a minha, porque Vos amo mais que a mim mesmo'. 

4. Depois de uma falta 

Se após cada falta em que cairdes, não vos envergonhardes de ir lançar-vos aos pés do vosso amantíssimo Deus e pedir-lhe perdão, dar-lhe eis um sinal de confiança que lhe é singularmente agradável. Sabei-o, Deus é tão inclinado a perdoar, que geme pela perdição das almas que se separam dEle e vivem privadas da vida da graça. Ele as convida com ternura: 'Por que correr para a morte, filhos de Israel? Voltai-vos para mim e vivereis' (Ez 18,31). À alma que o abandonou Ele promete acolher logo que torne para os seus braços: 'Voltai-vos para mim e eu me voltarei para vós' (Zc 1,3). Ó se os pecadores soubessem com que bondade o Senhor os espera, para lhes perdoar! 'O Senhor' - diz Isaías - 'espera e deseja fazer misericórdia' (Is 30,18). Ó se eles pudessem compreender a que ponto, longe de querer puni-los, Ele deseja que, por uma sincera conversão, lhe permitam abraçá-los e apertá-los sobre o seu coração! 

Não é isto o que Ele afirma? 'Eu juro por mim mesmo' - diz o Senhor Deus - 'não quero a morte do ímpio, mas sim que deixe o seu mau caminho e viva' (Ez 33,11). Chega a dizer: Pecadores, arrependei-vos de me ter ofendido, depois vinde a mim; se não vos perdoar, acusai-me de mentira e infidelidade; mas não, longe de faltar à minha promessa, se vierdes, 'ainda que as vossas consciências sejam escarlates ou enegrecidas pelos vossos pecados, torná-las-ei pela minha graça brancas como a neve' (Is 1,18). Enfim, é declaração formal do Senhor; que lançará no esquecimento todos os pecados da alma que se arrepender de o ter ofendido (Ez 18,22). 

Assim, depois de uma queda erguei logo os olhos para o Senhor com um ato de amor, reconhecei humildemente a vossa falta, e, esperando com segurança o perdão, dizei-lhe: 'Senhor! Este coração que amais está enfermo' (Jo 11,3), coberto todo de chagas: 'curai-me porque pequei contra vós' (Sl 40,5). Ides atrás dos pecadores arrependidos; eis que um vem a vós, ei-lo aos vossos pés: o mal está feito, que partido tomarei? Não quereis que eu perca a confiança; ainda depois deste pecado, vós me quereis bem, e eu também vos amo ainda; sim, Deus meu, amo-vos de todo o meu coração; pesa-me de vos ter desagradado, resolvido estou a não fazê-lo mais; sois o Deus 'cheio de doçura e misericórdia' (Sl 85,5), perdoai-me, pois, dizei como à Madalena: 'os teus pecados te são perdoados' (Lc 7,48) e concedei-me a força de vos ser fiel para o futuro. 

A fim de não vos desanimardes, lançai, então principalmente, um olhar sobre Jesus Crucificado; oferecei os seus méritos ao Pai Eterno, e esperai obter assim o vosso perdão, pois que, para vos perdoar, Deus não poupou seu próprio Filho (Rm 8,32). Dizei-lhe com confiança: 'Meu Deus, olhai para a face de vosso Cristo' (Sl 83,10), vede o vosso Filho, morto por mim e, por amor deste Filho, perdoai-me. Prestai a mais séria atenção, ó alma devota, a este conselho que dão comumente os mestres da vida espiritual, de recorrer a Deus logo depois de cada infidelidade; ainda que vos aconteça a infelicidade de cair nela cem vezes ao dia, ponde-vos em paz cada vez e sem demora, voltando-vos para o Senhor; porque, se ficais desanimada e perturbada pela falta cometida, havereis de fugir do trato com Deus, a vossa confiança se diminuirá, o vosso desejo de amá-lo se esfriará, e não podereis mais progredir no caminho do Senhor. 

Ao contrário, se recorrerdes logo a Deus para lhe pedir perdão e prometer corrigir-vos, as mesmas quedas contribuirão para vos adiantar no amor divino. Quando, entre pessoas que se amam deveras, uma delas desagrada a outra, mas não tarda em desagravá-la com humilde satisfação, a amizade, em vez de acabar, não raro se estreita mais do que antes. Seja o mesmo entre Deus e vós; procedei de modo que as vossas mesmas faltas sirvam para aproximar cada vez mais os laços de amor que vos unem a Ele. 

5. Nas dúvidas

Nas dúvidas, quer vos sejam pessoais, quer alheias, fazei como os amigos fiéis, que consultam entre, si todos os seus negócios; nunca deixeis de dar a Deus esta prova de confiança: consultai-o, pedi-lhe que vos esclareça, a fim de tomardes a resolução que lhe seja mais agradável: 'Ponde a palavra nos meus lábios e aumentai a sabedoria na minha alma' (Jt 9,18); dizei-me vós mesmo, Senhor, o que quereis que eu faça ou responda; eu vos obedecerei: 'Falai, Senhor, porque o vosso servo escuta' (I Sm 3,9). 

6. Para o próximo

 Recomendai a Deus com confiança, não só as vossas próprias necessidades, mas também as dos outros. Quanto agradaríeis a Deus, se soubésseis vos esquecer algumas vezes dos vossos interesses pessoais, para lhe falar dos interesses da sua glória, das misérias do próximo e lhe recomendar em particular os infelizes que gemem sob o peso das tribulações, as almas do purgatório e os pobres pecadores que vivem na privação da sua graça. 

Em favor destes últimos podereis pedir-lhe assim: 'Senhor, todo amável sois, amor infinito mereceis; como pois sofreis que haja no mundo tantas almas que, cumuladas dos vossos benefícios, não vos querem conhecer nem amar, e até vos ofendem e desprezam? Ó meu Deus infinitamente amável, fazei que vos conheçam, fazei que vos amem. Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino; sim, oxalá seja o vosso nome adorado e amado por de todos os homens; oxalá o Vosso amor reine em todos os corações. Ah! não me despeçais de vós sem que me tenhais concedido alguma graça para essas pobres almas em cujo favor vos intercedo'. 

7. Desejo do Céu

Há no purgatório, segundo se pensa, uma pena particular, chamada languidez, à qual são condenadas as almas que, nesta vida, pouco desejaram o Paraíso. Esta opinião é fundada em razão, porque não desejar vivamente um bem tão grande, um reino eterno que nosso Redentor nos adquiriu a preço do seu sangue, é fazer muito pouco caso dele. Lembrai-vos, pois, alma devota, de suspirar frequentemente por essa morada celeste; dizei ao vosso Deus que, por causa do desejo em que ardeis de ir amá-lo contemplando-o sem véu, o vosso exílio parece de mil anos. Ansiai por deixar esta terra de pecados onde correis continuamente o risco de perder a divina graça, a fim de entrardes na pátria de amor onde amareis o Senhor com todo o vosso poder. 

Repeti-lhe muitas vezes: 'Senhor, enquanto eu aqui viver, estarei sempre em perigo de vos abandonar e renunciar ao vosso amor; quando então me será dado deixar esta terra em que vos ofendo todos os dias, ir amar-vos de todo o meu coração e unir-me a vós, sem temor de vos perder nunca mais!' Tais eram os suspiros contínuos de Santa Teresa; ela se regozijava quando ouvia o relógio dar as horas, pensando que era mais uma que se passava, uma hora de perigo de perder a Deus que havia passado; os seus desejos de morrer para ver a Deus eram tão ardentes que, de algum modo, a matavam, e tal é o assunto de sua amorosa elegia: 'Eu morro de pesar de não poder morrer'.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

quarta-feira, 1 de maio de 2024

01 DE MAIO - SÃO JOSÉ OPERÁRIO


São José, São José carpinteiro,
dai-me o cinzel do entalhador
para que eu molde almas, muitas almas,
com a sagrada face do Senhor...


São José, modelo de virtudes,
imprimi em mim virtuoso labor
para que eu seja luz, luz que alumie,
os santos caminhos do Senhor...


São José, homem de oração,
dai-me a graça da vida interior
para que eu leve ovelhas, muitas ovelhas,
 ao rebanho do Bom Pastor...
  

São José, São José missionário,
guiai-me no apostolado do amor
pelos homens, para que muitos se salvem,
 na infinita misericórdia do Senhor...



 São José, esposo de Maria,
ungi-me a fronte com especial fervor
de levar as almas, todas as almas,
às fontes da graça do Senhor...


São José, São José camponês,
dai-me o arado e fazei-me semeador
que eu possa dar frutos, muitos frutos,
nas vinhas gloriosas do Senhor...


São José, homem justo na fé,
fazei de mim esteio consolador
de todos que sofrem, dos que padecem,
crucificados como o Senhor...



São José, São José operário,
fazei de mim um santo trabalhador
que eu seja obra de muitos nomes
nas moradas eternas do Senhor...

('Poema a São José', de Arcos de Pilares)

Acesse a página COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ

terça-feira, 30 de abril de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (II)

II. É fácil e agradável entreter-se com Deus

É grande erro, já o dissemos, mostrar desconfiança nas nossas relações com Deus, e aparecer sempre na sua presença como escravo tímido e vergonhoso, que treme de medo diante do seu rei; mas erro pior ainda seria imaginar que seja molesto e fastidioso conversar com o Senhor: não, nem por sombra: 'porque a sua conversação nada tem de desagradável, e a sua companhia nada de tedioso' (Sb 8,16). Interrogai as almas que o amam sinceramente, e elas vos dirão que, nas penas da vida, a sua mais doce e sólida consolação é entreter-se com Deus. 

Não se exige de vós aplicação contínua de espírito, nem que esqueçais as vossas ocupações e nem sequer as vossas recreações; o que se exige é que, sem descuidar-vos da vossa lida, procedais com Deus como procedeis para com as pessoas que vos amam e são amadas de vós. O vosso Deus está sempre perto de vós, e até dentro de vós: 'Porquanto é nele que tendes a vida, o movimento e o ser' (At 17,28). Quem deseja falar-lhe encontra sempre a porta aberta de par em par: o Senhor estima que os trateis com toda a confiança. Falai-lhe dos vossos negócios, desígnios, penas, temores, e de tudo o que vos interessa. Fazei-o sobretudo, torno a dizer, com confiança e coração aberto. 

Deus não tem costume de falar a uma alma que com Ele não fale, porque ela não está em estado de entender a sua linguagem, visto não ter hábito de tratar com Ele. Disto é que o Senhor se queixa nos Cânticos: 'Nossa irmã não passa ainda de uma criança no meu amor; como faremos para lhe falar, se ela não compreende?' (Ct 8,8). Deus quer ser tido como o Senhor mais poderoso e temível por aqueles que desprezam a sua graça; mas quer também que aqueles que o amam, o tratem como amigo o mais afetuoso; deseja que estes lhe falem muitas vezes, com familiaridade e sem temor. 

Deus deve sempre ser soberanamente respeitado, é verdade; mas quando Ele mesmo quer fazer-vos sentir a sua presença e deseja que lhe faleis como ao amigo que mais vos ama que todos os outros, abri o vosso coração com toda liberdade e confiança. Ele previne aos que desejam a sua presença, diz o sábio, 'e espontaneamente se lhes mostra' (Sb 6,14). Uma vez que aspirais ao seu amor, não espera que vades a ele, mas vem e se apresenta primeiro a vós, com as graças e remédios de que haveis necessidade. Só uma palavra espera que digais, para mostrar que está junto de vós, vos escuta e está pronto a consolar-vos: 'Os seus ouvidos estão abertos para escutar as orações dos justos' (Sl 33,16). 

Pela sua imensidade, Deus está em todos os lugares; há contudo dois que são a sua morada própria e preferida: um é o céu empíreo, onde está presente pela glória que comunica aos bem-aventurados; outro, na terra, é o coração humilde que o ama: 'Ele habita no lugar santo' - diz Isaías - 'e com a alma humilde e penitente' (Is 57,15). Assim, o nosso Deus, que reside no mais alto dos céus, não se reprime de ficar dias e noites com os seus servos fiéis, nas suas grutas ou celas; e aí, lhes dá as suas divinas consolações, das quais uma só sobrepassa todas as delícias que o mundo pode dar, consolações que só as não deseja quem não as experimenta: 'Provai, e vede quão doce é o Senhor' (Pv 33,9). 

No mundo, os amigos têm horas para conversar, e horas em que se separam, mas entre Deus e vós, se quiserdes, nunca haverá instante de separação: 'Enquanto dormirdes, o Senhor estará ao vosso lado' (Pv 3,24), e velará sem cessar junto de vós. Diz o Sábio - 'Eu repousarei na sua companhia e conversarei com Ele pelos meus pensamentos' (Sb 8,9-16). Quando repousais, Deus não se separa do vosso leito, mas fica pensando constantemente em vós, para que, se acordardes à noite, possa vos falar pelas suas inspirações, e receber de vós, algum ato de amor, oferenda e agradecimento. 

Assim quer Ele, ainda no tempo do repouso, continuar convosco os seus doces e amáveis entretenimentos. Falar-vos-á até durante o vosso sono, e vos instruirá a respeito da sua vontade, a fim de que, em acordando, a ponhais em obra (Nm 12,6). De manhã, achá-lo-eis ainda junto de vós, para ouvir algumas palavras de afeto ou confiança, e recolher os vossos primeiros pensamentos e a promessa que lhe fazeis de agir em tudo com o fim de agradar-lhe durante o dia, com o oferecimento de todas as penas que vos propondes sofrer de boa vontade pela seu amor e sua glória. Como Ele não deixa de se apresentar a vós no momento de despertardes, não deixeis também de dirigir-lhe um olhar cheio de amor; regozijai-vos por saber do vosso mesmo Deus a feliz nova de que não está longe de vós, conforme o doce preceito que Ele vos recorda a esta mesma hora: 'Tu amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração' (Dt 6,5).

(Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 29 de abril de 2024

A MANEIRA DE FALAR COM DEUS (I)

I - Deus quer lhe falemos cheios de confiança e com familiaridade

Não podia o bem aventurado Jó cessar de admirar-se, vendo Deus tão atento em espalhar os seus benefícios sobre o homem. Não parece com efeito que o Senhor nada tem mais de anseio do que nos amar e ganhar o nosso amor? Eis por que o santo exclamava, dirigindo-se a Deus: 'Que é o homem para que o eleveis tanto na vossa estima? E por que o constituis objeto do vosso afeto?' (Jó 7,17). É, portanto, erro evidente pensar que não se pode tratar com Deus familiarmente e com toda a confiança sem faltar com o respeito devido à sua infinita majestade. 

Sem dúvida, alma devota, deveis a Deus reverência cheia de humildade; sois obrigada a abater-vos na sua presença, lembrando-vos principalmente da ingratidão e ultrajes de que, no passado, vos fizestes culpada para com ele; mas nada disto deve impedir de pordes, nas vossas relações com ele, o amor mais terno, a mais inteira confiança de que sois capaz. Ele é a majestade infinita, mas ao mesmo tempo é a bondade infinita e o amor infinito. Em Deus tendes o Senhor mais sublime que pode existir, mas também o Esposo mais amante que podeis possuir. 

Longe de vos expordes ao seu desprezo, o regozijais usando com ele da confiança simples e terna dos filhinhos para com as suas mães. Escutai com que termos ele nos estimula a chegarmos à sua presença, e que carícias nos promete: 'Vós sereis como meninos que a mãe traz apertados ao seu seio e acaricia tendo-os nos joelhos, como a mãe acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei' (Is 66,12). A mãe se regozija em ter o seu filhinho ao colo, em dar-lhe o nutrimento, cercá-lo de carícias; é com a mesma ternura que o nosso bom Deus se compraz de tratar as almas que lhe são caras por se haverem dado a ele sem reserva, e colocado todas as suas esperanças na sua bondade. 

Ficai certa, não há pessoa alguma que iguale a Deus no amor que ele nos tem, nem amigo, nem irmão, nem pai, nem mãe, nem esposo, nem amante. A graça divina é, segundo a palavra do sábio, o rico tesouro por meio do qual, vis criaturas e indignos escravos como somos, nos tornamos amigos queridos do nosso próprio Criador (Sb 7,14). Para nos inspirar mais confiança, ele chegou, digamos assim, até aniquilar-se, como diz São Paulo (Fp 2,7); abateu-se até fazer-se homem para morar entre nós e conversar familiarmente conosco (Br 3,38). Chegou a fazer-se menino, a fazer-se pobre, a deixar-se condenar e crucificar publicamente; chegou ainda mais a ocultar-se sob as espécies de pão, para ser companheiro perpétuo do nosso exílio, e unir-se intimamente conosco: 'Aquele que come o meu corpo e bebe o meu sangue, permanece em Mim, e Eu permaneço nele' (]o 6,57). 

Dir-seia enfim que Ele vos ama de tal maneira, que sois o único objeto do seu amor. Também, do vosso lado, não deveis amar nada fora de Deus; como tendes o direito de dizer: 'O meu amado é meu', é preciso que digais também: 'E eu sou dele' (Ct 2,16); sim, pois que o meu Deus se deu todo a mim, dou-me todo a Ele; pois que me escolheu para a sua amada, eu o escolhi entre todos para o meu único amor (Ct 5,10). Dizei-lhe então muitas vezes: 'Senhor, por que me amais tanto? Que bem achais em mim? Esquecestes as injúrias que vos fiz? Ah! já que me tendes tratado com tanto amor e, em vez de me precipitar no inferno, me cumulastes de tantas graças, a quem quereria eu amar no futuro, senão a vós, meu sumo bem, meu tudo! Ó meu Deus amabilíssimo, o que mais me aflige nas ofensas passadas, não é tanto a pena que mereci, mas antes o desgosto que vos causei, a vós, que sois digno de amor sem limites. 

O profeta nos afiança contudo que vós não sabeis desprezar um coração que se arrepende e humilha (Sl 50,19). Agora, eu clamo não querer mais nada nesta vida nem na outra, senão a Vós somente. 'Porquanto que há para mim no céu? E, fora de Vós, o que poderia eu desejar na terra? Ó Deus do meu coração, vós sois a minha herança para sempre!' (Sl 72,25-26). Sois e sereis sempre o dono do meu coração, da minha vontade, o meu único bem, o meu paraíso, a minha esperança, o meu amor, o meu tudo; eu o repito: Vós sois o Deus do meu coração e a minha partilha por toda a eternidade. 

Para fortalecer cada vez mais a vossa confiança em Deus, recordai-vos frequentemente do seu proceder tão cheio de bondade para convosco, e dos meios pelos quais a sua misericórdia vos tirou da vossa vida desregrada, vos arrancou às afeições terrenas, e atraiu ao seu santo amor. O vosso medo único seja não terdes bem confiança nas relações com o vosso Deus, agora que estais resolvida a amá-lo e dar-lhe agrado de todo o vosso poder. A misericórdia que Ele tem usado convosco é penhor seguro do amor que vos tem. Deus não vê sem desprazer a falta de confiança nas almas que Ele ama e de que é sinceramente amado. 

Se, pois, quereis regozijar o seu coração terníssimo, testemunhai-lhe de agora em diante toda a confiança e afeto de que sois capaz. 'Eis que te escrevi nas minhas mãos; os teus muros estão sempre diante dos meus olhos' (Is 49,16). Alma querida, diz o Senhor, por que estes temores, estas desconfianças? Eu trago o teu nome gravado na minha mão, a fim de nunca perder de vista a tua felicidade. São talvez os teus inimigos que te fazem tremer? Mas sabe que o cuidado da tua defesa está continuamente presente ao meu pensamento, e não me é possível esquecê-la. Seguro nesta proteção divina, Davi exclamava com alegria: 'Senhor, a vossa benevolência é como um escudo com que nos cobris' (Sl 5,13); quem poderá nos causar dano enquanto a vossa bondade e amor formarem ao redor de nós uma como muralha impenetrável aos nossos inimigos? 

Reanimai sobretudo a vossa confiança pensando no dom que Deus nos fez de Jesus Cristo. 'Porque' - dizia o próprio Jesus - 'Deus amou o mundo a ponto de dar o seu Filho único' (Jo 3,16). E depois disto, exclama o Apóstolo, depois que Ele nos deu seu próprio Filho, como temermos que nos recuse alguma coisa? (Rm 8,32). O paraíso de Deus é, pode-se dizer, o coração do homem. Deus vos ama, amai-o; as suas delícias, Ele vos declara, são estar convosco (Pv 8,31); sejam as vossas estar com Ele, passar todo o tempo da vossa vida mortal com Aquele cuja amável companhia esperais gozar na eterna bem aventurança. Tornai então o hábito de falar-lhe sempre e sempre, familiarmente, com amor e confiança, como ao amigo mais caro que tendes, e aquele que mais vos ama.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 28 de abril de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Senhor, sois meu louvor em meio à grande assembleia!' (Sl 21)

Primeira Leitura (At 9,26-31) - Segunda Leitura (1Jo 3,18-24) -  Evangelho (Jo 15,1-8)

  28/04/2024 - QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA

22. A VIDEIRA ETERNA 


Neste Quinto Domingo da Páscoa, como os ramos da videira eterna, somos chamados a permanecer em Deus, vivendo em plenitude os ensinamentos de Cristo e, como cooperadores e partícipes na obra do Pai, sermos frutos de salvação, no apostolado diário e na vivência diária da nossa vocação para a santidade, como Filhos de Deus: 'Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim' (Jo 15, 4).

Eis a verdadeira medida do nosso amor: a plena confiança em Deus e nos desígnios da Providência Divina. Que nada além desta disposição interior, de colocar tudo nas mãos de Deus, seja o nosso conforto e consolação. Deus governa todas as coisas e sabe, muito além de nós mesmos, como nos levar a uma mais perfeita santificação. Com Cristo, por Cristo e em Cristo, a seiva da graça é levada a todos os ramos para que possam produzir muitos frutos de salvação: 'Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer' (Jo 15, 5).

Como rebentos vigorosos da videira eterna, somos cuidados com infinito amor. Deus é o próprio agricultor destas vinhas eternas; nos cerca de zelos extremados, corta as imperfeições de nossas almas insensatas; poda os ramos que se curvam sob o peso das tentações e das provações, para que se reergam mais fortes e mais atraídos para o alto, para os ditames da luz. Como ramos limpos e regados com a seiva da vida eterna, somos chamados à perseverança em Deus, permanecendo e fazendo conservar no coração os tesouros da graça, a exemplo de Maria, nossa Mãe, que 'conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração' (Lc 2, 19).

Perdida a seiva, os ramos secam, atrofiam, morrem... não podendo se sustentar por si mesmos, perdem o vigor, a essência da vida; não podem dar frutos nem sementes, caem por terra e serão consumidos pelo fogo: 'Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados' (Jo 15, 6). Não há meio termo no plano da salvação: ou somos ramos vivos ligados à videira, ou somos ramos mortos destinados ao fogo eterno. Pelo apostolado, por nossas obras de caridade, tornamo-nos rebentos vivos desta videira eterna, como discípulos de Jesus e para a maior glória de Deus.

sábado, 27 de abril de 2024

'SEGUE- ME!'


A imitação de Cristo está expressa nas palavras: 'Segue-me'. Sim, isso Ele o diz a Pedro, mas também a todo cristão: 'segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre o sou'. Por isso é que Jeremias afirma: 'Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás de andar atrás de mim' (Jr 3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que corro. 'Corri tendo sede', diz o salmista (Sl 61,5); sede, entende-se, a de salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corra também atrás de Cristo para que assim como Ele tomou sua cruz por ti, também tu tomes a tua cruz por ti. 

Lê-se no evangelho de Lucas: 'Se alguém quer vir após mim, renegue a si mesmo' (Lc 9,23), ou seja, sacrifique a própria vontade, tome a sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é, continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: 'Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer' (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior. Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: 'Vinde à parte, para longe da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai um pouco'. Sim, 'um pouco', porque como diz o Apocalipse: 'Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora' (Ap 8,1) e o salmista: 'Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?' (Sl 54,7). E o profeta Oséias também diz: 'Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração' (Os 2,16). 

Nestas três expressões - amamentarei / conduzirei / falarei ao coração - podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente. Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase! 

Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma. Através da sublime contemplação, ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: 'segue-me!'. O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu bebê a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: 'Vem, vem, eu vou te dar!' E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho vai se afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: 'Vem, vem, pega!' Existem também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.

Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos Provérbios encontra-se escrito a este propósito: 'Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de tropeçar' (Pv 4,11-12). O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse: 'Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas' (Mt 11,29). 

O caminho é estreito, dá apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar... Caminhos da retidão são os da pobreza e da obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos dados neles não são indecisos e nem sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o mais largo... Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade. 

Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei 'aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem' (1Cor 2,9). 'Segue-me e dar-te-ei' - diz Isaías - 'tesouros escondidos e riquezas ocultas' (Is 45,3). E ainda: 'À vista disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e se dilatará' (Is 60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como Ele é e te encherás de delícias e riquezas na alma e no corpo. Teu coração admirará as ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: 'segue-me!'

(Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua)

sexta-feira, 26 de abril de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (I)


PARTE I

No Paraíso há muitos santos que nunca deram esmolas na terra: a sua pobreza por si só os justificava. Há muitos santos que nunca mortificaram o seu corpo com jejuns, nem usaram cilícios: as suas enfermidades corporais os desculpavam. Há também muitos santos que não eram virgens: a sua vocação era outra. Mas no Paraíso não há nenhum santo que não tenha sido humilde.

1. Deus expulsou os Anjos do Paraíso por causa da sua soberba; portanto, como podemos pretender entrar nele, se não nos mantivermos num estado de humildade? Sem humildade, diz São Pedro Damião [Sermão 45], nem a própria Virgem Maria, com a sua incomparável virgindade, poderia ter entrado na glória de Cristo; e nós devemos convencer-nos desta verdade: embora destituídos de algumas das outras virtudes, podemos ser salvos, mas nunca sem humildade. Há pessoas que se lisonjeiam de ter feito muito conservando a castidade imaculada, e realmente a castidade é um belo adorno; mas como diz o angélico São Tomás: 'Falando absolutamente, a humildade excede a virgindade' [4 dist. qu. xxxiii, art. 3 ad 6; et 22, qu. clxi, art. 5]

Muitas vezes estudamos diligentemente para nos precavermos e corrigirmos dos vícios da concupiscência que pertencem a uma natureza sensual e animal, e este conflito interior que o corpo trava adversus carnem [Gl 5,17] é verdadeiramente um espetáculo digno de Deus e dos seus Anjos. Mas, infelizmente, quão raramente usamos esta diligência e cautela para vencer os vícios espirituais, dos quais o orgulho é o primeiro e o maior de todos e que, por si só, bastou para transformar um Anjo num demônio!

2. Jesus Cristo chama-nos a todos à sua escola para aprendermos, não a fazer milagres nem a maravilhar o mundo com empreendimentos maravilhosos, mas a sermos humildes de coração. 'Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração'. Ele não chamou todos para serem doutores, pregadores ou sacerdotes, nem concedeu a todos o dom de restituir a vista aos cegos, curar os doentes, ressuscitar os mortos ou expulsar os demônios, mas a todos disse: 'Aprendei de Mim a ser humildes de coração' e a todos Ele deu o poder de aprender a humildade dEle. Inúmeras coisas são dignas de serem imitadas no Filho de Deus encarnado, mas Ele só nos pede que imitemos a sua humildade. E então? Devemos supor que todos os tesouros da Sabedoria Divina que estavam em Cristo devem ser reduzidos à virtude da humildade? 'É certamente assim' - responde Santo Agostinho. A humildade contém todas as coisas, porque nessa virtude está a verdade; portanto, Deus também deve habitar nela, pois Ele é a verdade.

O Salvador poderia ter dito: 'Aprendei de mim a ser castos, humildes, prudentes, justos, sábios, abstêmios...'. Mas Ele só disse: 'Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração' e só na humildade Ele inclui todas as coisas, porque, como diz Santo Tomás, 'a humildade adquirida é, em certo sentido, o maior bem'. Por isso, quem possui esta virtude pode dizer-se que possui todas as virtudes, no que diz respeito à sua disposição próxima, e quem carece dela, carece de todas.

3. Lendo as obras de Santo Agostinho, encontramos em todas elas que sua única idéia era a exaltação de Deus acima da criatura, tanto quanto possível, e tanto quanto possível a humilde sujeição da criatura a Deus. O reconhecimento desta verdade deveria encontrar lugar em cada espírito cristão, estabelecendo-se - segundo a agudeza e a penetração da nossa inteligência - uma conceção sublime de Deus e uma conceção humilde e vil da criatura. Mas isso só se consegue com humildade.

A humildade é, na realidade, uma confissão da grandeza de Deus, que, depois de seu auto-aniquilamento voluntário, foi exaltado e glorificado; por isso, a Sagrada Escritura diz: 'porque só a Deus pertence a onipotência, e é somente pelos humildes que ele é verdadeiramente honrado' [Eclo 3, 21]. 

Foi por esta razão que Deus se comprometeu a exaltar os humildes, e continuamente derrama novas graças sobre eles em troca da glória que Ele constantemente recebe deles. Por isso, a palavra inspirada nos lembra novamente: 'Sê humilde, e perante Deus acharás misericórdia' [Eclo 3, 20]. O homem mais humilde honra mais a Deus por sua humildade, e tem a recompensa de ser mais glorificado por Deus, que disse: 'Quem me honrar, Eu glorificá-lo-ei' [Eclo 3,20]. Ah se pudéssemos ver quão grande é a glória dos humildes no Céu!

4. A humildade é uma virtude que pertence essencialmente a Cristo, não apenas como homem, mas mais especialmente como Deus, porque para Deus ser bom, santo e misericordioso não é virtude, mas natureza, e a humildade é apenas uma virtude. Deus não pode exaltar-se acima do que é, no seu altíssimo Ser, nem pode aumentar a sua vasta e infinita grandeza; mas pode humilhar-se, como de fato se humilhou e rebaixou. 'Humilhou-se e esvaziou-se a si mesmo' [Fp 2,7-8], revelando-se-nos, pela sua humildade, como o Senhor de todas as virtudes, o vencedor do mundo, da morte, do inferno e do pecado.

Nenhum exemplo maior de humildade pode ser dado do que o do Filho Único de Deus quando 'o Verbo se fez Carne'. Nada pode ser mais sublime do que as palavras do Evangelho de São João: 'No princípio era o Verbo'. E nenhuma humilhação pode ser mais profunda do que a que se segue: 'E o Verbo se fez carne'. Por esta união do Criador com a criatura, o mais alto foi unido ao mais baixo. Jesus Cristo resumiu toda a sua doutrina celeste na humildade e, antes de a ensinar, quis praticá-la perfeitamente. Como diz Santo Agostinho: 'Ele não estava disposto a ensinar o que Ele mesmo não era, Ele não estava disposto a ordenar o que Ele mesmo não praticava' [Lib. de sancta virginit. c. xxxvi].

Mas com que objetivo fez Ele tudo isto, senão para que todos os seus seguidores aprendessem a humildade através de um exemplo prático? Ele é o nosso Mestre, e nós somos os seus discípulos; mas que proveito retiramos dos seus ensinamentos, que são práticos e não teóricos? Que vergonha seria para alguém, depois de ter estudado durante muitos anos numa escola de arte ou de ciência, sob o ensino de excelentes mestres, se continuasse a ser absolutamente ignorante! A minha vergonha é realmente grande, porque vivi tantos anos na escola de Jesus Cristo e, no entanto, não aprendi nada daquela santa humildade que Ele procurou tão ardentemente ensinar-me. 'Tende piedade de mim segundo a vossa Palavra. Vós sois bom, e na vossa bondade ensinai-me as vossas justificações. Dai-me entendimento, e aprenderei os vossos mandamentos' [Sl 118, 58. 68.73].

5. Há uma espécie de humildade que é de conselho e de perfeição, como aquela que deseja e procura o desprezo dos outros; mas há também uma humildade que é de necessidade e de preceito, sem a qual, diz Cristo, não podemos entrar no reino dos Céus: 'Não entrarás no reino dos Céus'. E esta consiste em não nos estimarmos e em não querermos ser estimados pelos outros acima do que realmente somos. Ninguém pode negar esta verdade, que a humildade é essencial para todos aqueles que desejam ser salvos: 'Ninguém chega ao reino dos Céus senão pela humildade' - diz Santo Agostinho [Lib. de Salut. cap. xxxii].

Mas, pergunto eu, que humildade é essa que é tão necessária? Quando nos é dito que a fé e a esperança são necessárias, também nos é explicado o que devemos crer e esperar. Do mesmo modo, quando se diz que a humildade é necessária, em que deve consistir a sua prática, senão na mais baixa opinião de nós mesmos? É neste sentido moral que a humildade do coração foi explicada pelos pais da Igreja. Mas posso dizer com verdade que possuo essa humildade que reconheço como necessária e obrigatória? Que cuidado ou solicitude demonstro para a adquirir? Quando uma virtude é de preceito, também o é a sua prática, como ensina Santo Tomás. E, portanto, como há uma humildade que é de preceito, 'ela tem a sua regra na mente, isto é, que não se deve estimar a si mesmo como estando acima daquilo que realmente se é' [22, quo xvi, 2, art. 6].

Como e quando pratico os seus atos, reconhecendo e confessando a minha indignidade diante de Deus? A oração frequente de Santo Agostinho era a seguinte: Noscam te, noscam me - 'Que eu Te conheça, que eu me conheça a mim mesmo!' E com esta oração ele pedia a humildade, que não é outra coisa senão um verdadeiro conhecimento de Deus e de si mesmo. Confessar que Deus é o que é, o Onipotente: 'Grande é o Senhor e muito digno de ser louvado' [Sl 47,2] e declarar que não passamos do nada perante Ele: 'A minha substância é como nada diante de Vós' [Sl 38,6] - isto é ser humilde.

6. Não há desculpa válida para não ser humilde, porque temos sempre, dentro e fora de nós, razões abundantes para a humildade: 'E a tua humilhação estará no meio de ti' [Mq 6,14]. É o Espírito Santo que nos envia esta advertência pela boca do seu profeta Miqueias. Quando consideramos bem o que somos no corpo e o que somos na alma, parece-me muito fácil humilharmo-nos, e mesmo muito difícil sermos orgulhosos. Para ser humilde, basta que eu alimente dentro de mim aquele sentimento correto que pertence a todo o homem que é honrado aos olhos do mundo, de se contentar com o que é seu sem privar injustamente o nosso próximo do que é dele. Portanto, como não tenho nada de meu a não ser o meu nada, é suficiente para a humildade que eu me contente com esse nada. Mas se sou orgulhoso, torno-me como um ladrão, apropriando-me do que não é meu, mas de Deus. E, sem dúvida, é maior pecado roubar a Deus o que lhe pertence do que roubar ao homem o que é do homem.

Para sermos humildes, ouçamos a revelação do Espírito Santo, que é infalíve: 'Eis que tu não és nada, e a tua obra é do que não tem existência'. Mas quem está realmente convencido do seu próprio nada? É por esta razão que na Sagrada Escritura é dito: 'Todo homem é um mentiroso'. Pois não há homem que, de tempos a tempos, não alimente uma incrível autoestima e forme uma falsa opinião sobre o seu ser, ou ter, ou alcançar algo mais do que é possível ao seu próprio nada.

Para sabermos o que é, na realidade, o nosso corpo, basta-nos olhar para o túmulo, porque, pelo que lá vemos, temos de concluir inevitavelmente que, tal como acontece com esses corpos decaídos, assim será em breve conosco. E, com essa reflexão, devo dizer a mim mesmo:  'Por que é que a terra e as cinzas são orgulhosas?' Eis a glória do homem, porque a sua glória é esterco e vermes; hoje é elevado, e amanhã não será encontrado, porque voltou à sua terra, e o seu pensamento é reduzido a nada [1 Mc 2, 62 - 63]. Ó minha alma, sem ir mais longe para procurar a verdade, entra em pensamento no coração da tua morada que é o teu corpo! 'Entra e fecha-te no meio da tua casa'. Entra e olha bem ao teu redor, e não encontrarás nada além de corrupção. 'Vai ao barro e pisa-o'. Para onde quer que te voltes, não verás nada além de putrefação acontecendo.

7. Para sabermos o que realmente somos, examinemos a nossa própria consciência. E, encontrando nela apenas a nossa própria malícia e a capacidade de cometer toda a espécie de iniquidade, não diremos todos a nós mesmos: 'Por que te glorias na malícia, tu que és poderoso na iniquidade?' Que tens tu, alma minha, para te glorificares? Tu, que és um vaso de iniquidade e um poço de pecado e vício? Não é toda essa autoglorificação - quer seja pelos teus dons corporais ou espirituais, quer seja pelo que buscas construir para ti uma reputação - senão vaidade e engano?

Ó como é verdade que todo homem é um mentiroso, pois é preciso ter apenas um pouco de orgulho para ser um mentiroso, e não há ninguém que não tenha herdado, por meio de nossos primeiros pais, algo desse orgulho que eles aprenderam ao ouvir a promessa enganosa da serpente: 'E sereis como deuses' [Gn 3,5]. Também se pode dizer que todo o homem é mentiroso neste sentido - que não raro preza mais a Terra do que o Céu, mais o corpo do que a alma, mais as coisas temporais do que as eternas, mais a criatura do que o Criador - e é por isso que Davi exclama: 'Ó filhos dos homens, porque amais a vaidade e procurais a mentira?' [Sl 4,3] e 'Os homens não passam de um sopro, e de uma mentira os filhos dos homens' [Sl 61,10].

Mas, na realidade, a mentira reside essencialmente no orgulho que nos faz estimarmo-nos acima do que somos. Quem se considera mais do que o nada está cheio de orgulho e é um mentiroso. É a afirmação de São Paulo: 'Se alguém se julga alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo' [Gl 6,3]. Sempre que me estimo a mim mesmo, preferindo-me aos outros, engano-me com esta auto-adulação e cometo um erro contra a verdade.

8. Basta que uma virgem tenha caído uma unica vez para que perca a virgindade; e basta que uma esposa tenha sido infiel apenas uma vez para que seja perpetuamente desonrada; mesmo que depois ela possa realizar muitas obras nobres, ainda assim sua desonra nunca poderá ser apagada, e o aguilhão e a dolorosa lembrança de sua vergonha e culpa devem permanecer para sempre em sua consciência.

E assim, mesmo que em todo o curso da minha vida eu tenha cometido apenas um pecado, o fato permanecerá sempre que eu pequei e cometi a pior e mais ignominiosa ação. E mesmo que eu viva uma vida de penitência contínua, e esteja certo do perdão de Deus, e que o pecado já não exista na minha consciência, ainda assim terei sempre motivo de vergonha e humilhação pelo fato de ter pecado: 'O meu pecado está sempre diante de mim; pequei e fiz o que era mau aos vossos olhos' [Sl 50, 5-6].

9. Que diríamos se víssemos o carrasco público a andar pelas ruas e a pretender ser estimado, respeitado e honrado? Consideraríamos sua desfaçatez tão insuportável quanto sua vocação é infame. E tu, minha alma, cada vez que pecaste mortalmente, foste como um carrasco, pregando na Cruz o Filho de Deus! Assim, São Paulo descreve os pecadores como 'crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus' [Hb 6,6].

E com este caráter de infâmia que trazes dentro de ti, ainda te atreves a exigir honra e estima? Ainda terás a coragem de dizer: 'Insisto em ser honrado e respeitado, não serei menosprezado'? Por mais que o orgulho me tente a vangloriar-me e a procurar estima, tenho motivos de sobra para corar de vergonha quando ouço a voz da consciência a reprovar-me pela minha ignomínia e pelos meus pecados, e a reprovar-me por ser um pérfido e ingrato rebelde contra Deus, um traidor e um carrasco que cooperou na Paixão e Morte de Jesus Cristo: 'Continuamente estou envergonhado, a confusão cobre-me a face, por causa dos insultos e ultrajes de um inimigo cheio de rancor.' [Sl 43, 16-17].

10. Temos de reconhecer que uma das cinco razões pelas quais não vivemos nesta humildade necessária é o fato de não temermos a justiça de Deus. Vede um criminoso, como ele se apresenta humildemente diante do juiz, com os olhos baixos, o rosto pálido e a cabeça inclinada: ele sabe que foi condenado por crimes atrozes; sabe que, com isso, mereceu a pena capital e pode, com justiça, ser condenado à forca, e por isso teme, e seu temor o mantém humilde, expulsando de seu cérebro todo pensamento de ambição e vanglória. Assim, a alma, consciente dos numerosos pecados que cometeu, consciente de que mereceu de fato o Inferno, e que de um momento para o outro pode ser condenada ao Inferno pela justiça Divina, teme a ira de Deus, e este temor faz com que a alma permaneça humilde perante Ele; e se não sente esta humildade, só pode ser porque falta o temor de Deus: 'Não há temor de Deus diante de seus olhos' [Sl 35,2]. Assim clamai a Deus de coração: 'estremeço pois vossos decretos inspiram-me temor' [Sl 118,120].

E esse santo temor, que é o princípio da sabedoria, será também o princípio da verdadeira humildade; pois, como diz a Palavra inspirada, a humildade e a sabedoria são companheiras inseparáveis: 'Onde está a humildade, aí também está a sabedoria' [Pv 11,2].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)