quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
GALERIA DE ARTE SACRA (XXXI)
A Virgem com um Peixe (Rafael Sanzio)
'A Virgem com um Peixe' é uma das mais famosas pinturas de Rafael Sanzio (nascido em Urbino em 1483 e falecido em Roma, em 1520), da sua série com pinturas da Virgem Maria e o Menino Jesus. Sentada em um trono, a Virgem segura o Menino Jesus no colo. À esquerda, encontra-se o Arcanjo Rafael que apresenta à Virgem o jovem Tobias, ao qual guiara previamente até o Rio Tigre e que segura o peixe com cujo fel haverá de curar a cegueira do seu pai (Tb 11, 13). À direita, São Jerônimo, vestido de cardeal, tem a Vulgata (Bíblia que traduziu para o latim) aberta nas mãos, aparentemente na passagem do Livro de Tobias.
O Livro de Tobias é um dos livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, possuindo 14 capítulos e 297 versículos, e foi considerado canônico pelo Concílio de Cartago em 397 e reconfirmado por todos os demais concílios. Entre os principais ensinamentos do livro, destacam-se a descoberta da providência divina na vida cotidiana, a fidelidade à vontade de Deus, a prática da esmola, o amor aos pais, a oração e o jejum, a integridade do matrimônio e o respeito pelos mortos. A ênfase é dada ao fato de que o homem justo não vive sozinho: mas está sempre acompanhado pela graça de Deus.
A Verdade das primícias da fé é sempre a mesma, unindo o Antigo (Tobias) e o Novo Testamento (São Jerônimo e a tradução da Bíblia), perpassando por Cristo (que nos redimiu pelo batismo - símbolo do peixe - e nos legou o primado de 'pescadores de homens') e a sua Mãe, medianeira de todas as graças. O Anjo do Senhor revelou-se a Tobias e este foi agraciado com as bênçãos dos Céus depois de muito sofrimento; Jesus se revela por Maria como caminho, verdade e vida para todos os homens, com as mesmas promessas: chega-se ao Céu por meio da superação das vicissitudes, sofrimentos e realidades tremendas dessa vida.
A pintura (215cm x 158cm) data de 1513-1514 e foi encomendada por Geronimo del Doce para a capela de Santa Rosa de Lima no Mosteiro de San Domenico em Nápoles e, mais de cem anos depois, transferida pelo vice-rei espanhol de Nápoles para a Espanha, encontrando-se atualmente no Museu Nacional do Prado, em Madri. São conhecidos dois desenhos prévios da obra, disponíveis atualmente em Florença na Itália e em Edimburgh, na Escócia.
(Esboço da obra - giz vermelho sobre papel branco - Florença / Itália)
terça-feira, 8 de fevereiro de 2022
08 DE FEVEREIRO - SANTA JOSEFINA BAKHITA
A primeira santa africana nasceu numa aldeia próxima a Dardur, no Sudão, por volta de 1869 – ela mesma não sabia a data precisa. Raptada por traficantes de escravos aos nove anos de idade, foi trancada inicialmente em um quarto escuro e miserável, depois espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, padecendo todo tipo de humilhação e selvageria nas mãos dos seus senhores. Este martírio atroz desde tenra idade roubou-lhe o próprio nome; o nome Bakhita - 'afortunada' em árabe - foi-lhe dado pelos próprios traficantes.
Mas o pior dos tormentos ainda estava por vir. Comprada por um general turco, foi submetida a sofrimentos inimagináveis a serviço da mãe e da esposa deste homem, que incluíram dezenas de tatuagens no seu corpo abertas por navalha e que lhe legaram 144 cicatrizes e um leve defeito ao caminhar. A descrição destes tormentos foi assim exposta nas palavras da santa:
'Uma mulher habilidosa nesta arte cruel [tatuagem] veio à casa principal... nossa patroa colocou-se atrás de nós, com o chicote nas mãos. A mulher trazia uma vasilha com farinha branca, uma vasilha com sal e uma navalha. Quando terminou de desenhar com a farinha, a mulher pegou da navalha e começou a fazer cortes seguindo o padrão desenhado. O sal foi aplicado em cada ferida... Meu rosto foi poupado, mas 6 desenhos foram feitos em meus seios, e mais 60 em minha barriga e braços. Pensei que fosse morrer, principalmente quando o sal era aplicado nas feridas... foi por milagre de Deus que não morri. Ele havia me destinado para coisas melhores'.
Em 1882, com o retorno do general à Turquia, Bakhita foi comprada pelo cônsul italiano Calixto Legnani que a tratou como serviçal e não como escrava, sem humilhações e castigos. Diante de uma revolução nacionalista no Sudão, o cônsul retornou à itália levando Bakhita consigo, que foi cedida então a amigos do cônsul, o casal Michieli, em cuja casa começou a morar na região do Veneto, tendo por encargo especial os cuidados da filha do casal, a pequena Mimina. Foi nesta família católica que Bakhita conheceu a revelação de Jesus Cristo, sua flagelação e sua morte de cruz. O caminho de Bakhita estava traçado: da conversão à santidade pela via da caridade e do perdão.
Em 9 de janeiro de 1890, foi batizada e crismada com o nome de Josefina e recebeu a Sagrada Comunhão das mãos do Patriarca de Veneza. Pouco depois, solicitou seu ingresso no Instituto das Filhas da Caridade, fundado por Santa Madalena de Canossa. Em 8 de dezembro de 1896, em Verona, pronunciou os votos finais de religiosa da congregação. A partir de então, por mais de 50 anos, sua vida foi um ato constante de amor a Deus e à caridade para com todos. Além de operosa nos serviços simples como na sacristia e na portaria do convento, realizou várias viagens através da Itália para difundir a sua missão: a libertação dada a ela pelo encontro com Cristo deveria ser compartilhada com o maior número possível de pessoas; a redenção que experimentara não podia ser guardada como posse, mas levada como sinal de esperança para todos.
Em 8 de fevereiro de 1947, após muito sofrimento de doenças como bronquites e pneumonias, a Irmã Josefina faleceu no convento canossiano de Schio, com a idade de 78 anos. Na hora da sua morte, seu semblante pareceu iluminar-se e exclamou com alegria suas últimas palavras 'Como estou contente! Nossa Senhora, Nossa Senhora!' A Irmã Moretta - a Irmã Morena - como era carinhosamente conhecida entregava serenamente a sua alma ao Senhor, rodeada pela comunidade em pranto e em oração. Seu corpo foi enterrado originalmente na capela de uma família de Schio, para um sepultamento definitivo posterior no Templo da Sagrada Família. Quando isso foi finalmente preparado, verificou-se que o corpo de Bakhita estava incorrupto, sendo o mesmo sepultado então sob o altar da igreja do mesmo convento. Em 17 de maio de 1992 foi beatificada e, em 1º de outubro de 2000, foi elevada à honra dos altares e declarada santa pelo Papa João Paulo II.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022
TESOURO DE EXEMPLOS (128/130)
128. OLHAI PARA O ALTO
Santo Afonso, um dos homens mais santos e sábios, gostava de recordar o seguinte fato. Caminhavam por montes e vales uns homens ricos e amigos dos prazeres. Eram caçadores? Não sabemos; o certo é que se internaram pela floresta adentro e, no meio dela, entre as árvores frondosas, encontraram uma choupana. Aproximaram-se e dentro dela viram um anacoreta, cujo rosto era o retrato de uma alma que gozava de paz.
➖ Irmão - perguntaram aqueles senhores - o que fazes aqui?
➖ Irmãos - respondeu o ermitão - vim procurar a felicidade.
➖ A felicidade? Nós gozamos da abundância das riquezas; corremos de diversão em diversão e, contudo, não pudemos achar a felicidade; e tu a procuraste aqui?
➖ Aqui a procurei e aqui a encontrei.
➖ Encontraste mesmo a felicidade?
➖ Sim; olhai por esta janelinha da minha choupana. Por aí se vê a minha felicidade.
Os caçadores precipitaram-se para a janelinha e olharam ansiosos. Em seguida, mal-humorados, disseram:
➖ Irmão, enganaste-nos como um velhaco.
➖ Nunca, nunca - replicou o santo solitário; é porque não olhastes bem; tornai a olhar. Garanto que por aí se vê a minha felicidade.
Pela segunda vez chegaram-se os homens à janelinha, olharam por todos os lados e, agastados, disseram:
➖ Irmão, pela segunda vez nos enganaste. És um impostor.
E o solitário, com aquele ar de paz que nunca o abandonava, responde:
➖ Irmãos, não olhais bem. Asseguro-vos que não vos engano: olhai melhor, pois garanto que daí se vê a minha felicidade.
Os homens, desejosos de descobrir a felicidade, olharam, tornaram a olhar para baixo, para cima, para os lados e, por fim, disseram:
➖ Irmão, não nos enganes mais. Por aqui não se vê nada; apenas um pedacinho do céu...
➖ Isso, isso - exclamou radiante da alegria o ermitão - isso, isso. Aí está a minha felicidade. Quando tenho algum sofrimento, quando a dor me atormenta, contemplo esse pedacinho de céu e digo a mim mesmo: tudo passa; dentro em pouco estarei no céu e a alegria enche a minha alma.
Esse solitário era Santo Antão. Havia ido para o deserto em busca da felicidade. Passou os longos anos de sua vida em orações e penitências. Olhava para o alto e via um pedacinho do céu! Teve lutas terríveis com o espírito do mal; não via o fim daquela guerra; mas olhava para o alto, e via um pedacinho do céu!
Sofreu fome, calor, sede; a carne pedia comodidade, o cilício atormentava-o, molestava-o a pobreza do hábito. Olhava para o alto e via um pedacinho do céu! Passaram-se os dias e passaram-se os anos. Olhava sempre para o alto, e o pedacinho do céu parecia-lhe cada vez mais próximo, cada vez maior. Afinal, um dia não viu mais a terra, não viu mais o deserto. Ante seus olhos surgia uma cidade fantástica. Aquilo era a terra da promissão, era a pátria de Deus, era o que tantas vezes vira de longe: o céu! o céu! E a alma de Santo Antão, que vivera para Deus, para a oração, para a penitência, para a santidade, para o céu, entrava gloriosa no paraíso...
129. A MENINA QUE REZAVA PELOS AVIADORES
Do alto do púlpito, um dos mais famosos oradores contemporâneos da Espanha dirigia a sua palavra eloquente a um seleto auditório. Era na festa de Nossa Senhora de Loreto e ele falava aos aviadores que a haviam escolhido por padroeira. Falou-lhes assim:
'Aviadores de minha pátria, ainda vos lembrais? Era nos primeiros dias do nosso movimento contra o comunismo. Vós, todas as manhãs, em vossos aviões de bombardeio, em formação impecável, voáveis sobre as terras de Castela e, ousados e destemidos, internando-vos nas zonas montanhosas de Biscaia, íeis romper com vossas bombas o cinturão de ferro de Bilbao.
O que, porém, não sabeis é que ali, nas margens do Ebro, todos os dias, guardando o seu rebanho, estava uma menina que não passaria dos onze anos. Ao ver-vos ficava emocionada: ajoelhava-se, e com as mãos postas, rezava a Nossa Senhora por vós para que triunfásseis sobre os inimigos de Deus e da Espanha, e para que não sofrêsseis nenhuma desgraça. E quando em vossos aviões desaparecíeis ao longe, a menina, sempre de joelhos, levava os dedos da mão direita à boca, imprimia neles um beijo e o mandava a vós, heróis da pátria e soldados da fé.
Os aviões tinham já desaparecido e a menina continuava ainda de joelhos rezando por vós. Graças a Deus estais com vida. Não deveis - quem sabe? - a vossa vida às orações daquele anjo de onze anos que guardava seu rebanho de ovelhas em terras de Castela?'
E aqueles frios aviadores, acostumados a desafiar a morte e a permanecer tranquilos e calmos no meio dos tremendos perigos dos ares, choravam como crianças.
130. CALVÁRIO DE UMA MÃE
Quereis um exemplo de paciência e resignação de uma mãe sublime e heroica? Foi sempre boa aquela senhora. Nascera na pobreza e, nos trabalhos dos campos, passara os anos da juventude. Quando estava para completar vinte e cinco anos, casou-se com um moço bom como ela, e, como ela, lavrador de pobres campos, que eram toda a sua fazenda.
Tiveram cinco filhos: três meninos e duas meninas. Estavam todos ainda na infância, quando lhes morreu o pai. A pobre viúva pôs a sua confiança naquele Senhor que nos livros sagrados se chama a si mesmo 'consolo e amparo das viúvas'. E não esperou em vão. Trabalhou muito a pobre mãe; mas afinal teve a consolação de ver que seus filhos cresciam fortes e bons. Naquela casa não faltava o pão ganho com o trabalho honesto e comido em paz e na graça de Deus.
O mais velho dos filhos disse um dia à mãe: 'Mãe, vou a N. para ver se ganho algum dinheiro para nós'. Foi a N. e, poucos dias depois de lá chegar, morreu. Disse o segundo filho: 'Mãe eu não vou a N.; vou à capital à procura de uma colocação para que não tenhas de trabalhar tanto'. E foi à capital; mas apenas lá chegou, pereceu num incêndio.
O terceiro filho disse um dia à mãe: 'Mãe, eu não vou nem a N. e nem à capital; ficarei em casa cultivando nossos pobres campos. Deus jamais nos negará um pedaço de pão'. E um dia subiu a um morro em companhia de um amigo; e este, ao experimentar uma arma, sem querer desfechou-lhe um tiro e o matou; e o pobre ali ficou no meio do caminho estendido e banhado no próprio sangue.
A filha mais velha, derramando lágrimas sobre os finados irmãos, disse à mãe: 'Mãe, que pecado teremos cometido para que Deus nos prove tanto? Vou para o convento'. E para o convento foi e, oito dias, depois a levavam ao cemitério.
Por fim, a última filha, que contaria uns dezesseis anos, disse à mãe: 'Mãe, não chores; enquanto eu viver, não te faltará um pedaço de pão. Vou para a cidade aprender costura e corte'. E foi para a cidade; mas, no primeiro motim comunista, uma bala perdida atingiu a sua cabeça e ela caiu morta.
A mãe não tinha mais lágrimas nos olhos. Inclinava a cabeça, chorava e rezava. Por fim, ficou doente, teve de meter-se na cama, onde, durante anos, dores horríveis não lhe deram descanso. Contudo, a Providência divina não a desamparou: nunca faltaram almas boas que cuidassem dela. Um missionário, que por ali pregava, foi um dia visitá-la. Sentou-se à cabeceira do carte e ela contou-lhe a sua trágica história. Quando terminou, chorava e soluçava.
➖ Filha - disse-lhe o Padre Missionário - estás agora conformada com a vontade de Deus?
➖ Padre - respondeu - já sou velha; já completei oitenta e quatro anos. Oitenta e quatro anos, Padre, dizendo muitas vezes ao dia: 'Faça-se a vossa vontade, assim na terra como no céu'. Virou a cabeça e fixou o crucifixo pendurado à parede. Era Ele a sua única esperança.
Aí tendes uma mulher simples, uma mulher camponesa, que aprendeu, na sua fé e no seu amor a Deus, a lição dificílima da paciência e da conformidade com as penas e as dores desta vida.
(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)
domingo, 6 de fevereiro de 2022
EVANGELHO DO DOMINGO
'Vou cantar-Vos ante os anjos, ó Senhor, e ante Vosso templo vou prostrar-me' (Sl 137)
06/02/2022 - Quinto Domingo do Tempo Comum
11. 'AVANÇA PARA ÁGUAS MAIS PROFUNDAS!'
'Avança para águas mais profundas' (Lc 5,4). A orientação imperativa de Jesus aos pescadores, às margens do Lago de Genesaré, é um clamor que reverbera a todos os homens de todos os tempos. Que os filhos de Deus manifestem, além dos horizontes estreitos de sua religiosidade comum, a vocação de autênticos apóstolos, movidos na plenitude do amor e da generosidade de corações verdadeiramente cristãos. Não nos basta sermos artífices da graça de Deus em nós; neste quinto domingo do Tempo Comum, Jesus nos convoca a sermos missionários das graças de Deus para a salvação de muitos.
Após uma noite de duro trabalho totalmente infrutífero, os pescadores exaustos sabiam e tinham razões mais do que suficientes para julgar que o pedido de Jesus seria inútil. Com toda a experiência acumulada de anos de pesca naquelas águas, da pescaria mais adequada sob a luz noturna, voltar às águas à luz da manhã parecia um despropósito completo. Pedro, no entanto, abre mão do seu conhecimento especializado e do seu juízo dos fatos, em obediência e em generosa confiança às palavras do Mestre: 'Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes' (Lc 5, 5). Naquele pescador de lida bruta, Jesus divisou a alma do verdadeiro apóstolo! E o milagre dos peixes antecipou o milagre da salvação dos homens.
Quanto trabalho e esforço em vão dispensaram tantos pescadores naquela noite sem resultados... E, certamente, eles eram os mais preparados e os mais qualificados para a tarefa. Não são assim as práticas daqueles que se vêem em suas obras? Que partilham com os outros sua diligência e disponibilidade como senhores dos seus dons? E, por mais que julguemos tais obras meritórias do ponto de vista das concepções humanas, são apenas trabalho e esforço vão de pescadores qualificados e disponíveis. Porque foi o próprio Cristo quem nos alertou: 'Sem mim, nada podeis fazer' (Jo, 15,5). E nada é nada mesmo. Sem a reparação infinita por Jesus Cristo, qualquer atitude nossa, por maior que seja sua relevância e excepcionalidade, torna-se meramente figurativa e essencialmente insignificante, porque moldada na superficialidade dos valores humanos.
Eis porque se impõe o avanço confiante às águas mais profundas, para ir ao encontro de tantos que estão perdidos no submundo das drogas, do aborto e do hedonismo, nas trevas do pecado, submersos no emaranhado de tantas consciências afastadas de Deus, na miséria do ateísmo e da indiferença religiosa. Em águas profundas, com Cristo, por Cristo e em Cristo, um nosso ato de generosidade confiante é capaz de produzir prodígios, um nosso ato de amor tem o poder de operar milagres! E, feitos apóstolos dos nossos dias, como Pedro e os homens à beira do Lago de Genesaré, poderemos ser também pescadores de homens! E, como eles, seremos aqueles outros que 'levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus' (Lc 5,11).
sábado, 5 de fevereiro de 2022
COMO A IGREJA CANONIZA OS SANTOS
Ninguém, por santo que seja, mesmo fazendo milagres, pode ser canonizado durante a vida, porque, sujeitos às fraquezas humanas, aqueles que hoje estão de pé, podem cair amanhã. São Paulo avisa-nos com muita razão que aquele que julgar estar de pé, tome cuidado para não cair (I Cor 10, 12).
É preciso, pois, morrer antes... porém, não é a morte que traz a santidade, mas sim a vida que deve dá-la. É durante a vida que o homem deve praticar as virtudes que fazem os santos. Morrendo uma pessoa, com reputação de virtude extraordinária, a Igreja, com uma prudência consumada, não permite que seja logo considerada, nem invocada como santa.
Ela exige que o santo demonstre, ele mesmo, do alto do Céu, a virtude da sua vida, fazendo milagres ou melhor, a Igreja espera que Deus manifeste a santidade de uma pessoa, comunicando-lhe o dom de milagres.
E fazendo milagres, uma pessoa é canonizada, santa? Nada! É apenas a entrada, é o primeiro passo. Fora os casos excepcionais, nenhum santo é canonizado antes de 50 anos depois de morto; a Igreja quer provas, provas palpáveis e irrefutáveis.
E aqui começa o processo de canonização, processo longo, minucioso, rigoroso. Primeiro, a Igreja ordena ao bispo do lugar que organize um Tribunal Diocesano. Este tribunal recolhe todos os documentos deixados pelo finado, interroga os sobreviventes, examina os escritos, verifica os fatos e os milagres, examina a heroicidade das virtudes praticadas, e, após anos de indagações e de investigações, recolhe todos os documentos pró e contra, e remete-os a Roma.
Uma comissão de cardeais e teólogos é nomeada pelo Soberano Pontífice para examinar os escritos, as virtudes e os milagres do servo de Deus. Passam-se meses e anos. Tudo é examinado e discutido. Havendo fatos sólidos e virtudes extraordinárias, a comissão nomeia o advogado ou defensor da causa e o seu contraditor.
Ambos fazem um estudo sobre os três pontos em questão: Doutrina, Virtudes e Milagres; porém, fazem-no num sentido oposto. O Defensor procura provar a ortodoxia da doutrina do servo de Deus, as suas virtudes e o valor dos milagres feitos por ele, depois da morte. O Contraditor, sempre apoiado sobre os documentos, procura rebater as asserções do primeiro e mostrar o lado fraco da doutrina, das virtudes e dos milagres aduzidos.
Após várias reuniões, em presença de teólogos e outros sábios, a questão é resolvida favorável ou desfavoravelmente. Averiguando-se a absoluta ortodoxia da doutrina, a heroicidade das virtudes praticadas, o servo de Deus sai vencedor no primeiro exame.
Averiguando-se a certeza absoluta de um milagre, provado, autêntico, a Igreja proclama o servo de Deus como Venerável. Depois disso, espera-se mais uns anos. Havendo outros milagres, ficam submetidos ao exame e às discussões da comissão, e averiguado mais outro milagre, provado, autêntico, o venerável recebe o título de Bem Aventurado ou Beato.
Novamente demora-se alguns anos. Se o bem aventurado continuar a fazer milagres, a comissão examina-os de novo, com o mais extremo rigor, e sendo o terceiro milagre provado autenticamente, o Soberano Pontífice lavra o decreto definitivo de canonização.
Usando de seu privilégio de infalibilidade, pela assistência do Espírito Santo, ele proclama a absoluta retidão de doutrina, a heroicidade das virtudes e a autenticidade pelo menos de três milagres, dando ao bem aventurado o título glorioso de SANTO. Eis como a Igreja canoniza os santos*.
* não tem seguido esse rito rigoroso alguns processos de canonização feitos pela Igreja em períodos mais recentes.
(Pe. Júlio Maria de Lombaerde na obra 'O Cristo, o Papa e a Igreja', de 1940)
Assinar:
Postagens (Atom)