domingo, 24 de junho de 2018

O NASCIMENTO DE SÃO JOÃO BATISTA

Páginas do Evangelho - Solenidade da Natividade de João Batista


No Evangelho deste domingo, nos defrontamos, mais uma vez, com os mistérios da graça: o nascimento de São João Batista, aclamado pelo próprio Cristo como 'o maior dentre os nascidos de mulher' (Mt 11,11), precursor do Salvador do mundo. E, como precursor do Messias, João se autoproclamou 'a voz que clamava no deserto', símbolo dos terrenos estéreis e calcinados das almas tíbias e vazias dos homens daquele tempo. Era preciso gerar vida, frutos e abundância de graças nos corações dos homens duros e insensatos para receber o Cristo da Redenção, prestes a chegar.

O Evangelista São Lucas nos conta que João Batista nasceu numa cidade do reino de Judá, perto de Hebron, ao sul de Jerusalém. Seu pai foi o sacerdote São Zacarias (da geração de Aarão) e sua Mãe foi Santa Isabel (da geração de Davi), prima da Virgem Maria, mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. São Lucas descreve com singular discrição as circunstâncias sobrenaturais que precederam o nascimento do maior dos profetas: Isabel, estéril e já idosa, viu tornar-se realidade a promessa que o arcanjo São Gabriel havia anunciado a Zacarias, seu esposo, que ela daria a luz a um filho. O menino deveria chamar-se João e seria o precursor do Salvador. O menino, pela graça de Deus, haveria de escapar do massacre das crianças inocentes como ordenado por Herodes.

Os mistérios da graça se impuseram até mesmo na escolha do nome do Precursor: 'Ele vai chamar-se João' (Lc 1, 60). A escolha do nome entre os judeus era um ato que ocorria imediatamente após as orações rituais da cerimônia de circuncisão, em presença de várias testemunhas e era comumente associado a algum parente ou algum fato relacionado à família. Não foi esse o caso, daí o certo ar de espanto das testemunhas: 'Não existe nenhum parente teu com esse nome!' (Lc 1, 61). E Zacarias vai confirmar a escolha por escrito: 'João é o seu nome' (Lc 1, 63). E João haveria de ser João Batista, o João que batizava.

Das circunstâncias humanas singulares do nascimento de João Batista, manifestaram ainda maiores as sobrenaturais e, por esta razão, um temor sagrado preencheu o coração de todos os que foram as testemunhas do fato: 'O que virá a ser este menino?' (Lc 1,66). João Batista será o Precursor por excelência de Jesus Cristo, a voz que clama no deserto para tornar receptiva a Palavra Viva a ser semeada em terra fértil. No deserto ou na prisão, o primado de João será o da plenitude inabalável da fé cristã; nele tem fim a sucessão dos profetas, nele se faz definitivamente nova a missão dos homens como apóstolos.

RUMO À SANTIDADE (III)


Havíamos começado com orações vocais, simples, encantadoras, que aprendemos na infância e que não gostaríamos de abandonar nunca. A oração, iniciada com esta ingenuidade pueril, desenvolve-se agora em caudal largo, manso e seguro, porque vai ao passo da amizade por Aquele que afirmou: 'Eu sou o Caminho' (Jo 14, 6). Se amamos Cristo assim, se com divino atrevimento nos refugiamos na abertura que a lança lhe deixou no lado, cumpre-se a promessa do Mestre: 'Se alguém me ama, guardará a minha doutrina, e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos morada' (Jo 14, 23). 

O coração necessita então de distinguir e adorar cada uma das Pessoas Divinas. De certa maneira, o que a alma realiza na vida sobrenatural é uma descoberta semelhante às de uma criaturinha que vai abrindo os olhos à existência. E entretém-se amorosamente com o pai e com o Filho e com o Espírito Santo; e submete-se facilmente à atividade do Paráclito vivificador, que se nos entrega, sem o merecermos, os dons e as virtudes sobrenaturais! 

Corremos como o cervo, que anseia pelas fontes das águas: com sede, gretada a boca, ressequida. Queremos beber nesse manancial de água viva. Mergulhamos ao longo do dia nesse veio abundante e cristalino de frescas linfas que saltam até a vida eterna. Sobram as palavras, porque a língua não consegue expressar-se. Deus, quando acudimos a Ele com arrependimento, da nossa miséria tira riqueza; da nossa debilidade, fortaleza. O que não nos há de preparar então, se não o abandonamos, se frequentamos a sua companhia todos os dias, se lhe dirigimos palavras de carinho confirmadas com nossas ações, se lhe pedimos tudo, confiados na sua onipotência e na sua misericórdia? Se prepara uma festa para o filho que o traiu, só por tê-lo recuperado, o que não nos outorgará a nós, se sempre procuramos ficar ao seu lado? 

Longe da nossa conduta, portanto, a lembrança das ofensas que nos tenham feito, das humilhações que tenhamos padecido - por muito injustas, descorteses e rudes que tenham sido - porque é impróprio de um filho de Deus ter preparado um registro para apresentar uma lista de agravos. Não podemos esquecer o exemplo de Cristo, e a nossa fé cristã não se troca como quem troca de roupa; pode debilitar-se, robustecer-se ou perder-se. Esta vida sobrenatural dá vigor à fé, e a alma se apavora ao considerar a miserável nudez humana sem o divino. E perdoa e agradece: 'Meu Deus, se contemplo a minha pobre vida, não encontro nenhum motivo de vaidade e, menos ainda, de soberba; só encontro abundantes razões para viver sempre humilde e compungido. Bem sei que não há nada tão senhoril como servir'. 

Levantar-me-ei e rodearei a cidade; pelas ruas e praças buscarei aquele a quem amo... (Ct 3,2). E não é só a cidade; correrei todo o mundo de trás para a frente - por todas as nações, por todos os povos, por picadas e atalhos - para alcançar a paz de minha alma. E a descubro nas ocupações diárias, que para mim não são estorvo; que são - pelo contrário - vereda e motivo para amar mas e mais, e mais e mais me unir a Deus. 

E quando nos espreita - violenta - a tentação do desânimo, dos contrastes, da luta, da tribulação, de uma nova noite na alma, o salmista nos põe nos lábios e na inteligência estas palavras: 'Com Ele estou no tempo da adversidade' (Sl 90, 15). O que vale, Jesus, diante da tua cruz, a minha?; diante das tuas feridas, os meus arranhões? o que vale, diante do teu Amor imenso, puro e infinito, este fardo de nada que me puseste às costas? E os vossos corações - como o meu - se enchem de uma santa avidez, confessando-lhe - com obras - que morremos de amor. 

Nasce uma sede de Deus, uma ânsia de compreender as suas lágrimas; de ver seu sorriso, seu rosto. Julgo que o melhor modo de exprimi-lo é voltar a repetir com a Escritura: 'Como o servo que anseia pelas fontes das águas, assim por Vós anela minha alma, ó meu Deus!' (Sl 41,2). E a alma avança comprometida em Deus, endeusada: fez-se o cristão viajante sequioso, que abre a boca às águas da fonte. Com essa entrega, o zelo apostólico se inflama, aumenta de dia para dia e pega esta ânsia aos outros, porque o bem é difusivo. Não é possível que a nossa pobre natureza , tão perto de Deus, não arda em fomes de semear pelo mundo inteiro a alegria e a paz, de regar tudo com as águas redentoras que brotam do lado aberto de Cristo, de começar e acabar  todas as tarefas por amor. 

Falava há pouco de dores, de sofrimento, de lágrimas. E não me contradigo se afirmo agora que, para um discípulo que procura amorosamente o Mestre, é muito diferente o sabor das tristezas, das penas, das aflições: desaparecem, mal se aceita deveras a Vontade de Deus, logo que cumprimos com gosto os seus desígnios, como filhos fiéis, ainda que os nervos pareçam desfazer-se e o suplício se nos afigure insuportável. 

Interessa-me confirmar de novo que não me refiro a uma forma extraordinária de viver cristãmente. Medite cada um no que Deus fez por si e no modo como correspondeu. Se formos valentes nesse exame pessoal, perceberemos o que nos falta. Ontem me comovia ao ouvir falar de um catecúmeno japonês que ensinava catecismo a outros que ainda não conheciam Cristo. E envergonhava-me... Necessitamos de mais fé , mais fé! E, com a fé, a contemplação. 

Recordemos com fé aquela divina advertência que enche a alma de inquietação e, ao mesmo tempo, lhe sabe a favo de mel: Redemi te, et vocavi te nomine tuo: meus es tu (Is 43,1) - 'Eu te redimi e te chamei pelo teu nome: tu és meu!' Não roubemos a Deus o que é seu. Um Deus que nos amou a ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a eternidade, antes da criação do mundo, para sermos santos na sua presença e que continuamente nos oferece ocasiões de purificação e de entrega. Caso ainda tenhamos alguma dúvida, há outra prova que recebemos de seus lábios: Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi para irdes e dardes fruto; e para que permaneça abundante esse fruto do vosso trabalho de almas contemplativas (cf Jo 15, 16). Portanto, fé, fé sobrenatural. 

(Parte III da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)

sábado, 23 de junho de 2018

NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA


Além de Jesus e de Maria, apenas o nascimento de João Batista (24 de junho) é comemorado pela Santa Igreja Católica, glória ímpar para aquele que foi aclamado, pelo próprio Cristo, como 'o maior dentre os nascidos de mulher' (Mt 11,11).

'Houve um homem mandado por Deus. Seu nome era João… Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz' (Jo 1,6-8)

'Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente. Ele preparará o teu caminho diante de ti' (Mt 11,7).

'Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo' (Lc 1,41)

'Eu sou a voz que clama no deserto: aplainai o caminho do Senhor' (Is 40,3)


'Eu vos batizo com água, mas vem Aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das sandálias; Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo' (Lc 3, 16). 


RUMO À SANTIDADE (II)

Para nos aproximarmos de Deus, temos que enveredar pelo caminho certo, que é a Humanidade Santíssima de Cristo. Por isso aconselho sempre a leitura de livros que narrem a Paixão do Senhor; são escritos cheios de sincera piedade, que nos trazem à mente o Filho de Deus, homem como nós e Deus verdadeiro, que ama e que sofre na sua carne pela redenção do mundo. 

Consideremos a recitação do Santo Rosário, uma das devoções mais arraigadas entre os cristãos. A Igreja nos anima a contemplar os mistérios: para que se grave na nossa cabeça e na nossa imaginação - com o gozo, a dor e a glória de Santa Maria - o exemplo assombroso do Senhor nos seus trinta anos de obscuridade, nos seus três anos de pregação, na sua paixão ignominiosa e na sua gloriosa ressurreição. 

Seguir Cristo: este é o segredo. Acompanhá-lo tão de perto, que vivamos com Ele, como aqueles primeiros doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos. Não demoraremos a afirmar, desde que não tenhamos levantado obstáculos à graça, que nos revestimos de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 13, 14). O Senhor reflete-se na nossa conduta como num espelho. Se o espelho for como deve ser, reproduzirá o semblante amabilíssimo do nosso Salvador sem o desfigurar, sem caricaturas: e os outros terão a possibilidade de admirá-lo, de segui-lo. 

Neste esforço de identificação com Cristo, costumo distinguir como que quatro degraus: procurá-lo , encontrá-lo, tratá-lo, amá-lo. Talvez vos sintais como que na primeira etapa. Procurai o Senhor com fome, procurai-o em vós mesmos com todas as forças. Atuando com esse empenho, atrevo-me a garantir que já o tereis encontrado, e que tereis começado a tratá-lo e amá-lo, e a ter a vossa conversação nos céus.

Rogo ao Senhor que nos decidamos a alimentar na alma a única ambição nobre, a única que vale a pena: caminhar ao lado de Jesus Cristo, como fizeram Sua Mãe bendita e o santo Patriarca, com ânsia, com abnegação, sem descuidar nada. Participaremos na ventura de divina amizade - num recolhimento interior, compatível com os nossos deveres profissionais e com os de cidadãos - e lhe agradeceremos a delicadeza e a clareza com que nos ensina a cumprir a Vontade do nosso Pai que habita nos céus. 

Mas não esqueçamos que estar com Jesus é, certamente, topar com a sua Cruz. Quando nos abandonamos nas mãos de Deus, é frequente que Ele nos permita saborear a dor, a solidão, as contradições, as calúnias, as difamações, os escárnios, por dentro e por fora: porque quer moldar-nos à sua imagem e semelhança, e tolera também que nos chamem loucos e que nos tomem por néscios. É a altura de amar a mortificação passiva, que vem - oculta ou descarada e insolente - quando não a esperamos. Chegam a ferir as ovelhas com as pedras que se deveriam atirar aos lobos: o seguidor de Cristo experimenta na sua própria carne que aqueles que deveriam amá-lo o tratam de uma maneira que vai da desconfiança à hostilidade, da suspeita ao ódio. Olham-no com receio, como a um mentiroso, por não acreditarem que possa haver relação pessoal com Deus, vida interior; em contrapartida, com o ateu e com o indiferente, ordinariamente rebeldes e desavergonhados, desfazem-se em amabilidades e compreensão. 

E talvez o Senhor permita que o seu discípulo se veja atacado com a arma - nunca honrosa para quem a empunha - das injúrias pessoais com o uso de lugares comuns, fruto tendencioso e delituoso de uma propaganda massiva e mentirosa: porque o dom do bom gosto e do comedimento não é coisa de todos. Os que sustentam uma teologia incerta e uma moral relaxada, sem freios; os que praticam a seu talante uma liturgia duvidosa, com uma disciplina de hippies e um governo irresponsável, não é de estranhar que propaguem, contra os que só falam de Jesus Cristo, ciumeiras, suspeitas, falsas denúncias, ofensas, maus tratos, humilhações, falatórios e vexames de toda espécie. 

Assim esculpe Jesus a alma dos seus, sem deixar de lhes dar interiormente serenidade e alegria, porque entendem muito bem que - com cem mentiras juntas - os demônios não são capazes de fazer uma verdade. E grava em suas vidas a convicção de que só se sentirão comodamente quando se decidirem a não ser comodistas. Ao admirar e amar deveras a humanidade santíssima de Jesus, descobriremos uma a uma as suas chagas. E nesses tempos de purificação passiva, penosos, fortes, de lágrimas doces e amargas que procuramos esconder, precisaremos meter-nos dentro de cada uma das feridas santíssimas: para nos purificarmos, para nos deliciarmos com o sangue redentor, para nos fortalecermos. Faremos como as pombas que, no dizer da Escritura, se abrigam nas fendas das rochas durante a tempestade. Ocultamo-nos nesse refúgio para achar a intimidade de Cristo: e vemos que seu modo de conversar é afável e seu rosto formoso, porque só sabem que sua voz é suave e grata aqueles que receberam a graça do Evangelho, que os faz dizer: 'Tu tens palavras de vida eterna'.

Não pensemos que, nesta senda de contemplação, as paixões ficam definitivamente aplacadas. Seria uma ilusão supor que a ânsia de procurar Cristo, a realidade do seu encontro e do seu convívio, bem como a doçura do seu amor, nos transformam em pessoas impecáveis. Embora todos saibam por experiência, deixa-me que vo-lo recorde: o inimigo de Deus e do homem, satanás, não se dá por vencido, não descansa. Assedia-nos, mesmo quando a alma está inflamada no amor a Deus. Sabe que então a queda é mais difícil, mas que - se consegue que a criatura ofenda o seu Senhor, embora em pouco - poderá lançar-lhe sobre a consciência a grave tentação do desespero. 

Se puder servir-vos de aprendizado a experiência de um pobre sacerdote que não pretende falar senão de Deus, dar-vos-ei um conselho: quando a carne tentar recuperar seus foros perdidos, ou a soberba - que é pior - se rebelar e se eriçar, corramos a abrigar-nos nessas fendas divinas, abertas no Corpo de Cristo pelos cravos que o pregaram à cruz e pela lança que lhe atravessou o peito. Façamo-lo do modo que mais nos comova: derramemos nas chagas do Senhor todo esse amor humano e esse amor divino. Que isto é apetecer a união, sentir-nos irmãos de Cristo, seus consanguíneos, filhos da mesma Mãe, pois foi Ela que nos levou até Jesus. 

Ânsias de adoração, de desagravo, com sossegada suavidade e com sofrimento. Assim s tornará vida na nossa vida a afirmação de Jesus: 'Aquele que não toma a sua cruz e me segue, não é digno de Mim' (Mt 10, 38). E o Senhor se nos mostra cada vez mais exigente, pede-nos reparação e penitência, até impelir-nos a experimentar o fervente anelo de querermos viver para Deus, cravados com Cristo na cruz. Este tesouro, porém, nós o guardamos em vasos de barro frágil e quebradiço, para sabermos reconhecer que a grandeza do poder que se nota em nós é de Deus e não nossa. 

Vemo-nos acossados por toda espécie de tribulações, mas não perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apertos, mas não desesperados e sem meios; somos perseguidos, não desamparados; abatidos, mas não inteiramente perdidos; trazemos sempre no nosso corpo, por toda a parte, a mortificação de Jesus. Imaginamos, além disso, que o Senhor não nos escuta, que estamos enganados, que só se ouve o monólogo da nossa voz. Sentimo-nos como que sem apoio sobre a terra e abandonados do céu. No entanto, é verdadeiro e prático o nosso horror ao pecado, mesmo venial. Com a teimosia da cananeia, prostramo-nos rendidamente como ela, que o adorou implorando: 'Senhor, ajuda-me' (Mt 15, 25). Desaparecerá a obscuridade, superada pela luz do Amor. 

É o momento de clamar: 'lembra-te das promessas que me fizeste, e me encherei de esperança. Isto é o que me consola no meu nada e enche de fortaleza o meu viver' (Sl 118, 49-50). Nosso Senhor quer que contemos com Ele para tudo: vemos com toda a evidência que sem Ele nada podemos e que, com Ele, podemos tudo. Confirma-se a nossa decisão de andar sempre na sua presença. Com a claridade de Deus na inteligência, que parece inativa, não nos fica a menor dúvida de que, se o Criador cuida de todos - mesmo dos seus inimigos - muito mais cuidará dos seus amigos! 

Convencemo-nos de que não há mal nem contradição que não venham por bem: assim se assentam com mais firmeza no nosso espírito a alegria e a paz, que nenhum motivo humano poderá arrancar-nos, porque estas visitações sempre nos deixam algo de seu, algo divino. Passamos a louvar o Senhor, nosso Deus, que fez em nós obras admiráveis; e compreendemos que fomos criados com capacidade para possuir um tesouro infinito.

(Parte II da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)

sexta-feira, 22 de junho de 2018

RUMO À SANTIDADE (I)

Sentimo-nos atingidos, com um forte estremecimento no coração, ao escutarmos atentamente o grito de São Paulo: 'Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação' (1 Ts 4,3). É o que hoje, uma vez mais, proponho a mim mesmo, recordando-o também a quantos me ouvem e à humanidade inteira: esta é a Vontade de Deus, que sejamos santos. 

Para pacificar as almas com paz autêntica, para transformar a terra, para procurar Deus Nosso Senhor no mundo e através de coisas do mundo, torna-se indispensável a santidade pessoal. Em minhas conversas com pessoas de tantos países e dos mais diversos ambientes sociais, perguntam-me com frequência: E que diz aos casados? E a nós que trabalhamos no campo? E às viúvas? E aos jovens?  

Respondo sistematicamente que tenho uma só panela. E costumo frisar que Jesus Cristo Nosso Senhor pregou a boa nova a todos, sem distinção alguma. Uma só panela e um só alimento; Meu alimento é fazer a vontade dAquele que me enviou e consumar a sua obra. Chama cada um à santidade e a cada um pede amor; a jovens e velhos, a solteiros e casados, a sãos e enfermos, a cultos e ignorantes; trabalhem onde trabalharem, estejam onde estiverem. só há um modo de crescerem na familiaridade e na confiança com Deus: ganhar intimidade com Ele na oração, falar com Ele, manifestar-lhe - de coração a coração - o nosso afeto.

'Invocar-me-eis e Eu vos atenderei' (Jr 29,12). E nós o invocamos conversando com Ele, dirigindo-nos a Ele. Por isso, temos que por em prática a exortação do Apóstolo: Sine intermissione orate -  rezai sempre, aconteça o que acontecer. Não só de coração, mas de todo o coração.

Talvez se pense que a vida nem sempre é fácil de levar, que não faltam dissabores e penas e tristezas. Responderei, também com São Paulo, que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes; nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem o que há de mais alto, nem de mais profundo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos jamais do amor de Deus, que se fundamenta em Jesus Cristo Nosso Senhor (Rm 8, 38-39). Nada nos pode afastar da caridade de Deus, do Amor, da relação constante com o nosso Pai. 

Recomendar esta união contínua com Deus, não será apresentar um ideal tão sublime, que se revele inacessível à maioria dos cristãos? Na verdade, alta é a meta, mas não inacessível. A senda que conduz à santidade é a senda da oração, e a oração deve vingar pouco a pouco na alma, como a pequena semente que se converterá mais tarde em árvore frondosa. 

Começamos com orações vocais, que muitos de nós repetimos quando crianças: são frases ardentes e singelas, dirigidas a Deus e à sua Mãe, que é nossa Mãe. Ainda hoje, de manhã e à tarde, não um dia, mas habitualmente, renovo aquele oferecimento de obras que me ensinaram meus pais: 'O' Senhora minha, ó minha Mãe! Eu me ofereço todo a Vós. E, em prova do meu afeto filial, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração'... Não será isto - de certa maneira - um princípio de contemplação, demonstração evidente de confiado abandono? O que é que dizem um ao outro os que se amam, quando se encontram? Como se comportam?

Sacrificam tudo o que são e tudo o que possuem pela pessoa amada. Primeiro, uma jaculatória, e depois outra, e mais outra até que parece insuficiente esse fervor, porque as palavras se tornam pobres e se dá passagem à intimidade divina, num olhar para Deus sem descanso e sem cansaço. Vivemos então como cativos, como prisioneiros. Enquanto realizamos com a maior perfeição possível, dentro dos nossos erros e limitações, as tarefas próprias da nossa condição e do nosso ofício, a alma anseia escapar-se. Vai-se rumo a Deus, como o ferro atraído pela força do ímã. Começa-se a amar a Jesus de forma mais eficaz, com um doce sobressalto. 

'Eu vos livrarei do cativeiro, estejais onde estiverdes' (Jr 29,14). Livramo-nos da escravidão pela oração: sabemo-nos livres, voando num epitalâmio de alma apaixonada, num cântico de amor, que impele a não desejar afastar-se de Deus. Um novo modo de andar na terra, um modo divino, sobrenatural, maravilhoso. Recordando tantos escritores castelhanos quinhentistas, talvez nos agrade saborear isto por nossa conta: vivo porque não vivo; 'é Cristo que vive em mim!' (Gl 2, 20). 

Aceita-se com gosto a necessidade de trabalhar neste mundo durante muitos anos, porque Jesus tem poucos amigos cá em baixo. Não recusemos a obrigação de viver, de nos gastarmos - bem espremidos - a serviço de Deus e da Igreja. Desta maneira, em liberdade: in libertatem gloriae filiorum Dei (Rm 8, 21), qua libertate Christus nos liberavit (Gl 4, 31) - com a liberdade dos filhos de Deus, que Jesus Cristo nos conquistou morrendo sobre o madeiro da cruz. 

É possível que, já desde o princípio, se levantem grandes nuvens de pó e que, ao mesmo tempo, os inimigos da nossa santificação empreguem um técnica tão veemente e tão bem orquestrada de terrorismo psicológico - de abuso de poder que arrastem em sua absurda direção inclusive aqueles que durante muito tempo mantinham outra conduta mais lógica e reta. E, embora essa voz soe a sino rachado, que não foi fundido com bom metal e é bem diferente dos silvos do pastor, desse modo aviltam a palavra, que é um dos dons mais preciosos que o homem recebeu de Deus, dádiva belíssima para manifestar altos pensamentos de amor e de amizade ao Senhor e às suas criaturas; a tal ponto que se chega a entender por que São Tiago diz da língua que ela é um mundo inteiro de malícia, tantos são os males que pode causar: mentiras, detrações, desonras, embustes, insultos, murmurações tortuosas.

Como poderemos superar esses inconvenientes? Como conseguiremos fortalecer-nos naquela decisão, que começa a parecer-nos muito pesada? Inspirando-nos no modelo que nos mostra a Virgem Santíssima, nossa Mãe; uma rota muito ampla, que necessariamente passa por Jesus.

(Parte I da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)

quinta-feira, 21 de junho de 2018

A FÉ CATÓLICA


Quem quiser salvar-se deve antes de tudo professar a fé católica. Porque aquele que não a professar, integral e inviolavelmente, perecerá sem dúvida por toda a eternidade.

A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade. Tal como é o Pai, tal é o Filho, tal é o Espírito Santo.

O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. E contudo não são três eternos, mas um só eterno. Assim como não são três incriados, nem três imensos, mas um só incriado e um só imenso. Da mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente. E contudo não são três onipotentes, mas um só onipotente.

Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. E contudo não são três deuses, mas um só Deus. Do mesmo modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor. E contudo não são três senhores, mas um só Senhor. Porque, assim como a verdade cristã nos manda confessar que cada uma das Pessoas é Deus e Senhor, do mesmo modo a religião católica nos proíbe dizer que são três deuses ou senhores.

O Pai não foi feito, nem gerado, nem criado por ninguém. O Filho procede do Pai; não foi feito, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procede do Pai e do Filho. Não há, pois, senão um só Pai, e não três Pais; um só Filho, e não três Filhos; um só Espírito Santo, e não três Espíritos Santos. E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas as três Pessoas são coeternas e iguais entre si. Em tudo se deve adorar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade. Quem, pois, quiser salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade. 

Mas, para alcançar a salvação, é necessário ainda crer firmemente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. A pureza da nossa fé consiste, pois, em crer ainda e confessar que Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem.

É Deus, gerado na substância do Pai desde toda a eternidade; é homem porque nasceu, no tempo, da substância da sua Mãe. Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade. E embora seja Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo. É um, não porque a divindade se tenha convertido em humanidade, mas porque Deus assumiu a humanidade. Um, finalmente, não por confusão de substâncias, mas pela unidade da Pessoa.

Porque, assim como a alma racional e o corpo formam um só homem, assim também a divindade e a humanidade formam um só Cristo. Ele sofreu a morte por nossa salvação, desceu aos infernos e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos. Subiu aos Céus e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. E quando vier, todos os homens ressuscitarão com os seus corpos, para prestar conta dos seus atos.

E os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os maus para o fogo eterno. Esta é a fé católica, e quem não a professar fiel e firmemente não se poderá salvar.
(Santo Atanásio de Alexandria)

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Bem-aventurados os pobres em espírito, 
porque deles é o reino dos céus.

          Bem-aventurados os que choram, 
          porque serão consolados.

                     Bem-aventurados os mansos, 
                     porque herdarão a terra.

                                  Bem-aventurados os que                                           têm fome e sede de justiça, 
                                  porque serão saciados.

                Bem-aventurados os misericordiosos, 
                porque alcançarão misericórdia.

                    Bem-aventurados os puros de coração, 
                    porque verão a Deus.

          Bem-aventurados os obreiros da paz, 
          porque serão chamados filhos de Deus.

Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, 
porque deles é o reino dos céus.

Bem-aventurados sereis vós, quando vos insultarem e perseguirem 
e, mentindo, disserem todo gênero de calúnia contra vós por minha causa; 
exultai e alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa no reino dos céus.

(Mt 5, 3-12)