Para nos aproximarmos de Deus, temos que enveredar pelo caminho certo, que é a Humanidade Santíssima de Cristo. Por isso aconselho sempre a leitura de livros que narrem a Paixão do Senhor; são escritos cheios de sincera piedade, que nos trazem à mente o Filho de Deus, homem como nós e Deus verdadeiro, que ama e que sofre na sua carne pela redenção do mundo.
Consideremos a recitação do Santo Rosário, uma das devoções mais arraigadas entre os cristãos. A Igreja nos anima a contemplar os mistérios: para que se grave na nossa cabeça e na nossa imaginação - com o gozo, a dor e a glória de Santa Maria - o exemplo assombroso do Senhor nos seus trinta anos de obscuridade, nos seus três anos de pregação, na sua paixão ignominiosa e na sua gloriosa ressurreição.
Seguir Cristo: este é o segredo. Acompanhá-lo tão de perto, que vivamos com Ele, como aqueles primeiros doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos. Não demoraremos a afirmar, desde que não tenhamos levantado obstáculos à graça, que nos revestimos de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 13, 14). O Senhor reflete-se na nossa conduta como num espelho. Se o espelho for como deve ser, reproduzirá o semblante amabilíssimo do nosso Salvador sem o desfigurar, sem caricaturas: e os outros terão a possibilidade de admirá-lo, de segui-lo.
Neste esforço de identificação com Cristo, costumo distinguir como que quatro degraus: procurá-lo , encontrá-lo, tratá-lo, amá-lo. Talvez vos sintais como que na primeira etapa. Procurai o Senhor com fome, procurai-o em vós mesmos com todas as forças. Atuando com esse empenho, atrevo-me a garantir que já o tereis encontrado, e que tereis começado a tratá-lo e amá-lo, e a ter a vossa conversação nos céus.
Rogo ao Senhor que nos decidamos a alimentar na alma a única ambição nobre, a única que vale a pena: caminhar ao lado de Jesus Cristo, como fizeram Sua Mãe bendita e o santo Patriarca, com ânsia, com abnegação, sem descuidar nada. Participaremos na ventura de divina amizade - num recolhimento interior, compatível com os nossos deveres profissionais e com os de cidadãos - e lhe agradeceremos a delicadeza e a clareza com que nos ensina a cumprir a Vontade do nosso Pai que habita nos céus.
Mas não esqueçamos que estar com Jesus é, certamente, topar com a sua Cruz. Quando nos abandonamos nas mãos de Deus, é frequente que Ele nos permita saborear a dor, a solidão, as contradições, as calúnias, as difamações, os escárnios, por dentro e por fora: porque quer moldar-nos à sua imagem e semelhança, e tolera também que nos chamem loucos e que nos tomem por néscios. É a altura de amar a mortificação passiva, que vem - oculta ou descarada e insolente - quando não a esperamos. Chegam a ferir as ovelhas com as pedras que se deveriam atirar aos lobos: o seguidor de Cristo experimenta na sua própria carne que aqueles que deveriam amá-lo o tratam de uma maneira que vai da desconfiança à hostilidade, da suspeita ao ódio. Olham-no com receio, como a um mentiroso, por não acreditarem que possa haver relação pessoal com Deus, vida interior; em contrapartida, com o ateu e com o indiferente, ordinariamente rebeldes e desavergonhados, desfazem-se em amabilidades e compreensão.
E talvez o Senhor permita que o seu discípulo se veja atacado com a arma - nunca honrosa para quem a empunha - das injúrias pessoais com o uso de lugares comuns, fruto tendencioso e delituoso de uma propaganda massiva e mentirosa: porque o dom do bom gosto e do comedimento não é coisa de todos. Os que sustentam uma teologia incerta e uma moral relaxada, sem freios; os que praticam a seu talante uma liturgia duvidosa, com uma disciplina de hippies e um governo irresponsável, não é de estranhar que propaguem, contra os que só falam de Jesus Cristo, ciumeiras, suspeitas, falsas denúncias, ofensas, maus tratos, humilhações, falatórios e vexames de toda espécie.
Assim esculpe Jesus a alma dos seus, sem deixar de lhes dar interiormente serenidade e alegria, porque entendem muito bem que - com cem mentiras juntas - os demônios não são capazes de fazer uma verdade. E grava em suas vidas a convicção de que só se sentirão comodamente quando se decidirem a não ser comodistas. Ao admirar e amar deveras a humanidade santíssima de Jesus, descobriremos uma a uma as suas chagas. E nesses tempos de purificação passiva, penosos, fortes, de lágrimas doces e amargas que procuramos esconder, precisaremos meter-nos dentro de cada uma das feridas santíssimas: para nos purificarmos, para nos deliciarmos com o sangue redentor, para nos fortalecermos. Faremos como as pombas que, no dizer da Escritura, se abrigam nas fendas das rochas durante a tempestade. Ocultamo-nos nesse refúgio para achar a intimidade de Cristo: e vemos que seu modo de conversar é afável e seu rosto formoso, porque só sabem que sua voz é suave e grata aqueles que receberam a graça do Evangelho, que os faz dizer: 'Tu tens palavras de vida eterna'.
Não pensemos que, nesta senda de contemplação, as paixões ficam definitivamente aplacadas. Seria uma ilusão supor que a ânsia de procurar Cristo, a realidade do seu encontro e do seu convívio, bem como a doçura do seu amor, nos transformam em pessoas impecáveis. Embora todos saibam por experiência, deixa-me que vo-lo recorde: o inimigo de Deus e do homem, satanás, não se dá por vencido, não descansa. Assedia-nos, mesmo quando a alma está inflamada no amor a Deus. Sabe que então a queda é mais difícil, mas que - se consegue que a criatura ofenda o seu Senhor, embora em pouco - poderá lançar-lhe sobre a consciência a grave tentação do desespero.
Se puder servir-vos de aprendizado a experiência de um pobre sacerdote que não pretende falar senão de Deus, dar-vos-ei um conselho: quando a carne tentar recuperar seus foros perdidos, ou a soberba - que é pior - se rebelar e se eriçar, corramos a abrigar-nos nessas fendas divinas, abertas no Corpo de Cristo pelos cravos que o pregaram à cruz e pela lança que lhe atravessou o peito. Façamo-lo do modo que mais nos comova: derramemos nas chagas do Senhor todo esse amor humano e esse amor divino. Que isto é apetecer a união, sentir-nos irmãos de Cristo, seus consanguíneos, filhos da mesma Mãe, pois foi Ela que
nos levou até Jesus.
Ânsias de adoração, de desagravo, com sossegada suavidade e com sofrimento. Assim s tornará vida na nossa vida a afirmação de Jesus: 'Aquele que não toma a sua cruz e me segue, não é digno de Mim' (Mt 10, 38). E o Senhor se nos mostra cada vez mais exigente, pede-nos reparação e penitência, até impelir-nos a experimentar o fervente anelo de querermos viver para Deus, cravados com Cristo na cruz. Este tesouro, porém, nós o guardamos em vasos de barro frágil e quebradiço, para sabermos reconhecer que a grandeza do poder que se nota em nós é de Deus e não nossa.
Vemo-nos acossados por toda espécie de tribulações, mas não perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apertos, mas não desesperados e sem meios; somos perseguidos, não desamparados; abatidos, mas não inteiramente perdidos; trazemos sempre no nosso corpo, por toda a parte, a mortificação de Jesus. Imaginamos, além disso, que o Senhor não nos escuta, que estamos enganados, que só se ouve o monólogo da nossa voz. Sentimo-nos como que sem apoio sobre a terra e abandonados do céu. No entanto, é verdadeiro e prático o nosso horror ao pecado, mesmo venial. Com a teimosia da cananeia, prostramo-nos rendidamente como ela, que o adorou implorando: 'Senhor, ajuda-me' (Mt 15, 25). Desaparecerá a obscuridade, superada pela luz do Amor.
É o momento de clamar: 'lembra-te das promessas que me fizeste, e me encherei de esperança. Isto é o que me consola no meu nada e enche de fortaleza o meu viver' (Sl 118, 49-50). Nosso Senhor quer que contemos com Ele para tudo: vemos com toda a evidência que sem Ele nada podemos e que, com Ele, podemos tudo. Confirma-se a nossa decisão de andar sempre na sua presença. Com a claridade de Deus na inteligência, que parece inativa, não nos fica a menor dúvida de que, se o Criador cuida de todos - mesmo dos seus inimigos - muito mais cuidará dos seus amigos!
Convencemo-nos de que não há mal nem contradição que não venham por bem: assim se assentam com mais firmeza no nosso espírito a alegria e a paz, que nenhum motivo humano poderá arrancar-nos, porque estas visitações sempre nos deixam algo de seu, algo divino. Passamos a louvar o Senhor, nosso Deus, que fez em nós obras admiráveis; e compreendemos que fomos criados com capacidade para possuir um tesouro infinito.
(Parte II da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)
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