sábado, 13 de dezembro de 2014

LÂMPADAS DA ALMA


'O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho estiver em mau estado, todo o teu corpo estará nas trevas. Se a luz que está em ti são trevas, quão espessas deverão ser as trevas!' (Mt 6, 22 - 23).

'Se teu olho te leva ao pecado, arranca-o e lança-o longe de ti: é melhor para ti entrares na vida cego de um olho que seres jogado com teus dois olhos no fogo da geena' (Mt 18, 9).

'Quem vive casta e santamente é templo do Espírito Santo. Sem a minha vontade, a virtude nada sofrerá. Podes, à força, pôr incenso nas minhas mãos para que eu o ofereça aos ídolos? Isto de nada vale porque Deus, que conhece os corações, não me julgará pelo o que fiz coagida. A violência feita ao corpo não arranca a pureza da alma, se minha vontade não consente. Ao contrário, esta violência me proporcionará duas coroas: a da virgindade e a do martírio' (Santa Luzia).

Santa Luzia foi perseguida durante a época do imperador Diocleciano e martirizada por decapitação. Diz a tradição que ela defendeu de tal forma sua pureza, que teria preferido arrancar os próprios olhos e entregá-los aos carrascos do que se submeter à infâmia de conspurcar a sua castidade a renegar a fé cristã. Neste sentido, ela é comumente representada com os dois olhos arrancados e colocados sobre uma bandeja. 

Na verdade, Santa Luzia não precisou arrancar seus olhos para vencer o pecado, ela os utilizou para ver, além das coisas físicas e materiais, de forma clara e transparente, a própria luz de Deus. É celebrada como a santa protetora da visão, mas muito além da visão física. Ela nos ensina que, como lâmpadas do corpo, os nossos olhos devem refletir em plenitude a luz de Cristo que habita as nossas almas!

Santa Luzia, rogai por nós!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

OS TRÊS ADVENTOS DO SENHOR


Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como Ele próprio o declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o veem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.

Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.

Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele' (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: 'Quem teme a Deus, faz o bem' (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: 'Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós' (Sl 118, 11).

Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.

Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

(Dos Sermões de São Bernardo)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

CARTAS A MEU PAI (IV)

Pai:

Há muitos de nós que perderam o caminho; seguem suas vidas moldadas pelas dimensões do tempo e do mundo dos homens, sem estranhamento algum em relação às questões que realmente importam, da salvação e da eternidade. Numa discussão hoje cedo na universidade, um sustentou acaloradamente que Vós sois uma miragem e um espectro intangível da capacidade humana de encontrar culpados para todas as suas faltas e ações. Outro julgou 'pertinente' que o senhor possa existir, conquanto não tenha nenhuma influência sobre a vida de ninguém. Um terceiro admitiu que deus possa ser algo menos que uma obra de imaginação, mas que os 'deuses' de tantos podem passar perfeitamente bem alheios aos que não os evocam. No meio daquela gente, alguém ousou lembrar dos passos do Vosso Filho, da obra de redenção nascida do Calvário. Em vão. O argumento preferido nestas plagas é que todas as religiões são intrinsecamente ruins, e que Deus não passa de uma grande quimera.

Foi o momento em que vi, pela primeira vez na vida e de forma tão contundente, os chamados anjos recolhidos. Sim, os anjos da guarda deles estavam recolhidos, mantidos a uma relativa distância dos homens de ciência e de tão pouca fé, e não se moviam nem exalavam brilho especial, juntados em um pequeno círculo circunspecto, pesarosos do encontro, como que vergastados pelas palavras profanas, pela insensatez dos que diluem no próprio pecado os pecados de todos, sempre uma vez mais. Eu já havia visto muitos anjos da guarda de muitas pessoas, alguns mesmo prostrados pelo pecado de algum. Mas a imagem dos anjos recolhidos chocou-me, Pai, pois, ainda que eles não abandonem nunca aqueles que nasceram para o seu zelo e proteção, eles também, de alguma forma, padecem a dor da criação inteira por um só pecado e, muito mais profundamente, daqueles que negam o próprio Criador.

Ah quanta coisa não se saberá no outro mundo...quando, enfim, os olhos se abrirão para as verdades definitivas e incomensuráveis de Deus, de uma forma infinitamente mais clara e brilhante que a minha visão de agora, por especial privilégio de Vossa graça. Como ansiei me intrometer naquela conversa e abrir-lhes o coração diante de tanta rudeza e perda de fé. Mas o livre arbítrio é fruto da Vossa Santa Vontade e não da minha inquietude humana. E o grupo se dispersou em seguida para as suas tarefas diárias; se ao menos soubessem que as suas palavras foram escritas a fogo no livro dos mortos e ai deles se tiverem que prestar conta delas por toda a eternidade. A imagem dos anjos recolhidos se diluiu e cada qual tomou o rumo dos passos de cada um.

A imagem ficou e ainda continua comigo até o final desse dia, Pai, como que marcando e assinalando todos os meus passos. Que a Vossa infinita misericórdia possa tornar um dia estes homens dignos de Vossa Presença, sob a tutela de anjos zelosos e sempre de pé. E eu, Senhor, Vos prometo que, esteja em quaisquer grupos de pessoas, mais ou menos numerosos, minhas palavras estarão sempre atentas sob o jugo suave de Vossa Santa Lei e, nunca, nunca mesmo, permitirei que anjos recolhidos tenham que ficar debruçados diante de nós, vergados pelo lastro doloso de nossas palavras. Que Nossa Senhora da Imaculada Conceição me sustente e referende por toda a minha vida esse santo propósito de vida interior. Amém. 

E isso é tudo por hoje, na vida de um filho vosso no meio do mundo. Boa noite, Pai. Com a vossa bênção, R.

('Cartas a Meu Pai' são textos de minha autoria e pretendem ser uma coletânea de crônicas que retratam a realidade cotidiana da vida humana entranhada com valores espirituais que, desapercebidos pelas pessoas comuns, são de inteira percepção pelo personagem R. As pessoas e os lugares, livremente designados apenas pelas suas iniciais, são absolutamente fictícios).

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

CONSOLAÇÃO PELOS QUE PERDEMOS

Se perdemos os nossos parentes e amigos, não devemos entristecer-nos muito; porque nada há no mundo pelo que devemos desejar que aqueles que amamos aqui permaneçam muito tempo, e ele é tão miserável que devíamos antes louvar a Deus quando os leva e não nos afligirmos. Assim convém que uns após outros deles saiamos, segundo a ordem que Deus estabeleceu; os primeiros que saem são os que estão melhor, quando viveram com cuidado da sua salvação. E depois, na eternidade, tais perdas são reparadas, e a nossa sociedade, desfeita pela morte, será restaurada.

Uma consolação bem suficiente aos filhos de Deus, é quando seus parentes e amigos têm recebido os remédios eficazes dos santos sacramentos antes de morrer, o que lhes devem procurar sem demora. Repousemos os nossos corações sem amargura; mas tenhamos a coragem, tão necessária neste estado, de fechar os olhos ao nosso querido moribundo, dando-lhes o ósculo da paz. Depois disto, façamos-lhe as honras que o costume cristão exige, segundo o estado e condição de cada um. Porém, mais do que tudo, ordenemos que o mais cedo possível se façam com exatidão por intenção do falecido as orações, e outros exercícios piedosos, com medo que ele tenha precisão de alguma expiação, segundo a severidade do juízo divino; e que ainda esteja privado do gozo da plena e gloriosa liberdade, e que tenha a alma ainda condenada à estada por algum tempo no fogo do purgatório, por um segredo inescrutável de Deus, antes de ser recebida no céu entre os braços da divina bondade. Nesta sociedade, as amizades e sociedades começada neste mundo continuar-se-ão para não haver mais separação.

No entanto tenhamos paciência e esperemos com coragem que soe a hora da nossa partida, para irmos para onde já estão os nossos amigos; e já que cordialmente os amamos, continuemos a amá-los; façamos por amor deles o que eles desejariam que fizéssemos e o que agora por nós almejam. Entretanto não vos direi: 'Não choreis', não, porque é justo que choreis um pouco em testemunho do afeto sincero que tendes aos vossos queridos defuntos. Isto será imitar a Jesus Cristo, que chorou por um pouco a Lázaro, seu bom amigo; mas com condição de serem moderadas estas demonstrações exteriores, e que esses suspiros e gemidos não sejam tantas lágrimas de pesar como sinais de compaixão e ternura.

Não choremos como os que pertencendo completamente a esta miserável vida, não se lembram de que caminhamos para a Eternidade, onde, se vivemos bem neste mundo, nos reuniremos às pessoas queridas para nunca mais a deixarmos. Não poderíamos impedir que o nosso pobre coração sentisse a perda dos que aqui eram os nossos amáveis companheiros; mas convém que não desmintamos a solene resolução que fizemos de ter a nossa virtude inseparavelmente unida a de Deus, e que não cessemos de dizer à Divina Providência: 'Sim, vós sois bendita, porque tudo o que vos agrada é bom'.

Eu choro em tais ocasiões; e o meu coração, que é de pedra nas coisas do céu, funda-se em lágrimas por tais acontecimentos. Esta insensibilidade imaginária dos que não querem que estejamos homens, pareceu-me sempre que era uma quimera; mas também, depois de ter pago o tributo à parte inferior da nossa alma, é preciso prestar as honras à superior, onde brilha, como em um trono, o espírito da fé, que nos deve consolar em nossas aflições e por elas próprias.

Bem aventurados os que se alegram por estarem aflitos e convertem o absinto em mel! Deus seja louvado! É sempre com tranquilidade que eu choro, sobretudo com um grande sentimento de amor para com a Providência de Deus; porque depois, que Nosso Senhor amou a morte e a deu por objeto ao nosso amor, não posso querer mal a morte por me levar minhas irmãs ou qualquer outra pessoa, contanto que morra no amor da santa morte do Salvador. Tenho em tão pouca conta esta vida frágil, que nunca me volto para Deus com mais sentimento de amor do que quando me fere, ou permite que eu seja ferido.

Estimo que tenhais tanta caridade e temor de Deus, que, vendo o seu agrado e a sua santa vontade, a ele vos acomodeis e odieis o vosso desprezo pela consideração do mal deste mundo. Não podemos evitar ter muita pena com a separação dos nossos amigos, e este desgosto não nos é proibido contanto que o moderemos pela esperança que temos de não nos separarmos deles senão no pouco tempo que medeia até os seguirmos ao céu, lugar do nosso repouso, se Deus nos fizer essa graça.

Alongai muitas vezes a vossa vista até ao céu e vede que esta vida não é senão uma passagem para a eternidade. Quatro ou cinco meses de ausência passarão depressa. Se o nosso costume e os nossos sentidos, entretidos em estimarem este mundo e esta vida, nos fazem sentir o que nos é contrário, corrijamos muitas vezes este defeito pela claridade da fé que nos deve fazer julgar por muito felizes os que em poucos dias terminarem a sua viagem.

Oh! como é desejável a eternidade comparada com as vicissitudes deste mundo! Todos os dias a minha alma se abrasa em amor e estima das coisas eternas. Deixemos correr o tempo, com o qual corremos a pouco e pouco para nos transformarmos na glória dos filhos de Deus. Quanto incomparavelmente mais amável não é a eternidade, cuja duração não tem fim, com os dias sem noite e os contentamentos invariáveis! Oh! se de uma vez compenetrássemos bem os nossos corações nesta santa e bem aventurada eternidade! 'Ide', diríamos nós a todos os nossos amigos, 'ide para este Rei da eternidade: nós nos reuniremos a vós', e já que o tempo só para isso nos foi concedido e que o mundo só se povoa para povoar o céu, façamos tudo o que pudermos para disso nos tornarmos dignos.

Sim, com certeza, a passagem de nossos amigos para uma vida melhor é estimável, pois que se faz para povoar o céu e engrandecer a glória do nosso Rei; um dia juntar-nos-emos a eles e, entretanto, aprendamos o cântico do santo amor, para o cantarmos com mais perfeição na eternidade. Bem aventurados os que não confiam na vida presente e que só a julgam como uma tábua para passarem à vista celeste, na qual unicamente devemos colocar as nossas esperanças!

Deixemos chorar Davi a morte do seu Absalão enforcado e perdido; mas na morte do que tomou por vontade, que recebeu os remédios eficazes da Igreja antes de morrer, há mais ocasião para nos consolarmos do que para nos entristecermos; porque, tendo vivido bem, não morreu, mas salvou-se da morte; porque os homens virtuosos não morrem, vivendo no céu pela magnifica recompensa de seus méritos, e na terra pela gloriosa memória de seus benefícios.

Oh! se ouvíssemos as doces e amáveis palavras de algum falecido já bem aventurado, ele nos diria: 'Meus amados, peço-vos que noteis que estou no lugar que desejo, e que me consolo dos meus passados trabalhos que me conquistaram esta gloriosa imortalidade! Por que não consolais comigo? Quando eu estava convosco nesse mundo, era vosso empenho vos regozijardes comigo em todas as minhas consolações, até mesmo caducas e ilusórias. Ah! não sou eu mesmo? Por que vos afligis para com minha morte visto ter-me Deus dado tanta glória? Não, eu desejo de vós coisas bem diferentes desses vossos pesares! Se tendes lágrimas, guardai-as para chorar as desgraças do vosso século e conjuntamente os vossos pecados. Não sabeis que os males desta vida miserável em que viveis são tais, que devereis antes louvar a Deus por delas vos livrar, do que afligir-vos? Os primeiros que dela saem são os mais felizes, contanto que tenham vivido bem. Um só pesar sinto agora; é que desprezeis, estando em vossos corpos, as coisas de que não necessitais não as possuindo; e que vivais por tal forma, entre as prosperidades da vida, que não temais as adversidades, confiando que em breve vos unireis aos vossos caros defuntos para os não deixardes por toda a eternidade'.

Prouvera a Deus que todos os filhos de Adão pensassem bem nestas verdades! Decerto não estariam tão ardentes e ásperos para os prazeres e vaidades, porque conheceriam perfeitamente que tudo o que agora amaram não era senão um nada, despojo da morte, o fruto de satanás e o engodo do inferno; e por este conhecimento claro, junto a uma resolução firme e sólida, tirariam da morte temporal auxílio e socorro para evitar a eterna.

(Excertos da obra 'Pensamentos Consoladores de São Francisco de Sales')

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

GLÓRIAS DE MARIA: IMACULADA CONCEIÇÃO


'Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina de que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de culpa original; essa doutrina foi revelada por Deus, e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis'.

(Beato Papa Pio IX, na proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 08 de dezembro de 1854)

Nossa Senhora, criatura superior a tudo quanto já foi criado, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, recebeu de Deus o privilégio incomparável da Imaculada Conceição. Desta forma, Maria foi preservada de qualquer pecado desde que foi concebida, porque recebeu naquele instante o Espírito Santo de Deus. O 'sim' de sua entrega incondicional à vontade de Deus não teria sido possível se, mesmo livre de qualquer  pecado durante toda a sua vida, Maria tivesse, a exemplo de toda a humanidade, a mancha do pecado original. Deus, ao cumular Maria de tantas graças extraordinárias, não permitiu que ela estivesse separada dele em nenhum segundo de sua existência e, assim, Maria não conheceu o pecado desde a sua concepção.

A Santa Igreja ensina que Maria Santíssima foi preservada do pecado original, em previsão aos futuros méritos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que, assim, a pré-redimiu desde o primeiro instante da sua existência. Sendo concebida sem pecado original, Maria ficou também preservada de qualquer tendência para o mal decorrente do pecado original. Não é crível que Deus Pai onipotente, podendo criar um ser em perfeita santidade e na plenitude de inocência, não fizesse uso de seu poder a favor da Mãe de seu Divino Filho. Como explicitou, de forma definitiva, o beato franciscano João Duns Scoto (1265-1308), em sua exposição quando da defesa da Imaculada Conceição na Universidade de Paris: 'Potuit, decuit, ergo fecit' (Deus podia fazê-lo, convinha que o fizesse, logo o fez).

O fundamento deste privilégio mariano está na absoluta oposição existente entre Deus e o pecado. Ao homem concebido no pecado, contrapõe-se Maria, concebida sem pecado. A confirmação do dogma, a partir de manifestações que remontam os primeiros Padres da Igreja, foi ratificada muitas vezes pela própria Mãe de Deus, em várias aparições:

'Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!' foi a mensagem que Nossa Senhora pediu que fosse inscrita na Medalha Milagrosa,  mediante recomendação expressa a Santa Catarina Labouré em 1830 (24 anos antes da promulgação formal do dogma pela Igreja).

'Eu sou a Imaculada Conceição!' assim Nossa Senhora se apresenta à pequena vidente Bernadette Soubirous em Lourdes, no dia 25 de março de 1858 (apenas 4 anos depois da promulgação formal do dogma pela Igreja).

'Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!mensagem de Nossa Senhora em Fátima sobre a devoção ao seu Coração Imaculado.

Excertos da Bula INEFFABILIS DEUS de Pio IX
                       Pio IX
1. Misericórdia e verdade são os caminhos do Deus inefável; onipotente é sua vontade, e sua sabedoria se estende poderosamente de uma extremidade a outra, dispondo todas as coisas com suavidade (Sb 8, 1). Desde os dias da eternidade previu Deus a mais dolorosa ruína de todo o humano gênero, que resultaria do pecado de Adão. Por isso, num mistério escondido nos séculos, determinou Ele completar a primeira obra de sua bondade, num mistério ainda mais esconso, pela Encarnação do Verbo, para que o homem, induzido ao pecado pela ardilosa perversidade do demônio, não perecesse, contrariamente ao seu desígnio cheio de clemência; e assim, o que estava em iminência de ser frustrado no primeiro Adão fosse restituído, com maior felicidade, no Segundo Adão.
Escolha da Santíssima Mãe

2. Em vista disso, desde todos os tempos, escolheu Deus e predestinou uma mãe para o seu Unigênito Filho, na qual se encarnaria e viria ao mundo, quando a abençoada plenitude dos tempos houvesse chegado. E a ela dispensou Deus mais amor que a todas as outras criaturas, e nela somente achava agrado, com a mais afetuosa complacência. Por isso a cumulou, de maneira tão admirável, da abundância dos bens celestes do tesouro de sua divindade, mais que a todos os outros espíritos angélicos e todos os santos, de tal forma que ficaria absolutamente isenta de toda e qualquer mancha de pecado, podendo, assim, toda bela e perfeita, ostentar uma inocência e santidade tão abundantes, quais outras não se conhecem abaixo de Deus, e que pessoa alguma, além de Deus, jamais alcançaria, nem em espírito.

Com efeito, era conveniente que tão venerável Mãe brilhasse sempre aureolada do esplendor da mais perfeita santidade, e que fosse de todo isenta até da própria mácula do pecado original, alcançando, assim, o mais completo triunfo sobre a antiga Serpente (Gn 3, 15). E tudo isto por ser ela a criatura a quem Deus Pai quis dar seu Filho Único, o qual gerou de seu próprio coração, igual a Si e a quem Ele ama como a Si mesmo. Deu-Lho, de forma que Ele é, por natureza, um e o mesmo Filho de Deus Pai e da Virgem. Ela é, também, o ser que o próprio Filho escolheu e fez real e verdadeiramente sua Mãe. Ela é, enfim, a criatura de quem o Espírito Santo quis que o Filho, do qual procede, fosse concebido e nascido por obra sua. [...]
Pedidos para a Definição

33. Aqui a razão por que, desde os tempos remotos, os bispos da Igreja, eclesiásticos, ordens religiosas e até imperadores e reis dirigiram fervorosos memoriais à Sé Apostólica, em prol da definição da Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus como dogma da fé católica. Mesmo em nossos dias, reiteraram-se estas petições. Foram elas dirigidas, de modo especial, à atenção de Nosso antecessor Gregório XVI, de saudosa memória, e a Nós mesmo, não só por bispos, mas também pelo clero secular, comunidades religiosas, por legisladores de nações e pelos fiéis. [...]
O Consistório

39. Após estes acontecimentos, desejando proceder de modo conveniente e reto, a exemplo de Nossos antecessores anunciamos e celebramos um Consistório, no qual Nos dirigimos a Nossos Irmãos, os Cardeais da Santa Igreja Romana. Foi para Nós a maior alegria espiritual ao ouvi-los suplicarem promulgássemos a definição do dogma da Conceição Imaculada da Virgem Mãe de Deus.

40. Por isso, tendo plena confiança no Senhor de que já chegou o tempo oportuno para a definição da Imaculada Conceição da Virgem Maria, Mãe de Deus, que as Divinas Escrituras, a veneranda Tradição, o desejo incessante da Igreja, o singular consentimento dos Bispos católicos e dos fiéis, e os atos e constituições assinalados dos Nossos antecessores ilustram e proclamam; havendo considerado diligentemente todos os acontecimentos e tendo dirigido a Deus solícitas e sinceras preces, Nós  julgamos não devermos fazer tardar por mais tempo a ratificação e definição, por Nossa autoridade suprema, da Imaculada Conceição da Virgem, satisfazendo, assim, os mais santos desejos do Orbe Católico e de Nossa própria devoção para com a Santíssima Virgem; e honrando, na Virgem, sempre mais o seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, Senhor Nosso, visto que toda honra e louvor votados à Mãe revertem para o Filho.
A Definição Infalível

41. Pelo que, em oração e jejum, não cessamos de oferecer a Deus Pai, por seu Filho, Nossas preces particulares e as de todos os filhos da Igreja, para que se dignasse dirigir e fortalecer Nossa inteligência com a força do Espírito Santo. Imploramos, ainda, a ajuda de toda a milícia celeste e, com verdadeiros anelos do coração, invocamos o Paráclito. Portanto, por sua inspiração, para honra da Santa e Indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé Católica e para a propagação da Religião Católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor Nosso, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e Nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, por conseguinte, ser crida firme e inabalavelmente por todos os fiéis.

42. Em conseqüência, se alguém ousar – o que Deus não permita – pensar contrariamente ao que definimos, saiba e esteja ciente de que ipso facto  incidiu em anátema, de que naufragou na fé e apostatou da unidade da Igreja; além disso, por sua própria causa incorre nas penalidades estabelecidas por lei, caso se atreva a manifestar, por palavras ou por escrito, ou por  outros quaisquer meios externos, sua opinião íntima.
Frutos da Imaculada Medianeira

43. Nossa língua transborda de alegria e nosso coração rejubila. Rendemos e não cessaremos de render os mais humildes e sinceros agradecimentos a Cristo Jesus, Senhor Nosso, por Nos ter concedido, embora indigno, por singular favor seu, decretar e oferecer esta honra, glória e louvor à Santíssima Mãe. Ela, toda pura e imaculada, esmagou a cabeça envenenada do mais cruel dragão, trazendo ao mundo a salvação; Ela é a glória dos Profetas e dos Apóstolos, a honra dos Mártires, a coroa e delícia dos Santos; o refúgio mais seguro, o mais valioso amparo de quantos se acham em perigos. Com o seu Unigênito Filho, Ela é a mais poderosa Mediadora e Consoladora no mundo universo. Ela é a suma glória e ornamento, a fortaleza inexpugnável da Santa Igreja. Pois Ela destruiu todas as heresias e livrou os povos e nações fiéis de todas as calamidades gravíssimas. Também a Nós livrou-Nos de tantos perigos que nos assediavam. Temos, pois, confiança e esperança absolutas e totais de que a Bem-aventurada Virgem, por seu patrocínio valiosíssimo, fará com que todas as dificuldades sejam removidas e todos os erros dissipados, a fim de que Nossa Santa Madre Igreja Católica possa florescer, sempre mais, entre todas as nações e povos e possa espalhar seu reino “de mar a mar, do rio até aos confins da terra” (Sl 71, 8), e desfrute de perfeita paz, tranqüilidade e liberalidade. Ela obterá, também, perdão aos pecadores, saúde aos doentes, alento aos fracos, consolo aos aflitos, amparo aos que estão em perigo. Ela há de apagar a cegueira espiritual dos que erram, para que possam voltar às sendas da verdade e da justiça, e para que haja um só rebanho e um só pastor.

44. Que todos os filhos da Igreja Católica, tão caros ao Nosso coração, ouçam estas Nossas palavras. Continuem, com um zelo ainda mais ardente de piedade, de religião e amor, a cultuar, invocar e orar à Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, concebida sem pecado original. Recorram com inteira confiança a esta Mãe dulcíssima de clemência e de graça nos perigos, dificuldades, necessidades, dúvidas e temores. Pois, sob sua égide, seu patrocínio, sua proteção, não há receios e nem desesperanças. Porque, enquanto Nos dedica uma afeição verdadeiramente maternal e zela pela obra de Nossa salvação, Ela se mostra solícita para com todo o gênero humano. E, desde que foi designada por Deus para ser a Rainha do Céu e da Terra e exaltada acima de todos os coros angélicos e de todos os Santos, Ela assentada à direita de seu Unigênito Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor, apresenta nossos rogos da maneira mais eficiente, e alcança o que pede, pois sempre é atendida.[...]
Publicação da Definição

45. Para que, finalmente, esta Nossa definição da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria seja conhecida de toda a Igreja, desejamos que esta Nossa Carta Apostólica se torne um memorial perpétuo; ordenamos, também, que os transcritos e publicações que vierem a ser feitos e postos à venda ou ao público, contenham a mesma autenticidade do original. Tais traslados e cópias, contudo, devem ser subscritos por um notário e autenticados pela censura de uma pessoa da ordem eclesiástica. Por isso, que ninguém infrinja este documento de Nossa declaração, promulgação e definição, nem se oponha ou contradite temerária e atrevidamente. Se alguém se der a liberdade de intentar tal, saiba que incorrrerá na cólera do Deus Onipotente e dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dada em Roma, junto de São Pedro, aos 8 do mês de Dezembro do ano de 1854 da Encarnação de Nosso Senhor, 9º ano de Nosso Pontificado.




    Pio IX, PAPA

domingo, 7 de dezembro de 2014

TEMPO DE CONVERSÃO

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo do Advento
Neste segundo domingo do Advento, a Igreja, à espera do Senhor Que Vem, celebra, após um primeiro tempo de vigilância, o tempo de conversão, mediante a proclamação na história dos tempos de dois grandes profetas das revelações messiânicas: Isaías e João Batista. 

Isaías é o profeta messiânico por excelência, o precursor dos evangelistas. É Isaías quem declara que Jesus será da estirpe de Davi, é Isaías quem profetiza o nascimento de Cristo através de uma virgem, são de Isaías as profecias sobre a Paixão e Morte do Senhor, sobre a Santa Igreja de Deus e sobre a pregação de João Batista. É Isaías que anuncia a libertação dos judeus do exílio na Babilônia: 'Consolai o meu povo, consolai-o, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida' (Is 40, 1-2). Esta manifestação profética, entretanto, extrapola os limites da Antiga Aliança e assume um caráter messiânico: pela conversão, o homem do pecado há de se tornar digno de contemplar a própria glória de Deus. 

E eis que surge então outro profeta, o maior de todos, maior que Isaías, Moisés ou Abraão, aquele que foi aclamado pelo próprio Cristo como 'o maior dentre os nascidos de mulher' (Mt 11,11), que vai fazer o anúncio definitivo da chegada do Messias ao mundo: 'Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias' (Mc 1, 7). Como precursor imediato e direto do Messias e arauto desta revelação divina ao povo judeu, João vai se autoproclamar como 'a voz que clamava no deserto', símbolo dos terrenos estéreis e calcinados das almas tíbias e vazias dos homens daquele tempo. 

E o deserto de hoje não é ainda mais árido, muitíssimo mais árido, do que nos tempos do Profeta João Batista? O deserto tornou-se uma terra de desolação e infortúnio, na qual o pecado é espalhado como adubo e as blasfêmias contra Deus são os arados. A Igreja de Cristo não se pode sustentar sobre as areias frouxas do deserto das almas tíbias, do ateísmo e da indiferença religiosa. Eis, portanto, a imperiosa necessidade de tempos de conversão. E, nesse sentido, João Batista é tão atual quando da época de sua profecia e sua mensagem ressoa pelos séculos para ser ouvida e vivida, agora como arauto do Senhor da Segunda Vinda: 'Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo' (Mc 1, 8).