terça-feira, 14 de novembro de 2023

O DOM DA PIEDADE

O dom do temor de Deus destina-se a curar em nós a chaga do orgulho; o dom da piedade é derramado em nossas almas pelo Espírito Santo para combater o egoísmo, que é uma das paixões más do homem decaído por causa do pecado original, e o segundo obstáculo à sua união com Deus. O coração do cristão não deve ser nem frio nem indiferente; é preciso que seja terno e devotado; do contrário não poderá se elevar à via para a qual Deus, que é amor, dignou-se chamá-lo. 

Assim o Espírito Santo produz no homem o dom da piedade, inspirando-lhe um retorno filial para seu Criador. 'Vós recebestes o Espírito de adoção' - nos diz o Apóstolo - 'e é por este Espírito que gritamos para Deus: Pai! Pai!'. Essa disposição torna a alma sensível a tudo o que toca a honra de Deus. Faz o homem alimentar em si mesmo a compunção dos seus pecados, tendo em vista a infinita Bondade que se dignou suportá-lo e perdoá-lo e o pensamento dos sofrimentos e da morte do Redentor. A alma iniciada no dom de piedade deseja constantemente a glória de Deus e quer por todos os homens aos seus pés; e os ultrajes que Ele recebe lhe são particularmente sensíveis. 

Sua alegria é ver o progresso das almas no amor e as devoções que este amor lhes inspira por Aquele que é o soberano Bem. Cheia de submissão filial para com o Pai universal que está nos céus, essa alma está pronta para todas as suas vontades. Resigna-se de coração com todas as disposições da Providência. Sua fé é simples e viva. Mantém-se amorosamente submissa à Igreja, sempre pronta a renunciar às suas próprias ideias e àquelas mais caras, se estas afastam-se de alguma forma de seu ensinamento ou de sua prática, tendo um horror instintivo da novidade e da independência. Essa devoção para com Deus que o dom de piedade inspira, unindo a alma a seu Criador pela afeição filial, a une, também, com uma afeição fraternal, a todas as criaturas, já que estas são obra do poder de Deus.

Em primeiro lugar, nas afeições do cristão animado pelo dom de piedade, estão as criaturas glorificadas, das quais, Deus goza eternamente e as quais se deleitam dEle para sempre. Ama ternamente a Santíssima Virgem Maria e é zeloso de sua honra; venera com amor os santos e os atos heroicos de virtude realizados pelos amigos de Deus; delicia-se com seus milagres, honra religiosamente suas relíquias sagradas. Mas sua afeição não é apenas pelas criaturas coroadas no céu; aquelas que ainda estão aqui embaixo ocupam um lugar importante em seu coração. O dom de piedade faz com que ele encontre nelas o próprio Jesus. Sua boa vontade para com seus irmãos é universal. Seu coração está inclinado ao perdão das injúrias, a suportar as imperfeições do outro, a desculpar as imperfeições do próximo. É compassivo para com o pobre, solícito aos pés do doente. Uma doçura afetuosa revela o fundo do seu coração e em suas relações com os irmãos da terra, o vemos sempre disposto a chorar com os que choram, a se alegrar com os que se alegram. 

Tal é, ó Divino Espírito, a disposição daqueles que cultivam o dom de piedade que derramais em suas almas. Por esse inefável benefício, neutralizais o triste egoísmo que afloraria em seus corações, livrando-os de uma frieza odiosa que torna o homem indiferente aos seus irmãos e fechais suas almas à inveja e ao ódio. Para isso, só foi preciso esta piedade filial para com o Criador; que enterneceu seus corações, fundindo-os com uma viva afeição por tudo o que sai das mãos de Deus. Fazei frutificar em nós este dom tão precioso, ó Divino Espírito! Não permitais que ele seja abafado pelo amor de nós mesmos. Jesus nos encorajou dizendo-nos que seu Pai Celeste 'faz o sol nascer sobre os bons e os maus'; não permitais, Divino Paráclito, que uma tão paternal indulgência seja um exemplo perdido para nós e dignai-vos desenvolver em nossas almas o germe de devoção, da benevolência e da compaixão que vos dignastes infundir no momento em que de nós tomastes possessão pelo santo batismo.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)