O escrúpulo, diz Santo Afonso de Ligório, não passa de um vão temor de pecar causado por apreensões que não têm motivo algum. Por sua vez, Bergier diz que o escrúpulo é uma pena de espírito, uma ansiedade de alma que faz que a pessoa creia ofender a Deus em todas as suas ações e nunca se quitar dos seus deveres assaz perfeitamente. Enfim, o escrúpulo, dizem os autores da ciência do confessor, é uma dúvida que não é fundada, ou que só o é muito ligeiramente, e que perturba a consciência e a enche de inquietações. É um vão terror, um receio extremado de achar pecado onde realmente não existe, nascendo daí na alma uma angústia que a torna irresoluta e inquieta.
Ora, esse temor de pecar ou de haver pecado em tudo e a toda hora, esse contínuo pavor que só repousa nos mais fracos indícios, enche entretanto o coração de angústias e de perplexidades, falseia o juízo, destrói a paz interior, gera a desconfiança e a tristeza, afasta dos sacramentos, altera a saúde do espírito e até mesmo a do corpo. Nada é mais nocivo, diz ainda Santo Afonso de Ligório, naquele que tende à perfeição e que se deu a Deus, do que os escrúpulos. 'Essas almas são loucas' - dizia Santa Tereza - 'pois, com os seus escrúpulos, acabarão por não mais ousar dar um passo na trilha da perfeição'.
Todavia, não se deve confundir a dúvida com o escrúpulo, nem o escrúpulo com a consciência timorata. Na dúvida, a alma, por prudência, julga dever ficar indecisa entre dois partidos, atendendo às razões de ambas as partes que lhe parecem contrabalançar-se. O mesmo já não se dá com o escrúpulo. Se o temor não dominasse o escrupuloso, ele acharia bastantes luzes em si mesmo para se resolver e para julgar que o oposto do escrúpulo é mais provável. Aliás, a dúvida propriamente dita não inquieta nem aflige o espírito, ao passo que o escrúpulo se torna o tormento incessante do escrupuloso. A razão desta diferença é, aliás, fácil de apreender: é que a dúvida tem um fundamento ao menos aparente, e o escrúpulo não o tem; o que faz os teólogos dizerem que nunca é lícito agir contra a consciência duvidosa, e que, ao contrário, se pode e se deve agir contra o escrúpulo, como se verá mais adiante.
Pessoas há que, confundindo o escrúpulo com a delicadeza de consciência, consideram-no como uma virtude, enganam-se estranhamente; porquanto, longe de ser uma virtude, ele é um defeito, e dos mais perigosos. O sábio e piedoso Gerson não receava dizer que, muitas vezes, uma consciência escrupulosa prejudica mais a alma do que uma consciência demasiado fácil e por demais relaxada.
Também se confunde amiúde a consciência timorata com a consciência escrupulosa; a diferença é, entretanto, bem definida. A consciência timorata evita os menores pecados, com juízo e tranquilidade; a escrupulosa, ao contrário, age sem fundamento, com perturbação e inquietação; o que faz que esteja sempre agitada e transtornada.
Eis aqui os sinais ou sintomas pelos quais se conhecem as almas escrupulosas:
1. recear incessantemente, nas suas confissões, não ter demonstrado uma verdadeira dor;
2. recear pecar nas menores coisas, como, por exemplo, fazer um juízo temerário, faltar à caridade ou ceder aos maus pensamentos;
3. ser inconstante nas suas dúvidas, mudar incessantemente de sentimento sob a mais leve aparência, julgando uma mesma ação ora lícita, ora ilícita;
4. fartar-se frequentemente de reflexões minuciosas, e mesmo extravagantes, sobre as mais ligeiras circunstâncias das suas ações;
5. não se ater, sobre isso, ao parecer do seu confessor, e mostrar muito apego ao próprio senso; consultar várias pessoas, pesar-lhes as razões, e só se ater a si mesmo;
6. agir com ansiedade, com certa perturbação que tira a atenção e o discernimento, que embaraça a liberdade e retém a alma cativa.
Tais são os principais sintomas das consciências escrupulosas. Mas a quem é que pertence pronunciar-se em semelhante matéria? Ao confessor; porquanto o escrupuloso nunca acredita que o é; acredita sempre que os seus escrúpulos são verdadeiros pecados. Está na sombra, não vê a sua consciência: só o juiz espiritual é que pode vê-la; e é por isto que o penitente deve seguir-lhe os conselhos, e, se for reconhecido como escrupuloso, deixar-se tratar como acometido desta moléstia. Pelo contrário, se quiser decidir por si mesmo, quanto mais quiser tranquilizar-se tanto mais se perturbará e se colocará em risco de perder-se.
(Excertos da obra 'Tratado dos Escrúpulos da Consciência', Abade Grimes, 1854)