SOBRE OS MEIOS DA PRESERVAÇÃO DA PUREZA
Dissemos que esta virtude é de grande valor aos olhos de Deus; mas também devemos afirmar que são muitos os inimigos que se esforçam para tirá-lo de nós. Poderíamos até dizer que quase tudo ao nosso redor está conspirando para roubá-la de nós. O diabo é um dos inimigos mais temíveis; vivendo no meio do fedor dos vícios impuros e sabendo que não há pecado que ultraje tanto a Deus, e também sabendo como a alma pura é agradável a Deus, ele arma toda espécie de ciladas para nos arrebatar esta virtude. Por sua vez, o mundo, que só busca seus dons e prazeres, também trabalha para nos fazer perdê-la, muitas vezes sob o disfarce da amizade. Mas podemos afirmar que o inimigo mais cruel e perigoso somos nós mesmos, isto é, a nossa carne que, uma vez estragada e corrompida pelo pecado de Adão, furiosamente nos induz à corrupção. Se não estivermos constantemente alertas, ela nos queima de imediato e nos devora com suas chamas impuras.
'Mas - você me dirá - 'já que é muito difícil preservar uma virtude tão preciosa aos olhos de Deus, o que devemos fazer?' Vejamos aqui os meios de preservá-la. A primeira é exercer grande vigilância sobre os nossos olhos, nossos pensamentos, nossas palavras e nossas ações; o segundo, recorrer à oração; o terceiro, frequentar dignamente os sacramentos; o quarto, fugir de tudo que possa nos induzir ao mal; o quinto, ser muito devoto da Santíssima Virgem. Observando tudo isso, apesar dos esforços de nossos inimigos e apesar da fragilidade dessa virtude, teremos a segurança de preservá-la.
Eu disse que, primeiro de tudo, devemos resguardar a nossa vista; o que é bem verdade, pois vemos, por experiência, que muitos sucumbiram por um único olhar e nunca mais se levantaram... (Pv 9, 9). Não dê ao olhar nenhuma liberdade além daquela que seja verdadeiramente necessária. Antes enfrentar a superação de tal dificuldade do que se expor ao pecado... Diz-nos São Tiago que esta virtude vem do céu e que nunca a obteremos se não a pedirmos a Deus. Devemos, portanto, implorar a Deus com frequência para nos dar pureza nos olhares, nas palavras e nas ações. Disse, em terceiro lugar, que se quisermos conservar esta bela virtude, devemos receber os santos sacramentos com frequência e dignidade; caso contrário, nunca alcançaremos tal bem-aventurança. Jesus Cristo não só instituiu o sacramento da Penitência para perdoar os nossos pecados, mas também para nos dar forças para lutar contra o demônio. O que pode ser facilmente compreendido. Quem será, com efeito, que tendo feito hoje uma boa confissão, se deixará vencer pelas tentações? O pecado, com todo o prazer que contém, o horrorizaria. Quem será que, pouco depois de receber a Comunhão, poderá consentir, não digo num ato impuro, mas apenas num mau pensamento? Jesus, que então habita em seu coração, faz-lhe bem para compreender quão infame é aquele pecado, e quanto este o desagrada e, assim, o faz separar Dele. O cristão que frequenta santamente os sacramentos pode ser tentado, mais dificilmente pecará.
De fato, quando temos a grande alegria de receber o corpo adorável de Jesus Cristo, não sentimos o fogo impuro extinto em nossos corações? O adorável Sangue que corre em nossas veias não faz outra coisa senão purificar o nosso sangue? A carne sagrada que se mistura com a nossa não a diviniza de certo modo? Nosso corpo não parece retornar ao primeiro estado em que Adão estava antes de pecar? Aquele Sangue adorável 'que gerou tantas virgens!...' (Zc 9, 17.). Estejamos certos de que, deixando de frequentar os sacramentos, cairemos em pecado a cada momento.
Além disso, para nos defendermos do diabo, devemos evitar a companhia daquelas pessoas que podem nos induzir a praticar o mal. Veja o que fez José quando foi tentado pela esposa do seu mestre: deixou o manto em suas mãos e fugiu para salvar sua alma (Gn 39, 12.). Os irmãos de Santo Tomás de Aquino, vendo com maus olhos que o seu irmão era consagrado a Deus, a fim de obstruir este propósito, trancaram-no num castelo e fizeram entrar ali uma mulher de má vida para tentar corrompê-lo. Vendo-se em apuros devido à sanha perversa daquela criatura maligna, tomou nas mãos uma tocha acesa e a fez então fugir em desabalada correria para fora do seu quarto. Diante do perigo a que estava exposto, rezou com lágrimas tão copiosas que Nosso Senhor lhe concedeu o precioso dom da continência.
Veja ainda o que São Jerônimo fez para preservar a pureza; vede-o no deserto abandonando-se a todos os rigores da penitência, às lágrimas e às duras macerações da sua carne (Vida dos Padres do Deserto, p. 264). Aquele grande santo nos conta (S. Hieron., Vita S. Pauli, Primi Ermitae, 3) também a vitória alcançada por um virtuoso jovem, em uma luta talvez única na história, travada nos tempos da cruel perseguição aos cristãos movida pelo imperador Décio. Este tirano, depois de ter submetido o jovem a todas as provas que o demônio o inspirava, pensou que se conseguisse fazê-lo perder a pureza de sua alma, talvez facilmente o levasse a renunciar à sua religião. Para tanto, ordenou que fosse conduzido a um jardim de delícias, repleto de rosas e lírios, junto a um riacho de águas cristalinas e lúdicas, à sombra de belas e frondosas árvores agitadas por uma brisa suave e refrescante. Uma vez lá, eles o colocaram em um colchão de penas e o amarraram com faixas de seda, deixando-o sozinho. Em seguida, fizeram uma cortesã dele se aproximar, ornada de forma muito sensual e provocativa, que passou a incitá-lo ao mal com toda a impudência e provocações que a paixão pode inspirar. Aquele pobre jovem, que teria dado mil vezes a vida para não manchar a pureza de sua bela alma, viu-se indefeso, pois encontrava-se de pés e mãos amarrados. Não tendo como resistir aos ataques da voluptuosidade e, impelido pelo espírito de Deus, cortou a própria língua com os dentes e cuspiu carne e sangue no rosto da mulher, que fugiu dele tomada de espanto e medo. Este fato nos mostra como Deus nunca permitirá que sejamos tentados além das nossas forças.
Vede também São Martiniano, que viveu no século IV. Depois de ter vivido vinte e cinco anos no deserto, viu-se exposto a uma ocasião muito próxima ao pecado, ao qual já havia consentido em pensamento e palavra. Mas Deus tocou o seu coração e veio em seu auxílio. Ele então concebeu uma tristeza tão profunda pelo pecado que iria cometer que, entrando imediatamente em sua cela, acendeu um fogo e colocou os pés sobre ele. A dor que experimentou e o remorso do pecado o fizeram soltar gritos horríveis. Zoe, a mulher motivo de sua tentação, ao ouvir os gritos, correu para ver o que estava acontecendo; e tão comovida ficou diante aquela cena espantosa que, em vez de perverter o santo, se converteu e passou o resto de sua vida em lágrimas e em penitência. São Martiniano teve que passar sete meses deitado no chão sem conseguir se mover por causa dos ferimentos nos pés. Curado, retirou-se para outro deserto, onde chorou, pensando no perigo que correu de perder a sua alma. Vede o que fizeram os santos e os tormentos a que se submeteram para fugir de perder a pureza de suas almas; talvez isso o possa surpreender; mas o que deveria surpreendê-lo é a baixa estima que você tem por tão bela virtude. Infelizmente, tal desprezo deplorável vem de não conhecer na realidade o seu verdadeiro valor!
Finalmente, digo que devemos professar uma fervorosa devoção à Santíssima Virgem, se quisermos preservar esta bela virtude; da qual não devemos duvidar, se considerarmos que ela é a rainha, modelo e padroeira das virgens... Santo Ambrósio chama a Santíssima Virgem de senhora da castidade; São Epifânio a declara princesa da castidade; São Gregório, rainha da castidade... Ouçamos um exemplo que nos mostra o quanto a Santíssima Virgem protege a castidade daqueles que nela confiam, a ponto de não saber negar-lhes tudo o que lhe pedem. Um senhor muito devoto da Santíssima Virgem mandou construir uma capela em sua homenagem, numa das salas do castelo onde morava. Ninguém sabia da existência da referida capela. Todas as noites, depois do primeiro sono, sem dizer nada à esposa, levantava-se e ia à capela da Virgem, para aí passar o resto da noite.
A esposa lamentava muito este comportamento do marido porque acreditava que saía à noite para se encontrar com mulheres de baixa vida. Um dia, não mais suportando aquele sofrimento secreto, a esposa questionou ao marido o quão claro estava que ele tinha outra mulher favorita. O marido, com o pensamento na Santíssima Virgem, respondeu afirmativamente. Essa resposta feriu profundamente os sentimentos daquela mulher que, diante a situação confirmada e num acesso de fúria descontrolada, suicidou-se cravando uma adaga no peito. Quando o marido retornou da capela, deparou-se com o corpo de sua esposa banhado em sangue. Transtornado por aquela cena, fechou a porta do seu quarto e voltou à capela da Virgem, onde, desconsolado e em prantos, prostrou-se diante da imagem da Virgem, exclamando: 'Vê, ó Virgem Santa, que minha esposa suicidou-se porque vim à noite para ficar em vossa companhia. Eis que a minha esposa está condenada; vós a deixareis queimando nas chamas porque cometeu suicídio desesperado por causa de minha devoção a vós? Virgem Santa, refúgio dos aflitos, restituí a vida a ela e mostrai a vossa misericórdia em fazer o bem a todos. Não me afastarei daqui até que me alcanceis esta graça ao vosso divino Filho'.
Enquanto estava absorto em suas lágrimas e orações, ouviu uma criada o procurando e chamando por ele. 'A senhora está chamando pelos senhor' - ela lhe disse; ao que ele indagou: 'Tem a certeza que é ela quem está me chamando?' 'Sim, ouço a voz dela de dentro do quarto que está fechado'. Tomado de indizível alegria, não sabia se separava-se da companhia da Virgem ou se ia ao encontro da esposa, à qual finalmente encontrou com plena saúde. Das chagas do ferimento, restaram apenas as cicatrizes, para que jamais fosse esquecido o tão grande milagre operado pela intercessão da Santíssima Virgem. Vendo o marido adentrar o quarto, a esposa o abraçou dizendo: 'Meu amado! Estou muito grata a você por sua caridade em orar por mim'. Diante de tal prodígio da graça, passou o resto da vida em lágrimas e penitência e não tinha outro desejo senão o de mostrar a todos o quão poderosa é a intercessão da Santíssima Virgem para ajudar aqueles que nela confiam.
Podemos ter alguma dúvida de que ela nunca deixará de nos conceder tantas graças quanto pedirmos, a nós que ainda estamos na terra, um lugar tão propício para a misericórdia do Filho e para a compaixão da Mãe? Sempre que tivermos que pedir uma graça a Deus, recorramos à Santíssima Virgem e certamente seremos ouvidos. Se queremos sair do pecado, devemos ir a Maria; Ela nos pegará pela mão e nos conduzirá à presença de seu divino Filho para recebermos dEle o perdão. Queremos perseverar no bem, dirijamo-nos à Mãe de Deus; Ela nos abrigará sob o seu manto protetor e o inferno nada poderá fazer contra nós. Quereis uma prova disso? Vede aqui: lemos na vida de Santa Justina que um certo jovem sentiu um amor veemente pela santa e, vendo que nada poderia ser obtido com suas solicitações, foi obter ajuda com súdito chamado Cipriano, que tinha tratos com o demônio. Prometeu-lhe uma quantia em dinheiro caso conseguisse que Justina aceitasse com o seus maus propósitos. Imediatamente a moça foi fortemente tentada contra a pureza mas, recorrendo à proteção da Virgem, repeliu os ataques do demônio. O moço perguntou então a Cipriano porque não conseguia seduzir a donzela e este, por sua vez, questionou o demônio por sua falta de poder naquele caso, quando em outros casos semelhantes sempre satisfizera os seus desígnios. Ao que demônio respondeu: 'É verdade, mas uma vez que a jovem foi pedir a intercessão da Mãe de Deus, assim que começa a rezar, perco todas as minhas forças e não posso mais fazer nada'. Cipriano ficou tão admirado com essa revelação que, vendo que quem se volta para a Santíssima Virgem, retém o poder do próprio inferno, converteu-se de imediato e morreu santo e mártir.
Termino dizendo que, se quisermos conservar a pureza da alma e do corpo, devemos mortificar a imaginação. Nunca devemos permitir que o nosso espírito vagueie pensando naqueles objetos que nos levam ao mal, e também ter muito cuidado para não ser ocasião de pecado para os outros, seja com nossas palavras ou com a forma como nos vestimos, particularmente nesse caso para as pessoas do sexo feminino. Se por acaso nos encontrarmos diante de uma mulher vestida de forma indecente, devemos desviar imediatamente os olhos e não fazer como aqueles desgraçados que, com olhar impudente, fixam os olhos nela enquanto o diabo assim o exigir. Devemos mortificar os nossos ouvidos e nunca devemos ouvir de bom grado palavras ou canções impuras. Meu Deus, como se explica que tantos pais e mães, tantos homens e mulheres, e em tantos lugares, se prestem a ouvir sem protestar as canções mais infames, ou assistir atos que escandalizariam os pagãos, sem qualquer tentativa de evitá-los sob o pretexto de que são ninharias? Ah, desgraçados, quantos pecados os vossos filhos e filhas não haverão de cometer por vossa causa!
'Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus', diz-nos Nosso Senhor Jesus Cristo. Como são abençoados aqueles que têm a sorte de possuir esta bela virtude! Não são eles os amigos de Deus, os favoritos dos anjos, os filhos mimados da Santíssima Virgem? Peçamos frequentemente a Deus, por intercessão de nossa Mãe Santíssima, que nos dê uma alma e um coração puros e um corpo casto; e assim, possuindo a alegria de agradar a Deus nesta vida, possamos glorificá-lo por toda a eternidade: é isso o que desejo a todos.