Não, uma alma eleita não pode, nem na mais remota circunstância, ficar 'entediada' das glórias celestes ou da Visão Beatífica. Isso é algo tão absurdo, mais absurdo do que pretender colocar as águas de todos os oceanos da terra em um único e simples copo. Porque Deus de Deus, Luz da Luz - a onipotência divina - não é passível de mensuração pelo tempo, pela percepção de sentidos exteriores, pela miserabilidade da natureza humana.
Deus não pode entediar as almas dos eleitos - porque é Deus. E, em Deus, não existe amplitude, existe plenitude. E, à falta dessa percepção e esmagados pelo furor da deusa razão, os homens mensuram Deus e as coisas de Deus, incluindo o conhecimento, o amor ou a onipotência, sob a ótica humana de um deus de finitude provável. Sob a tutela desse diapasão, constroem então uma ideia falsificada e infantil da eternidade como sendo um tempo sem fim. Eternidade não é um tempo sem fim.
A eternidade não é uma medida de tempo que passa. Se fosse isso, não seria eternidade e Deus não seria Deus. Eternidade é um atributo de Deus e, tal como Deus, não teve início e nunca terá fim. Este conceito, aplicado aos homens, assume um atributo humano adicional - de circunstância. A minha eternidade - ou a eternidade de qualquer homem - teve um início definido (o momento da incorporação de uma alma ao meu corpo nascituro) e jamais terá fim.
Quando, pois, nos tornamos inseridos na eternidade de Deus, somos eternos de um Deus eterno, infinitamente imutável. Não há um tempo que passa, mas um atributo que não passa. A eternidade com Deus é o momento sublimado da graça - 'coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam' (I Cor 2,9) e infinitamente imutável - o perpétuo momento.
Não há no Céu 'momentos'; não há no Céu dias e noites, manhãs de inverno ou noites de verão. Não há nas moradas eternas um dia que a alma possa estar 'assim' e um outro dia em que ela possa estar 'não bem assim'. A plenitude divina não pressupõe 'mais' ou 'menos', nem 'pouco' ou muito': é tudo, sempre, sempre, sempre. A santidade plena aniquila por completo a necessidade ou a possibilidade de quaisquer estímulos exteriores ou de quaisquer manifestações do que seriam 'vontade' ou 'pensamento'.
No perpétuo momento, a alma está saciada infinitamente de Deus e em Deus, em todas as suas aspirações, em todas as suas vontades, em todos os seus pensamentos, em todos os seus atributos, em todas as suas necessidades. No momento perpétuo, Deus está presente em plenitude na alma, preenchendo todas as suas dimensões, espaços, tempos e aspirações, em Verdade, Conhecimento, Justiça e Caridade. E também e principalmente em Amor, Amor de eternidade.