A dor que padece e que consome a alma que é Vossa é um doce mistério. Mas Vós sabeis, ó meu Deus, que ela é obra Vossa... No começo, era uma ferida tão pequena que somente a alma podia pressenti-la; depois, aos poucos, vai crescendo e envolvendo toda a alma até se transformar em uma chaga incurável que tudo sensibiliza e vivifica. A dor que emana dessa chaga aberta, embora envolta em delícias, torna-se intolerável. A alma geme, protesta, esbraveja. Ela sabe muito bem que só existe um remédio para o seu mal: um amor maior capaz de libertá-la do seu corpo e que a faça morrer para, enfim, ser acolhida para sempre em Vossos braços. Ela quer ser tratada pelo único médico capaz de curá-la: Vós, ó meu Deus. Mas Vós não feristes essa alma amadíssima no mais íntimo senão para a possuir plenamente. Só Vós podeis alimentar nela a chama que foi acesa; alimentai-a então, pois ela já não pode mais viver sem a Vossa Presença.
Todas as almas, meu Deus, deveriam ser consumidas por essa dor misteriosa. Não sois Vós a Bondade perfeita e a Beleza infinita? O nosso coração, feito por Vós, não foi feito para Vós? Por que, então, existem tão poucas almas que Vos amam realmente?
Mas não há como nos volvermos contra Vós, ó meu Deus, mas contra nós mesmos. Porque Vós estais sempre à porta do nosso coração e clamas por ele de mil maneiras. Mas não ouvimos a Vossa voz, envolvido pelo barulho à nossa volta. E, se acaso a ouvimos, hesitamos em abrir o nosso coração e fazer Vossa por completo a nossa vontade. Na verdade, a nossa alma está doente e de um mal que a devora, que é o seu amor próprio, quando deveria estar consumida por uma dor que a faria viver em plenitude e para sempre: a dor do Vosso amor, ó meu Deus. Senhor, curai-nos dos males humanos! Fazei-nos enfermos das graças divinas e por elas morrer em Vosso amor!
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)