Nero, o sanguinário imperador romano, perseguia sem tréguas os cristãos da nascente Igreja. Temendo que São Pedro caísse nas garras do imperador, os primeiros cristãos o exortavam a sair de Roma para se proteger. E dúvidas tremendas tolhiam as ações de São Pedro: ficar e correr o risco de desaparecer junto com a Igreja nascente tão atrozmente perseguida ou fugir, levando consigo o pequeno resto para lugar seguro, na Galileia ou em Tiberíades, e proclamar bem longe de Roma as verdades de Cristo? Salvar a verdade que se temia perder ou abandonar o triunfo da fé de tantos mártires e de tanto sangue derramado? Pedro gemia a angústia dos homens raros.
- Vá, meu Senhor, vá para longe da loucura de Nero e de Roma, não permita que o poder do anticristo aniquile a glória de Deus; que nós sejamos as vítimas consentidas da crueldade humana, mas que o Vigário de Cristo não caia por terra diante do mal - suplicavam os fiéis em agonia.
Pedro envelhecido e cansado, curvado sob o peso de 30 anos de pregação contínua e peregrinações sem fim para levar adiante a mensagem de Jesus: 'Ide e Ensinai', agora mal podia conter as mãos trêmulas e os passos claudicantes. Mas não fôra a ele que Jesus tomara como pedra, fundamento da Sua Santa Igreja? Como pedra, qual destino lhe cabia: morrer pela espada ou manter viva a fé cristã longe dos portões de Roma?
- Foge, meu Senhor, foge de Roma pagã e maldita!
E Pedro fugiu. Nas primeiras horas da madrugada, furtivos e envoltos pelas sombras, Pedro e Nazario, servo fiel, tomaram o rumo da Via Appia em direção perdida. E andaram a passo rápido, ainda que o bastão do velho apóstolo tendesse a escorregar sobre as pedras polidas e entrelaçadas da via, temerosos de qualquer ruído, temerosos ainda mais do silêncio opressivo. E veio a manhã, e o sol ficou a pino, e a caminhada tornou-se ainda mais dura.
- Vês aquela luz vindo em nossa direção, que ofusca a vista...
- Não vejo nada meu senhor - respondeu Nazario.
Mas Pedro via uma luz brilhante, uma claridade ofuscante vindo em sua direção, pelo estreito caminho da Via Appia. E, cobrindo os olhos com ambas as mãos, buscava ver melhor o que não via.
- Alguém está vindo e traz o sol consigo...
E havia apenas o silêncio da planície vazia. E havia apenas o sol inclemente da manhã já avançada. E havia o suave movimento dos galhos das árvores mais altas. E aí, então, começou um rumor de uma brisa, e logo de um vento mais forte que tomou toda a planície... Nazario assustado perguntou:
- Senhor, o que está acontecendo?
Pedro deixara cair o bastão e se prostrara erguendo os braços. A Pedra da Igreja tombou para a frente até quase tocar as pedras do caminho. Levantou o rosto, tomado de grande espanto, de êxtase incontido, de medo desregrado, de excitação febril, de comoção tremenda. Diante dele, Cristo o fitava com olhar compassivo. Com voz incerta e balbuciante, Pedro disse a Jesus:
- Quo vadis, Domine?
A Nazario não chegou resposta alguma, apenas o rumor do vento suave que soprava agora. Mas Pedro ouviu a voz tão conhecida de Jesus, tão doce embora parecendo triste, mas tão clara como a manhã de sol que os envolvia:
- Vou a Roma para ser crucificado novamente, uma vez que você abandonou a minha messe.
Pedro ficou prostrado em terra, mudo, paralisado, olhando as pedras polidas da Via Appia. Nazario temeu pela vida do seu senhor e mestre e percebeu assustado que não havia mais vento, nem brisa, apenas o silêncio, o sol, e a planície nua. Pedro pediu o bastão e se levantou da terra. Olhou o sol tão alto no céu e sacudiu sua roupa, volvendo o passo atrás, em direção à Cidade das Sete Colinas.
- Aonde vais, senhor?
- Para Roma, para Roma!
E ambos tomaram o caminho de volta.
Capela à entrada da cidade de Roma, em cujas paredes se lê a inscrição com a pergunta que Pedro teria dito a Cristo e que ecoa pelos séculos: Quo vadis, Domine?
(tradução livre de excerto da obra QUO VADIS?, romance do escritor polonês Henryk Sienkiewicz (1846 - 1916), Prêmio Nobel da Literatura de 1905, sobre fotos tomadas do site ad memoriam rei perpetuam).