segunda-feira, 25 de setembro de 2017

DOCUMENTOS DE FÁTIMA (VI)

TRANSCRIÇÃO DO SEGUNDO INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (11/10/1917)

(pelo Pe. MANUEL NUNES FORMIGÃO)

 Interrogatório da Mãe de Lúcia


– Sua filha é parente do Francisco e da Jacinta? 
– É prima, porque meu marido é irmão da mãe deles. 
– Como soube que a Senhora apareceu à sua filha da primeira vez? Foi ela que lhe contou? 
– Tive conhecimento desse fato pela família das outras crianças, porque a Lúcia aconselhou os seus companheiros a não dizerem nada com receio de que lhes ralhassem. Só depois de interrogada por mim é que disse o que tinha visto. 
– Nunca repreendeu a sua filha por ir à Cova da Iria? Deu-lhe sempre inteira liberdade de lá ir, no dia 13 de cada mês? 
– Nunca a proibi de ir a esse sítio. Umas vezes perguntava-lhe se queria ir e ela respondia afirmativamente, outras vezes ela mesma dizia que ia, se eu lhe desse licença. 
– As três crianças costumam ir sozinhas ao local das aparições ou vão acompanhadas de outras crianças?
– Vão sós. Quase sempre vão também outras crianças, mas acompanhadas dos pais e ficam ao pé deles, não se juntam com a Lúcia e os primos dela. 
– As crianças guardavam gado? A quem é que ele pertencia? 
– A Lúcia guardava um pequeno rebanho de ovelhas e os primos outro. Pertenciam esses rebanhos às respetivas famílias. Às vezes juntavam o gado, mas unicamente porque queriam. As ovelhas que a Lúcia guardava, já as vendi. 
– Como é que as crianças têm ido vestidas? 
– Da primeira vez iam mal arranjadas, como andam quase sempre os pastores. Das outras vezes, no dia 13 de cada mês, vão vestidas de fato claro e levam um lenço branco na cabeça. 
– Consta-me que possui um livro intitulado 'Missão Abreviada'*, e que às vezes o lê a seus filhos. É verdade?
–  É verdade; possuo esse livro e tenho-o lido a meus filhos.
– Leu a história da aparição de La Salette diante da Lúcia e de outras crianças? 
– Só diante da Lúcia e dos outros meus filhos. 
– A Lúcia falava às vezes na história de La Salette, mostrando de qualquer modo que essa história tinha produzido grande impressão no seu espírito? 
– Nunca lhe ouvi dizer nada a esse respeito, se bem me recordo. 
– Quando as crianças foram presas pelo administrador de Vila Nova de Ourém foi alguém reclamar que as restituíssem aos pais? 
– Um irmão do Francisco e da Jacinta foi falar com elas na casa do administrador. A senhora do administrador perguntou se ia buscar as crianças, ao que ele respondeu negativamente. O próprio administrador as veio trazer à Fátima. 
– Tem vindo muita gente ver sua filha? 
– Tem vindo muita gente, quase todos os dias.

* 'Missão Abreviada' é o título de um livro do Pe. José Gonçalves Couto, publicado originalmente em 1859, com várias reimpressões. A 'Aparição de Nossa Senhora no Monte La Salette' foi publicada desde a segunda edição (1861) até a nona edição (1873) do livro.


Interrogatório de Lúcia

– Disseste-me há dias que Nossa Senhora queria que o dinheiro oferecido pelo povo fosse levado para a igreja da freguesia em dois andores. Como é que arranjam os andores e quando é que eles devem ser levados para a igreja?
– Os andores compram-se com  dinheiro oferecido e serão levados nas festas da Senhora do Rosário. 
– Sabes com certeza em que sítio é que Nossa Senhora deseja que seja edificada uma capela em sua honra? 
– Não sei ao certo, mas julgo que Ela quer a capela na Cova da Iria. 
– O que é que Ela disse que havia de fazer para que todo o povo acreditasse que ela aparecia? 
– Disse que havia de fazer um milagre. 
– Quando foi que ela disse isso?
– Disse-o umas poucas de vezes, mas só uma vez, na ocasião da primeira aparição é que lhe fiz essa pergunta. 
– Não tens medo de que o povo te faça mal se não vir nada de extraordinário nesse dia? 
– Não tenho medo nenhum. 
– Sentes dentro de ti alguma coisa, alguma força que te arraste para a Cova da Iria no dia 13 de cada mês? 
– Sinto vontade de lá ir e ficava triste se não fosse. 
– Viste alguma vez a Senhora benzer-se, rezar ou desfiar as contas do Rosário? 
– Não vi. 
– Mandou-te rezar? 
– Mandou-me rezar umas poucas de vezes. 
– Disse-te que rezasses pela conversão dos pecadores? 
– Não disse; mandou-me só rezar a Nossa Senhora do Rosário para que acabasse a guerra. 
– Viste os sinais que outras pessoas dizem ter visto, como uma estrela, rosas a despregarem-se do vestido da Senhora, etc.? 
– Não vi a estrela nem outros sinais extraordinários. 
– Ouviste algum rumor, trovão ou tremor de terra? 
– Nunca ouvi. 
– Sabes ler? 
– Não sei. 
– Andas a aprender a ler? 
– Não ando. 
– Como cumpres então a ordem que a Senhora te deu nesse sentido? 
– !....... 
– Quando dizes ao povo que ajoelhe e reze, é a Senhora que manda que o digas? 
– Não é a Senhora que manda, sou eu que quero. 
– Sempre que ela aparece, tu ajoelhas?
– Às vezes fico de pé, outras vezes ajoelho-me.
– Quando fala, a sua voz é doce e agradável? 
– É. 
– Que idade parece ter a Senhora? 
– Parece ter uns quinze anos. 
– De que cor é o cadeado do rosário? 
– É branco. 
– E a do crucifixo? 
– O crucifixo também é branco. 
– O véu cobre a testa da Senhora? 
– Não cobre. Vê-se-lhe a testa bem. 
– O esplendor que a envolve é bonito? 
– É mais bonito que a luz do sol e muito brilhante.
– A Senhora nunca te saudou com a cabeça ou com as mãos? 
– Nunca. 
– Nunca sorriu para ti? 
– Também não. 
– Costuma olhar para o povo? 
– Nunca a vi olhar para ele. 
– Ouves as conversas, rumores e gritos do povo, durante o tempo que vês a Senhora?
– Não ouço. 
– A Senhora pediu-te em maio que voltasses todos os meses até outubro à Cova da Iria? 
– Disse que voltássemos lá de mês a mês durante seis meses, no dia 13. 
– Ouviste ler a tua mãe o livro chamado 'Missão Abreviada' onde se conta a história da aparição de Nossa Senhora a um menino e uma menina?
– Ouvi. 
– Pensavas muitas vezes nessa história e falavas dela a outras crianças? 
– Não pensava nessa história nem a contei a ninguém.

 Interrogatório de Jacinta

– A Senhora recomendou que rezassem o terço? 
– Recomendou.
– Quando?
– Quando apareceu pela primeira vez. 
– Ouviste também o segredo ou foi só a Lúcia que o ouviu?
– Eu também ouvi. 
– Quando o ouviste? 
– Da segunda vez, no dia de Santo António. 
– Esse segredo é para serem ricos? 
– Não é. 
– É para serem bons e felizes? 
– É. É para bem de todos três. 
– É para irem para o Céu? 
– Não é. 
– Não podes revelar o segredo?
– Não posso. 
– Por quê? 
– Porque a Senhora disse que não disséssemos o segredo a ninguém. 
– Se o povo soubesse o segredo, ficava triste? 
– Ficava. 
– Como tinha a Senhora as mãos? 
– Tinha-as erguidas. 
– Sempre erguidas? 
– Às vezes volta as palmas para o céu. 
– A Senhora disse em maio que queria que fossem à Cova da Iria mais vezes? 
– Disse que queria que fôssemos lá durante seis meses, de mês a mês, até que em outubro dissesse o que queria. 
– Ela tem na cabeça algum resplendor?
– Tem. 
– Podes olhar bem para o rosto? 
– Não posso, porque faz mal aos olhos. 
– Ouviste sempre bem o que a Senhora disse? 
– Da última vez não ouvi tudo por causa do barulho que o povo fazia. 

 Interrogatório de Francisco

– Que idade é que tens? 
– Tenho nove anos feitos.
– Só vês a Senhora ou ouves também o que Ela diz? 
– Só a vejo, não ouço nada do que Ela diz. 
– Tem algum clarão em volta da cabeça?
– Tem. 
– Podes olhar bem para a cara dela? 
– Posso olhar, mas pouco, por causa da luz. 
– Tem alguns enfeites no vestido? 
– Tem uns cordões de ouro. 
– De que cor é o crucifixo do rosário? 
– É branco. 
– E a cadeia do rosário? 
– Também é branca. 
– O povo ficava triste se soubesse o segredo? 
– Ficava.

[Documentação Crítica de Fátima - Seleção de Documentos (1917 - 1930), Doc. 11]