quinta-feira, 9 de maio de 2019

SOBRE OS MAUS PENSAMENTOS

A respeito dos maus pensamentos encontra-se, muitas vezes, um duplo engano:

(i) Almas que temem a Deus e não possuem o dom do discernimento e são inclinadas aos escrúpulos, pensam que todo mau pensamento que lhes sobrevêm é já um pecado. Elas estão enganadas, porque os maus pensamentos em si não são pecados, mas só e unicamente o consentimento neles. A malícia do pecado mortal consiste toda e só na má vontade, que se entrega ao pecado com claro conhecimento de sua maldade e plena deliberação de sua parte. E, por isto, Santo Agostinho ensina que não pode haver pecado onde falta o consentimento da vontade.

Por mais que sejamos atormentados pelas tentações, pela rebelião de nossos sentidos, pelas comoções ou sensações desregradas de nossa natureza corpórea, não existe pecado algum enquanto faltar o consentimento, como ensina também São Bernardo, dizendo: 'O sentimento não causa dano algum, contanto que não sobrevenha o consentimento'.

Para consolar tais almas timoratas e escrupulosas, quero oferecer-lhes aqui uma regra prática, aceita por quase todos os teólogos: Quando uma alma que teme a Deus e detesta o pecado, duvida se consentiu ou não em um mau pensamento, não está obrigada a confessar-se disso, porque, em tal caso, se tivesse realmente cometido um pecado mortal, não estaria em dúvida a esse respeito, porque o pecado mortal, para uma alma que teme a Deus, é um monstro tão horrendo, que não poderá ter entrada em seu coração sem o perceber.

(ii) Outros, que possuem uma consciência mais relaxada e são mal instruídos, julgam, pelo contrário, que os maus pensamentos nunca são pecados, mesmo havendo consentimento neles, contanto que não se chegue a praticar. Este erro é muito mais pernicioso que o primeiro. O que se não pode fazer, não se pode também desejar; por isso, o mau pensamento em si contêm toda a malícia do ato. Assim como as más obras nos separam de Deus, também os maus pensamentos nos afastam dEle e nos privam de sua graça:  'Pensamentos perversos nos separam de Deus' (Sb 1, 3). Como as más obras estão patentes aos olhos de Deus, também a sua vista alcança todos os nossos maus pensamentos para condená-los e puni-los, pois 'um Deus de ciência é o Senhor, e diante dEle estão patentes todos os pensamentos' (I Rs 2, 3).

(Santo Afonso Maria de Ligório)