sábado, 10 de maio de 2014

DA NOBREZA ESPIRITUAL

É no mundo do homem, em que tudo lisonjeia os sentidos e a vaidade, que devemos criar uma solidão sagrada, praticar a renúncia e deixarmo-nos despojar de acordo com as exigências da graça. Mas nenhuma perda resulta para nós de tudo isso: de cada vez que renunciamos a uma satisfação aparente, é-nos assegurado um aumento de verdadeiros bens. Os prazeres que o mundo procura são uma decepção constante, gelam o coração e deixam-no vazio diante da morte, enfraquecem o seu instinto de nobreza e privam-no da sua paz, e levam-no muitas vezes ao desespero. Pois este mundo continua surdo à palavra de Cristo e recusa-se a acreditar na verdade que lhe diz respeito, defende-se com a ira contra a alegria de Cristo, contra Deus e contra os seus, cuja sentença receia. 'Agora vou para ti; e digo estas coisas estando ainda no mundo, para que eles tenham em si mesmos a plenitude do meu gozo. Dei-lhes a tua palavra e o mundo os odiou, porque não são do mundo, como também eu não sou do mundo' (Jo 18, 13-14).

Não é o nosso valor pessoal que nos torna dignos do olhar de Deus: Ele só procura em nós a imagem do Seu Filho, o fruto da Sua paixão e a riqueza que mereceu para nós morrendo por nós. Esta lembrança do amor infinito é, infelizmente, ignorada pela maior parte dos homens, e parece estar perdida para eles. Outros, embora não a desconheçam completamente, só tiram dela um medíocre proveito, porque não penetram em espírito até à sua realidade profunda e só traduzem na sua vida uma parte mínima dela. Teremos nós a coragem de pagar com tão grande ingratidão a generosidade divina?

Sermos chamados à dignidade de filhos de Deus e termos a possibilidade ilimitada de tirar dos tesouros da Sua graça uma semelhança cada vez maior com o Filho, é um destino que não pode ser comparado com nenhum daqueles que as potências criadas nos prometem. Deus quer comprazer-Se em nós e o Seu desígnio eterno é tornar-nos semelhantes a Jesus. 'Porque os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos' (Rom 8, 29).

Não há ninguém que não seja convidado para esta glória: para nela participar, basta seguir fielmente as inspirações da graça, viver interiormente e procurar o essencial, isto é o amor em todas as ocasiões que se nos depararem durante o dia. Não temos nenhuma razão válida para retardarmos o nosso consentimento, para continuarmos a preferir as vozes da natureza e os ruídos do mundo à oração de Cristo. Quem não procura a união com Deus e não mantém com Ele uma relação viva, porque prefere uma pobreza sórdida aos dons mais ricos que o Espírito incita constantemente a aceitar. Deus não afasta nenhum homem da Sua amizade; pelo contrário, insiste com todos de tal maneira, que o Seu convite quase que força as vontades rebeldes, e toda a tragédia das nossas vidas consiste neste desprezo que opomos à generosidade divina. O ambiente frio da ausência de Deus dá-nos um antegosto da condenação eterna: em vez de um céu interior, é um inferno que trazemos dentro de nós, quando o elo se rompeu por culpa nossa. Pois infelizmente temos o poder de asfixiar a semente que foi posta na nossa alma para crescer e dar fruto. Todo o nosso tempo, todas as nossas forças, as nossas faculdades e as nossas capacidades devem ser consagrados a este crescimento da vida eterna. Os objetos e os atos mais insignificantes devem continuar a alimentá-la para que nada se perca da obra de Deus.

Com efeito, não há nada que não possa e não deva ser santificado pela dádiva, que não possa servir para a glória do amor numa criatura humana unida ao Verbo divino. Não recusemos nada do que nos é pedido para esta vida misteriosa dentro de nós, e vê-la-emos desenvolver-se até a plenitude que ultrapassa todas as palavras. «Até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo; para que não mais sejamos meninos flutuantes, e levados, ao sabor de todo o vento de doutrina, pela malignidade dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro, mas, praticando a verdade na caridade, cresçamos em todas as coisas naquele que é a cabeça, o Cristo» (Ef 4, 13-15).

Acontece com a vida interior o mesmo que acontece com a vida vegetal e os cuidados que esta requer: é preciso eliminar todas as excrescências adventícias ou anormais que fariam desviar o seu impulso e ameaçariam o seu fruto. Daí o conselho para visarmos a única coisa necessária, para não nos perdermos no que é meramente acidental. Para levar até à sua plenitude a obra que Deus começou em nós, precisamos de ter uma consciência delicada, que compreenda logo as sugestões de Deus, e uma coragem viril para as seguir sem compromissos. Que seja Deus a única razão profunda e o motivo de todas as nossas ações! Nenhuma autoridade no mundo tem o direito de nos desviar. Lutaremos sempre para manter a nossa intenção pura e agradável a Deus. 'Se o teu olho for simples, todo o teu corpo terá luz' (Mt 6, 22).

O Salvador diz que são bem-aventurados os pobres em espírito, que não estão presos às coisas deste mundo, e não querem possuir mais nada senão Ele. Não têm o coração fechado no horizonte duma riqueza terrestre: têm-no aberto para o céu. Não estão à espera dos privilégios dos primeiros lugares, nem das vantagens da fortuna: não procuram parecer grandes aos olhos do mundo, sabem que não são nada diante de Deus, que distribui pelos humildes as suas riquezas e lhes revela os seus segredos. Foi para nos advertir que Cristo proferiu estas ameaças: 'Ai de vós, ricos! porque tendes a vossa consolação neste mundo! Ai de vós, os que estais saciados! Ai de vós quando os homens vos louvarem!' (Lc 6, 24-26).

A renúncia àquilo a que os homens chamam riqueza é uma das primeiras garantias da liberdade interior. Bem-aventurados os que se despojam e se deixam despojar em espírito de fé! A sua pobreza de um dia transformar-se-á em riqueza duradoura e alcançarão a paz. Eles não a trocariam por todos os tesouros do mundo: são as arras da eternidade. 'Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus!' (Mt 5, 12).

Conservarmo-nos voltados para Deus em todas as nossas ocupações não significa, de nenhum modo, abandonar o próximo, ignorar as realidades que nos cercam. O dever mais elevado não exclui a fidelidade às ocupações secundárias; pelo contrário, inspira-a e exige-a. Aqueles cujo espírito se volta para a verdade primária são os que se entregam às tarefas mais insignificantes: encontram nelas o clarão da glória divina, tão puro como nas ocupações que - sem razão - costumam ser consideradas como nobres ou importantes. Ouvem constantemente as palavras de Cristo: 'Tudo o que fizeste a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes' (Mt 25, 40). 'E todo o que der a beber um único copo de água fria a um destes pequeninos só a título de ser meu discípulo, na verdade vos digo que não perderá a sua recompensa' (Mt 10, 42).

O crescimento e o desabrochar da semente divina nas almas fiéis é um espetáculo que os anjos contemplam. Ultrapassa o horizonte dum destino pessoal: ressoa na harmonia dos mundos, a quem esta sagração de uma criatura confere uma nova beleza. Se a história registrasse os acontecimentos segundo a sua importância real, uma alma que se torna filha de Deus ocuparia um lugar muito mais importante do que as coroações e as conquistas. Assim como o pecado perturbou todo o universo, assim também o regresso do homem à intimidade divina restitui à criação a ordem e o brilho perdidos. Um inimigo de Deus que se torna Seu amigo é uma aurora mais luminosa do que a de um novo sol no firmamento. 'Os justos brilharão como o sol no reino do seu Pai' (Mt 13, 43).

Logo que o homem, vivendo da fé, renuncia generosamente a si próprio, fica inundado de luz e transformado pelo amor. Mas primeiro é necessário que à nossa volta o mundo se tenha reduzido ao silêncio, ou pelo menos que a sua voz seja dominada pelo sim e pelo amor da alma que responde à graça divina. É este diálogo interior que dá sentido ao universo e habitua o homem à condição eterna. 'Vós já não sois hóspedes, nem adventícios, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus' (Ef 2, 19).

A criatura entra assim na mais íntima relação com o Criador, que Se inclina para ela com terna solicitude para satisfazer os seus desejos. 'Conforme a determinação eterna que ele realizou em Jesus Cristo Nosso Senhor, no qual temos segurança e acesso a Deus com confiança, por meio da fé nele' (Ef 3, 11-12).

O amor não escolhe palavras, exprime-se sem se importar com fórmulas ou convenções: 'A boca fala da abundância do coração' (M 12, 34). De resto, quando dois corações que se amam se encontram um com o outro, o silêncio é muitas vezes mais expressivo do que as palavras: traduz melhor a comunicação imediata duma plenitude. Que alegria entregarmo-nos totalmente a Jesus e pertencermos-Lhe sem condições! E que enriquecimento para nós se, recolhendo-nos, soubermos dar lugar ao Espírito de Cristo, num consentimento de todo o nosso ser, numa comunhão muda de alma com alma! É isto que o Mestre espera de nós: quer-nos unidos a Ele com toda a simplicidade, para que o nosso coração no meio das preocupações e dos deveres de estado, não se afaste um só instante da Sua presença. 'É preciso orar sempre e não cessar de o fazer' (Lc 18, 1).

É uma coisa que ultrapassa as nossas capacidades naturais, mas se, ajudados pela Sua graça, cumprirmos fielmente as condições enunciadas no Evangelho de Cristo, podemos estar certos de que Ele Se antecipará aos nossos desejos. Pois Ele tem sede de Se dar e de espalhar o Seu amor sobre os homens, que se mostram tão ingratos para com a caridade infinita e parecem desprezar as Suas tentativas de aproximação. Até mesmo entre aqueles que parecem querer dedicar-se ao Seu serviço de coração sincero, encontramos muitas vezes uma imperfeita consciência das exigências e dos dons do amor: o próprio zelo que os leva à ação parece tornar impossível o calmo abandono em que estabeleceria com Deus uma relação interior, pessoal e viva. Contudo, esta união não poria o mínimo obstáculo à sua atividade, e nada os desculpa de não fazerem caso da fonte mais rica que o Criador fez brotar: Ele quer agir pelas nossas mãos, quer que sejamos instrumentos ao Seu serviço, instrumentos dotados de liberdade e de vida sobrenaturais, na medida em que se prestam à vontade divina. É assim que o homem se realiza e se ultrapassa. 'Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus' (Rom 8, 14).

Deixarmo-nos armar cavaleiros de Cristo é entrarmos na família divina: já não estarmos sós, estamos acompanhados pelo céu que trazemos dentro de nós. 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a Ele, e faremos nele morada' (Jo 14, 23).

Tal é a abundante recompensa que nos traz a fé vivida no amor os horizontes humanos foram ultrapassados; doravante é com Deus que contamos para nos guiar: Ele ilumina os nossos passos e mostra-nos o caminho. A única coisa que precisamos fazer é segui-lO: a noite acabou, a luz da alvorada anuncia-nos o dia eterno. A terra ainda está na sombra, é verdade, mas ela diminui cada vez mais e desaparece ante a pureza da manhã. A própria sombra é testemunha da aproximação da luz que a projeta. A verdadeira luz revelou-se aos nossos olhos e apareceu-nos. 'Naquele dia vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós' (Jo 14, 20).

(Excertos da Obra 'Intimidade com Deus', de um cartuxo anônimo)

sexta-feira, 9 de maio de 2014

ABERRAÇÕES LITÚRGICAS (V)


Até o Concílio Vaticano II, o candidato à ordenação sacerdotal recebia as quatro 'ordens menores': ostiorado, leitorado, exorcista e acolitato, E depois as três 'ordens maiores': subdiaconato, diaconato e sacerdócio. Cada ordem era conferida segundo um determinado rito litúrgico. Assim, por exemplo, o leitor tinha a faculdade de ler partes dos textos sagrados e o exorcista recebia o poder de impor as mãos sobre os endemoniados. Era assim: a heresia modernista vai solapar os alicerces deste múnus litúrgico. 

Em motu proprio de 15 de agosto de 1972, Paulo VI reformou o que antes se chamava de ordens menores, conservando daquelas unicamente o leitorado e o acolitado como ministérios 'instituídos' e não 'ordenados', com a seguinte justificativa: 'Assim aparecerá também melhor a diferença entre clérigos e leigos, entre o que é próprio e está reservado aos clérigos e o que pode ser confiado aos leigos cristãos: deste modo se verá mais claramente a relação mútua, em virtude da qual o sacerdócio comum dos fiéis e sacerdócio ministerial ou hierárquico, ainda que diferentes essencialmente e não só em grau, se ordenam contudo um ao outro, pois ambos participam, de sua maneira, do único sacerdócio de Cristo' (Paulo VI, Ministeria Quaedam).

Em outubro de 2008, o XII Sínodo dos Bispos aprovou, por grande maioria, a proposição número 17 (que, entre todas as proposições, foi a que recebeu mais votos contrários) que recomendava ao Papa  Bento XVI a aplicação do ministério não 'ordenado' do leitorado às mulheres: 'É desejável que o ministério do leitorado se abra também às mulheres, de maneira que na comunidade cristã se reconheça seu papel de anunciadoras da Palavra'. Tal proposição, evidentemente, não se referia à participação das mulheres nos atos da proclamação da Palavra de Deus durante as missas, algo tomado como absolutamente trivial hoje em dia. Tratava-se de algo muito maior no sentido de se promover a inserção das mulheres nas estruturas eclesiais. 

Em 30 de setembro de 2010, foi publicada a Exortação Apostólica Verbum Domini pelo Papa Bento XVI, em resposta aos temas tratados na XII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada em 2008. Embora reconhecendo 'a contribuição do 'gênio feminino' – assim lhe chamava o Papa João Paulo II – para o conhecimento da Escritura e para a vida inteira da Igreja' (Verbum Domini, 85), o papa não ratificou como nem mesmo tratou explicitamente a questão do ministério do leitorado às mulheres no documento.

Numa época de tantas e tão graves distorções das normas litúrgicas, o freio imposto pelo papa teve efeitos limitados. As mulheres invadiram literalmente o ministério litúrgico e praticamente já podem fazer tudo, menos celebrar a missa e atender confissões. Na presunção de assumir seu papel na Igreja, muitas vezes de bom grado e ungidas das melhores intenções, pervertem os mistérios de Deus. 




(Celebração Rosa, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, Paróquia Santo Inácio de Loyola, Bebedouro / São Paulo)

Doem-lhes estas palavras? Então, na contradição espantosa das vertigens humanas, tomem para si o exemplo de Nossa Senhora e, ao mesmo tempo, invoquem privilégios. Ou, então, se pranteiem de aleivosias e ridicularizem as palavras de São Paulo: 'Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas assembleias: não lhes é permitido falar, mas devem estar submissas, como também ordena a lei. Se querem aprender alguma coisa, perguntem-na em casa aos seus maridos, porque é inconveniente para uma mulher falar na assembleia' (I Cor 14, 34 - 35).

quinta-feira, 8 de maio de 2014

FOTO DA SEMANA

O DRAMA DO FIM DOS TEMPOS (FINAL)

DOS ESCRITOS PROFÉTICOS DO Pe. R. P. EMMANUEL 

DÉCIMO PRIMEIRO ARTIGO: CONCLUSÃO (fevereiro de 1886*)

Chegamos ao termo do nosso estudo. Lançando um olhar sobre nossos destinos futuros, nos apoiamos unicamente nessas profecias que formam parte integrante da Escritura divina inspirada. A substância de nosso trabalho é, pois, tirada das próprias fontes onde se alimenta a fé católica; e nós pensamos que não se possa negar, sem temeridade, o que adiantamos no tocante ao acontecimento do Anticristo, o aparecimento de Henoc e Elias, a conversão dos judeus, os sinais precursores do julgamento.

Onde poderíamos nos enganar, seria nos comentários que fizemos de diversas passagens do Apocalipse, assim como no encaminhamento que procuramos estabelecer entre os acontecimentos citados mais acima. Mas, se erramos, foi seguindo intérpretes autorizados, no mais das vezes os padres da Igreja. Estaremos errados em ver no presente estado do mundo os prelúdios da crise final que está descrita nos Livros Santos? Não cremos. A apostasia começada nas nações cristãs, o desaparecimento da fé em tantas almas batizadas, o plano satânico da guerra travada contra a Igreja, a chegada ao poder das seitas maçônicas são tais fenômenos que não poderíamos imaginar mais terríveis.

No entanto, não gostaríamos de forçar nosso pensamento. A época em que vivemos é indecisa e atormentada. A humanidade está inquieta e hesitante. Ao lado do mal há o bem; ao lado da propaganda revolucionária e satânica, há um movimento de renascimento católico, manifestado em tantas obras generosas e santas empresas. As duas correntes se desenham cada dia mais claramente; qual das duas arrastará a humanidade? Só Deus sabe, Ele que separa a luz das trevas, e marca seus respectivos lugares (Jó 38, 19-20).

Aliás, é certo que a carreira terrestre da Igreja está longe de ser encerrada: talvez ela nunca tenha estado tão aberta. Nosso Senhor nos deu a conhecer que o fim dos tempos não chegará antes que o Evangelho tenha sido pregado em todo o universo, em testemunho a todas as nações (Mt 24, 14). Ora, pode-se dizer que o Evangelho foi pregado no coração da África, na China, no Tibet? Alguns raios de luz não fazem um dia: alguns faróis acesos ao longo das costas não afastam a noite das terras profundas que se estendem por trás delas.

Como a Igreja percorrerá essa etapa? Sob que auspícios levará às nações que o ignoram ou que o receberam insuficientemente, o testemunho prometido por Nosso Senhor? Será uma época de relativa paz? Será entre as angústias de uma perseguição religiosa? Pode-se formular hipóteses nos dois sentidos. A Igreja se desenvolve de uma maneira que desconcerta as previsões humanas; quem se lembra das maravilhosas conquistas feitas em terras de infiéis no momento mais agudo da crise do protestantismo?

Na realidade, a mais absoluta confiança nos magníficos desígnios futuros da Igreja não é incompatível com nossas reflexões e nossas conjecturas sobre a gravidade da situação presente. Estimando que assistimos aos prelúdios da crise que trará a aparição do Anticristo no cenário do mundo, nos guardamos de querer precisar o tempo e o momento; o que veríamos como uma temeridade ridícula. Que se nos permita uma comparação que explicará nosso pensamento.

Acontece ao viajante descobrir, em certo ponto da estrada, uma vasta extensão de terra, limitada no horizonte por montanhas longínquas, mas que não saberia avaliar a distância que o separa delas. Quando empreende atravessar essa distância intermediária, encontra barrancos, colinas, riachos, e o fim parece se afastar à medida que dele se aproxima.

Assim são, para nós, os tempos presentes, em nossa humilde opinião. Podemos pressentir a crise final vendo se urdir e se desenvolver, sob nossos olhos, o plano satânico do qual ela será o coroamento. Mas do ponto em que estamos até a hora da crise, quantas surpresas nos estão reservadas para o futuro! Quantas restaurações do bem, sempre possíveis! E também quanto progresso do mal! Quantas alternativas na luta! Quantas compensações ao lado das perdas! É nisto que é preciso reconhecer, com Nosso Senhor, que só ao Pai pertence dispor dos tempos e dos momentos. Non est vestrum nosse tempora vel momenta, quæ Pater possuit in sua potestate (At 1, 7). 

Nesta incerteza, dominada pelo pensamento da Providência, o que fazer? Vigiar e orar. Vigiar e orar, porque os tempos estão incontestavelmente perigosos, instabut tempora periculosa (2 Tm, 3, 8); porque, nesta época de escândalo, é grande o perigo de perder a fé. Vigiar e orar, para que a Igreja faça sua obra de luz, a despeito dos homens das trevas. Vigiar e orar para não cair em tentação. Vigiar e orar todo o tempo, para sermos achados dignos de fugir dessas coisas que sobrevirão no futuro e de nos mantermos em pé em presença do Filho do homem: Vigilat, omni tempore orantes ut digni habeamini fugere ist omnia quæ futura sunt et stare ante filium hominis (Lc 21, 24).

(Excertos da obra 'O Drama do Fim dos Tempos, do Pe. R.P. Emmanuel, prior do Mosteiro de Mesnil-Saint-Loup, Ed. Permanência, 2004)

Foi pouco antes (1884) que o Papa Leão XIII escreveu sua famosa oração de exorcismo pela intercessão de São Miguel Arcanjo, em face de sua profética visão sobre a ação futura do inferno sobre a Santa Igreja)

terça-feira, 6 de maio de 2014

PALAVRAS DE JESUS SOBRE O INFERNO

Muita gente pergunta se Deus, sendo tão bom poderia ter criado o Inferno. Vejamos um pouco o que Ele mesmo diz através de seu Filho, que é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e, portanto, o mesmo Deus, que se encarnou e viveu entre nós. Jesus Cristo proclama, pelo menos quinze vezes, a existência deste lugar de tormentos. Para causar em nós um saudável temor e dar-nos uma ideia justa do inferno, Ele o chama: fogo inextinguível, trevas exteriores, onde haverá pranto e ranger de dentes, lugar de tormentos, fornalha de fogo, Geena de fogo.

A Geena era um vale perto de Jerusalém, onde alguns maus hebreus, apóstatas de sua religião, sacrificavam ao ídolo Moloc os seus filhinhos, expondo-os antes ao fogo. O piedoso rei Josias, para abolir esse bárbaro costume, mandou aterrar o vale, ordenando que se lançasse aí o lixo da cidade e os cadáveres aos quais fosse negada a sepultura; e, como medida profilática, o fogo era mantido sempre aceso nele. Nosso Divino Salvador, para tornar mais sensível a ideia do inferno, tomou a imagem desse vale, que os hebreus abominavam, dando-lhe precisamente o nome de Geena.

Na parábola do rico epulão, tão cheia de ensinamentos, e que tanto incomoda aos ricos gozadores do mundo, Jesus nos ensinou que o mau uso das riquezas leva inevitavelmente ao inferno, enquanto as dificuldades e as privações suportadas por amor de Deus conduzem ao lugar de eterna felicidade. “Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho, e que todos os dias se banqueteava esplendidamente. Havia também um mendigo, chamado Lázaro, o qual recoberto de chagas, estava deitado à sua porta, desejando saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, e ninguém as dava para ele; mas os cães vinham lamber-lhe as feridas.

'Ora, aconteceu morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Faleceu também o rico, e foi sepultado no inferno. E, quando estava nos tormentos, levantando os olhos, viu ao longe Abraão, e Lázaro em seu seio; e, gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo, para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nesta chama. E Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te que recebeste os bens em tua vida e Lázaro, ao contrário, males, por isso agora ele é consolado e tu és atormentado. E, além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os de aí passar para cá. E disse: Rogo-te pois, ó pai, que o mandes a casa de meu pai. Pois tenho cinco irmãos para que os advirta disto e não suceda virem também eles parar neste lugar de tormentos. E Abraão disse-lhe: Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Ele, porém, disse: Não, pai Abraão, mas se algum dos mortos for ter com eles, farão penitência. E ele disse-lhe: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscitasse algum dos mortos'. (Lc 16, 19-31).

Aqui está, descrito com cores vivas, aquele reino de dor, onde um fogo abrasador e horrível atormentará, sem um instante de trégua, o mísero condenado: Uma gota, uma única gota de água pedia o epulão para mitigar os insuportáveis ardores da sede, e essa gota lhe foi negada sem dó! Ai! Quem de vós, brada aos ímpios o Profeta Isaías, cheio de espanto, quem de vós poderá habitar nesse fogo devorador? Nesses ardores eternos? Ao final da parábola, acena-se à repugnante incredulidade de tantos infelizes que vivem mergulhados nos vícios, não se importando com as verdades eternas, nas quais não creriam nem mesmo se aparecesse algum condenado para lhes atestar a existência do inferno. Qual não será o seu desespero quando se virem, um dia, sepultados naquele abismo de tormentos, sem a menor esperança de saírem de lá?

Em outra parte, Jesus Cristo descreve o juízo universal que Ele fará no fim do mundo, e a sentença de condenação eterna que proferirá contra aqueles que não praticarem as obras de misericórdia para com os seus irmãos, e que serão precipitados no fogo que nunca se acaba, preparado para o demônio e seus sequazes. Quanto temor não causa à alma a consideração deste trecho do Evangelho! Ah! Se os libertinos, que negam com tanto atrevimento a vida futura, refletissem um pouco, certamente mudariam de vida! Foi fruto desta meditação aquela tão sublime poesia do Dies irae, que é o gemido de uma alma toda compenetrada do terror do juízo divino e do destino eterno que a espera depois.

'Quando vier o Filho do homem em Sua majestade, e todos os anjos com Ele, então se sentará sobre o trono da Sua majestade, e serão todos os povos congregados diante dEle, e separará uns dos outros como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E porá as ovelhas à Sua direita, e os cabritos à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à Sua direita: Vinde benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo; porque tive fome, e destes-Me de comer; tive sede, e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; nu, e Me vestistes; enfermo, e Me visitastes; estava no cárcere e fostes Me visitar. Então Lhe responderão os justos, dizendo: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto e Te demos de comer; com sede e Te demos de beber? E quando Te vimos peregrino, e Te recolhemos; nu, e Te vestimos? Ou quando Te vimos doente, ou no cárcere e fomos visitar-Te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes'.

'Então dirá também aos que estiverem à esquerda: Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos; porque tive fome, e não Me destes de comer; tive sede e não Me destes de beber; era peregrino, e não Me recolhestes; nu, e não me vestistes; enfermo e no cárcere e não Me visitastes. Então eles também Lhe responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto, ou sequioso, ou peregrino, ou nu, ou enfermo, ou no cárcere, e não Te assistimos? Então lhes responderá, dizendo: Na verdade vos digo: todas as vezes que não o fizestes a um destes mais pequeninos, a Mim não o fizestes. E estes irão para o suplício; e os justos para a vida eterna.' (Mt 25, 31-46).

E para tornar mais familiar, quase visível, ao povo o pensamento do inferno, usa a comparação dos rebentos e da videira. 'Eu sou a videira e vós os rebentos. O que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque, sem Mim, nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o rebento, e secará, e o enfeixarão, e o lançarão no fogo, e arderá.' (Jo 15, 5-6). Depois, falando dos escândalos, nosso bendito Salvador, geralmente tão cheio de doçura e mansidão, toma um tom terrível e os ameaça de condenação eterna.

'Ai do mundo por causa dos escândalos! Porque é necessário que sucedam escândalos; mas ai daquele homem pelo qual vem o escândalo! E, se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor te é entrar na vida maneta, do que, tendo duas mãos, ir para o inferno, para o fogo inextinguível, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga. E se o teu pé te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés, ser lançado no inferno, num fogo inextinguível, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga. E se o teu olho te escandaliza, lança-o fora; melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho, do que tendo dois, ser lançado no fogo do inferno, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga. Porque todo o homem será salgado pelo fogo, e toda vítima será salgada com sal.' (Mc 9, 42-48).

Explica São Tomás que esse verme que não morre é o remorso da consciência, que há de atormentar o condenado no inferno para sempre; remorso pelo grande bem que perdeu, ele que tinha tantos meios de se salvar. A expressão será salgado pelo fogo significa que, assim, como o sal conserva as coisas, assim o fogo, no qual os condenados serão imersos, ao mesmo tempo que faz sofrer atrozmente, os conserva sempre em vida. Aí o fogo consome, diz São Bernardo, para conservar sempre. Neste trecho, faz-se clara alusão aos sacrifícios legais que os hebreus tinham sempre diante dos olhos, e nos quais estava prescrito que se aspergisse com sal a vítima que era oferecida a Deus: Na verdade, os condenados são como vítimas da justiça divina.

Eis como Jesus Cristo proclama continuamente no Evangelho o dogma do inferno, prevendo os assaltos que os incrédulos e libertinos dariam ao mesmo. Quanto a nós, permaneçamos inabaláveis em nossa crença, certos da existência do inferno, como da existência do Sol, da Lua e das outras coisas que nos cercam. Deus o revelou a nós e o ensina por meio da Igreja, e a palavra de Deus não falha.

(Excertos da obra 'O Inferno Existe' do Pe. André Beltrami)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

ORAÇÕES DE MAIO: POR INTERCESSÃO DE MARIA (I)


Ó minha Soberana Rainha e Digna Mãe de Meu Deus, Maria Santíssima: ao me ver como eu sou, tão desprezível e sobrecarregado com tantos pecados, não ousaria chamar-te de Mãe e nem mesmo me aproximar de ti; mas eu não vou permitir que as minhas misérias me privem da consolação e confiança que sinto em chamar-te de Mãe. Sei bem que mereço ser rejeitado por ti; mas peço-te considerar tudo o que o teu Filho Jesus sofreu por mim e, então, após isso, rejeita-me se puderes.

Eu sou um mísero pecador que, mais do que todos os outros, tem desprezado a majestade infinita de Deus; mas o mal está feito. A ti venho recorrer; tu podes me ajudar; ó minha Mãe, me ajude! Não digas que não podes fazê-lo; pois eu sei o quanto és poderosa e que tu obténs tudo o que pedes junto a Deus; e, se acaso disseres que não me podes ajudar, diga-me, pelo menos, a quem eu possa interceder por este tão grande infortúnio. 'Tem piedade de mim', direi com o devoto Santo Anselmo: 'Ó meu Jesus, perdoai-me e tem piedade de mim, minha Mãe Maria, intercede por mim, ou pelo menos me instrua a quem recorrer, que possa ser mais compassivo ou em quem eu possa ter maior confiança do que em ti': Aut miseremini miseri, tu parcendo, tu interveniendo; aut ostendite, ad Quos tutius fugiam misericordiores; et monstrate, em quibus certius confidam potentiores' (Orat. 50). Amém.

(Excertos da obra 'Glórias de Maria', de Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 4 de maio de 2014

NO CAMINHO PARA EMAÚS

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo da Páscoa


No caminho para Emaús, cidadezinha distante pouco mais de 10km de Jerusalém, Jesus vai manifestar, mais uma vez, a glória da Ressurreição aos seus discípulos. Como que por acaso, Jesus os toma para Si na longa caminhada, numa contemplação aparente de um mero convívio humano, nascido das circunstâncias de três peregrinos na mesma direção: 'quando eles iam conversando e discorrendo entre si, aproximou-Se deles o próprio Jesus e caminhou com eles' (Lc 24, 15). Não há nada de circunstancial ou de mera rotina neste encontro sobrenatural: tal grande manifestação da graça de Deus faz dele um evento singular e extraordinário.

E, de algum modo absolutamente sobrenatural, os discípulos não reconhecem Jesus, a exemplo daqueles que O encontraram às margens do mar de Tiberíades e também não O reconheceram a princípio (Jo 21,4). Movidos pelas emoções humanas, retratam a Paixão e Morte do Senhor àquele 'único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias' (Lc 24, 18). Eles se referiram ao Senhor como um profeta poderoso, muito provavelmente ciente dos riscos de serem denunciados e presos por proclamarem a um desconhecido a condição de serem discípulos dAquele que deveria libertar Israel, de acordo com as suas próprias motivações e perspectivas.

No caminho para Emaús, os dois discípulos expressam, num turbilhão de emoções, os sentimentos de angústia, tristeza, decepção, perturbação e esperança. E é esta esperança que vai torná-los testemunhas do amor. Jesus os repreende pela perturbação que se levanta como o pó da estrada; Jesus os orienta, por meio dos textos bíblicos, no caminho da santificação plena e no entendimento de toda Verdade de Deus. Jesus ilumina para sempre os seus corações, na tarde ensolarada que declina.

E, ficando com eles, o Senhor se vai, manifestando, mais uma vez, o mistério concreto da Santa Eucaristia como a permanência de Deus Vivo entre os homens: 'Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles' (Lc 24, 30 - 31). Como os dois discípulos de Emaús, na Santa Eucaristia, nós reconhecemos e, mais do que reconhecer, nós ficamos com Jesus, na poeira das estradas do mundo, na certeza da caminhada rumo à eternidade com Deus.