O que temos que repetir muitas vezes, embora seja surpreendente e, à primeira vista, até mesmo intrigante, é que essa posse de Deus pela alma é a coisa mais real que existe no mundo. Existem algumas almas que podem dizer verdadeiramente: 'Deus está em mim'. E não há nenhum exagero ou ilusão nisso. Essa fala é a expressão fiel da realidade. É verdade que essa posse de Deus tem graus muito diferentes. Mas há um pano de fundo comum a todos eles, bem traduzido pelo Cântico dos Cânticos: 'Meu bem amado é meu'. Antes, a alma interior desejava a Deus. Procurava, escutava, vislumbrava a sua presença e tinha até a percepção de estar muito perto dEle e Ele muito perto dela, no mais íntimo de si mesma. Mas entre buscar a Deus e depois encontrá-lo e, acima de tudo, possuí-lo, existe um abismo. São coisas muito diferentes, e essa diferença que existe entre estas coisas é tudo.
Se Deus está na alma, a alma também está em Deus. A alma se entrega, Deus a aceita, toma posse dela e a alma interior tem a percepção dessa realidade. A alma não perde nem a sua natureza e nem a sua personalidade. Entretanto, não mais se pertence. Ela cedeu de bom grado os seus direitos de propriedade, e outro a exerce em seu lugar. E esse outro é o próprio Deus e essa doação, longe de empobrecê-la, enriquece ainda mais a alma, que passa a produzir frutos de que não julgava ser capaz. Ela os saboreia então à vontade e experimenta neles um sabor de eternidade. Mas, acima de tudo, experimenta uma sensação de libertação total, de verdadeira liberdade, que a consome em êxtases de alegria. Esta é a liberdade dos filhos de Deus. Sofremos tanto porque queremos pertencer sempre a nós mesmos! Somos verdadeiramente felizes quando somos inteiramente de Deus: Eu vivo pelo meu Bem Amado, e o meu Bem Amado é meu.
Quanto mais Deus me possui, mais tenho Deus em mim. Todas as suas riquezas me pertencem. Eu compartilho de sua ciência, de sua sabedoria, do seu poder, de sua bondade. Ninguém pode entender essa misteriosa comunidade de posses. É uma espécie de igualdade ou, melhor ainda, de unidade e a alma percebe muito claramente a sua inserção divina. Está imersa em Deus, é Deus no sentido do que isso seria possível para uma pobre criatura humana. E não contente em fazê-la comungar assim da sua natureza e da sua vida íntima, Deus a faz participar em certos momentos do governo do mundo. O conselho que reúne a Divina Trindade celebra-se também nela e a alma dele compartilha enlevada de muda admiração.
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)