Capítulo XIX
Dores do Purgatório - Santa Madalena de Pazzi e Irmã Benedita - Santa Gertrudes - Bem Aventurada Margarida Maria e Madre de Montoux
Lemos na Vida de Santa Madalena de Pazzi que uma de suas irmãs, chamada Maria-Benedita, religiosa de virtudes eminentes, morreu em seus braços. Durante a sua agonia, a santa viu uma multidão de anjos que a rodeavam com cânticos de alegria, esperando que ela exalasse a alma para então ser conduzida por eles até à Jerusalém Celestial. No momento em que a religiosa expirou, a santa viu os anjos recolhendo a sua alma sob a forma de uma pomba com cabeça ornada em tons dourados e então a visão desapareceu. Três horas mais tarde, velando junto aos seus restos mortais, Santa Madalena teve conhecimento que a alma da falecida não estava no Paraíso e nem no Purgatório, mas em um lugar particular onde, sem sofrer nenhuma dor sensível, havia sido privada da visão de Deus.
No dia seguinte, enquanto se celebrava a missa em intenção pela alma de Maria-Benedita, durante a recitação do Sanctus, Madalena foi tomada novamente em êxtase e Deus lhe permitiu ver a entrada daquela alma virtuosa na glória divina. A santa ousou então perguntar ao nosso Salvador por que Ele não havia permitido a entrada imediata dessa alma querida à sua sagrada presença. E recebeu como resposta que, na sua enfermidade derradeira, a religiosa se mostrara muito sensível aos cuidados que lhe eram dispensados, o que perturbava a sua união habitual com Deus e a perfeita conformidade de sua alma com a Divina Vontade.
Voltemos então às Revelações de Santa Gertrudes, como mencionado previamente. Ali encontramos outro exemplo que mostra como, pelo menos para algumas almas, o sol da glória é precedido por um amanhecer que se irrompe gradualmente. Uma religiosa morreu na flor de sua idade nos braços do Senhor. Ela havia sido notável por uma terna devoção ao Santíssimo Sacramento. Depois de sua morte, Santa Gertrudes a viu, resplandecente de luz celestial, ajoelhada diante do Divino Mestre, cujas feridas glorificadas pareciam tochas acesas, das quais emanavam cinco raios flamejantes que transpassavam os cinco sentidos da falecida. Entretanto, o semblante dela era como que obscurecido por uma expressão de profunda tristeza. 'Senhor Jesus' - exclamou a santa - 'como pode a vossa serva ser assim iluminada por Vós e não experimentar a alegria perfeita?'
'Até agora' - respondeu o bom Mestre - 'essa vossa irmã tem sido digna de contemplar apenas a minha humanidade glorificada e de se deleitar diante às minhas cinco chagas, como recompensa pela sua terna devoção ao mistério da Sagrada Eucaristia; mas, a menos que numerosos sufrágios sejam oferecidos em seu favor, ela ainda não pode ser admitida à visão beatífica, por causa de alguns pequenos desvios cometidos por ela na observação de suas regras sagradas'.
Concluamos o que dissemos sobre a natureza dessas dores com alguns detalhes que encontramos na Vida da bem aventurada Margarida Maria da Visitação. São excertos retirados das Memórias da Madre Greffier que, sabiamente hesitante a respeito das graças extraordinárias concedidas à Beata Irmã Margarida, somente reconheceu estes fatos como verdadeiros depois de mil provações. Madre Philiberte Emmanuel de Montoux, Superiora de Annecy, faleceu em 2 de fevereiro de 1683, após uma vida dedicada à edificação da sua ordem religiosa. Madre Greffier recomendou particularmente à Irmã Margarida que orasse na intenção da alma da irmã falecida. Depois de algum tempo, a Irmã Margarida comunicou à sua superiora que Nosso Senhor lhe havia dado a conhecer que a alma da Madre Philiberte lhe era muito querida, pelo amor e fidelidade prestados aos seus serviços e que uma grande recompensa a esperava no Céu, mas que isso se daria somente após o cumprimento da sua purificação no Purgatório.
A bem aventurada Irmã Margarida pôde ver a alma da falecida em seu lugar de expiação. Nosso Senhor lhe mostrou os sofrimentos impostos à alma da falecida e como esta ficava muito aliviada com os sufrágios e as boas obras que diariamente eram oferecidas em sua intenção por todas as religiosas da Ordem da Visitação. Durante a noite da Quinta-Feira Santa para a Sexta-Feira Santa, enquanto a Irmã Margarida ainda rezava por sua alma, o Senhor fez ver a ela a alma da falecida exposta sob o cálice contendo a Hóstia Sagrada no altar, indicando, assim, que ela havia sido contemplada com os méritos da sua agonia no Horto das Oliveiras. No domingo de Páscoa, que naquele ano ocorreu no dia 18 de abril, a Irmã Margarida viu a alma desfrutando do limiar, por assim dizer, da felicidade eterna, aspirando ansiosamente para ser admitida à visão e à posse de Deus. Finalmente, quinze dias depois, no domingo, 2 de maio e dia da festa do Bom Pastor, ela teve a visão da alma da falecida elevando-se docemente à glória eterna, cantando melodiosamente o cântico do Amor Divino.
Vejamos como a própria Beata Margarida relata esta última aparição, em uma carta dirigida no mesmo dia, 2 de maio de 1623, à Madre de Saumaise em Dijon: 'Viva Jesus para sempre! A minha alma está tomada de uma alegria tão grande que mal consigo contê-la dentro de mim. Permita-me, querida mãe, comunicá-la ao seu coração, que é um com o meu no de Nosso Senhor. Esta manhã, domingo do Bom Pastor, ao meu despertar, duas das minhas boas irmãs sofredoras vieram despedir-se de mim. Hoje o Supremo Pastor as recebeu em seu aprisco eterno com um milhão de outras almas.
Ambas se uniram a essa multidão de almas bem aventuradas e partiram em meio a cânticos de alegria celestial. Uma é a boa Madre Philiberte Emmanuel de Montoux e a outra é a irmã Jeanne Catherine Gâcon. Uma repetia incessantemente estas palavras: 'O amor triunfa, o amor se alegra em Deus', enquanto a outra dizia: 'Bem aventurados os que morrem no Senhor e os religiosos que vivem e morrem na exata observância de suas regras'. Ambas queriam que eu dissesse a você que a morte pode separar as almas, mas nunca pode desuni-las. Se você soubesse como minha alma foi tomada de alegria! Enquanto eu falava com elas, eu as vi mergulhar suavemente na glória como alguém que submerge num vasto oceano. Elas pedem para você rezar, em ação de graças à Santíssima Trindade, um Laudate e três vezes Gloria Patri. Quando lhes pedi que intercedessem por nós, as suas últimas palavras foram que a ingratidão nunca entrou no Céu.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)