domingo, 6 de dezembro de 2020

AS REGRAS DA MORTIFICAÇÃO CRISTÃ (III)

C. Mortificação do espírito e da vontade

1. Mortifique o espírito, proibindo-lhe todas as imaginações vãs, todos os pensamentos inúteis ou alheios que fazem perder o tempo, dissipam a alma e provocam o desgosto do trabalho e das coisas sérias;

2. Distancie do espírito todo pensamento de tristeza e inquietude. O pensamento do que poderá suceder no futuro não deve preocupá-lo. Quanto aos maus pensamentos que o molestam, deve fazer deles, distanciando-os, matéria para exercer a paciência; se são involuntários, serão para você uma ocasião de méritos;

3. Evite a teimosia das ideias e a obstinação dos sentimentos. Deixe prevalecer de boa vontade o juízo dos demais, salvo quando se trate de matérias em que você tem o dever de se pronunciar e falar;

4. Mortifique o órgão natural do espírito, ou seja, a língua. Exercite de boa vontade o silêncio, seja porque a regra o prescreve, seja porque você o impõe espontaneamente;

5. Prefira escutar os demais do que falar você mesmo; mas, sem embargo, fale quando convenha, evitando tanto o excesso de falar demais, que impede os outros de expressar os pensamentos, como o de falar de menos, que denota indiferença ofensiva pelo que as outras pessoas dizem;

6. Não interrompa nunca quem fala e não corte com uma resposta precipitada quem lhe pergunta;

7. Tenha um tom de voz sempre moderado, nunca brusco nem cortante. Evite os 'muito', os 'extremamente', os 'horrivelmente', etc.: não seja exagerado ao falar;

8. Ame a simplicidade e a retidão. A simulação, os rodeios, os equívocos calculados, que certas pessoas piedosas se permitem sem escrúpulo, desacreditam muito a piedade;

9. Abstenha-se cuidadosamente de toda palavra grosseira, trivial ou inclusive ociosa, pois Nosso Senhor nos adverte que nos pedirá conta delas no dia do Juízo;

10. Acima de tudo, mortifique a vontade; é o ponto decisivo. Sujeite-a constantemente ao que sabe ser do beneplácito divino e da ordem da Providência, sem ter em nenhuma conta os próprios gostos e aversões. Submeta-se até aos seus inferiores nas coisas que não interessam para a glória de Deus e os deveres de estado;

11. Considere a menor desobediência às ordens, inclusive aos desejos de seus superiores, como dirigida a Deus;

12. Lembre-se de que praticará a maior de todas as mortificações quando amar ser humilhado e quando tiver a mais perfeita obediência àqueles a quem Deus quer que se submeta;

13. Ame ser esquecido e tido por nada: é o conselho de São João da Cruz, é o conselho da Imitação: não fale apenas de si mesmo nem para o bem nem para o mal, mas busque pelo silêncio fazer-se esquecer;

14. Diante de uma humilhação ou repreensão, sente-se tentado a murmurar? Diga como Davi: 'Melhor assim! É-me bom ser humilhado!';

15. Não alimente desejos frívolos: 'Desejo poucas coisas, e o pouco que desejo, o desejo pouco', dizia São Francisco;

16. Aceite com a mais perfeita resignação as mortificações ditadas pela Providência, as cruzes e os trabalhos ligados ao estado em que a Providência o pôs. 'Quanto menos há de nossa eleição, mais há de beneplácito divino', dizia São Francisco de Sales. Queríamos escolher nossas cruzes, ter outra diferente da nossa, levar uma cruz pesada que tivesse ao menos algum brilho, antes que uma cruz leve que cansa pela continuidade: ilusão! Devemos levar a nossa cruz, e não outra, e o mérito disto não se encontra na qualidade dela, mas na perfeição com que a levamos;

17. Não se deixe turbar pelas tentações, pelos escrúpulos, pelas securas espirituais: 'O que se faz durante a aridez é mais meritório diante de Deus do que o que se faz durante a consolação', dizia o santo bispo de Genebra;

18. Não devemos entristecer-nos demais pelas nossas misérias, mas nos humilhar bastante. Humilhar-se é uma coisa boa, que poucas pessoas compreendem; inquietar-se e impacientar-se é uma coisa que todo o mundo conhece e que é má, porque nesta espécie de inquietude e de despeito, a maior parte pertence ao amor próprio;

19. Desconfiemos igualmente da timidez e do desânimo, que despendem as energias, e da presunção, que nada mais é do que o orgulho em ação. Trabalhemos como se tudo dependesse dos nossos esforços, mas permaneçamos humildes como se nosso trabalho fosse inútil.

(Cardeal Mercier)