sábado, 3 de agosto de 2019

DA PRÁTICA DA CARIDADE PELAS PALAVRAS

1. Quanto à caridade que devemos usar para com o próximo nas palavras, é preciso, antes de tudo, nos abster de toda a maledicência. O maldizente mancha a sua alma, diz o Espírito Santo, e incorre no ódio de todos, de Deus e dos homens (Eclo 21, 31). Se há, às vezes, quem o aplauda e excite a falar do próximo, para se divertir, esse mesmo logo foge e o evita com diligência, pensando com razão que também não será poupado, quando houver ensejo para isso. Diz São Jerônimo que alguns, depois de ter renunciado os outros vícios, parece que não podem deixar o da murmuração. E prouvera a Deus que tais indivíduos não penetrassem nos mosteiros! 

Infelizmente, porém, também ai se encontram, às vezes, certas religiosas [o texto foi dirigido originalmente à orientação espiritual de religiosas] que têm uma língua que não sabe mover-se sem morder e tirar sangue. Em outros termos, há algumas que nada sabem dizer, sem murmurar do próximo; de todas as pessoas de que falam, acham sempre que maldizer. Essas línguas viperinas deveriam ser absolutamente banidas dos claustros ou, ao menos, estar sempre encerradas no cárcere; porque perturbam o recolhimento, o silêncio, a devoção e a paz de toda a comunidade. Em suma, são a ruína dos mosteiros. E queira Deus não lhes suceda o que aconteceu a um sacerdote murmurador que, tendo expirado em um acesso de furor, dilacerou a língua com os próprios dentes. São Bernardo fala de um outro murmurador, que, tendo querido dizer mal de São Malaquias, sentiu logo a língua inchada e roída de vermes, e morreu miseravelmente depois de sete dias de cruéis sofrimentos. 

2. Ao contrário, ó quanto é amada de Deus e dos homens uma religiosa que fala bem de todos! Dizia Santa Maria Madalena de Pazzi que, se tivesse conhecido uma pessoa que nunca houvesse falado mal do próximo, a teria proclamado santa. Tende, pois, cuidado de vos abster de toda a palavra que envolva murmuração de quem quer que seja, mais especialmente de vossas irmãs e ainda mais dos vossos superiores, como o prelado, a superiora, o confessor; porque falar mal dos superiores, além de lhes danificar a fama, faz as outras perder-lhes a obediência ou, pelo menos, faz perder a submissão do espírito.E, se acaso, as irmãs, por vossa causa, chegam a compreender que os superiores agem sem razão, depois dificilmente lhes obedecerão como devem.

Comete-se murmuração não só quando se procura denegrir a reputação do próximo, imputando-lhe uma falta que ele não fez, ou exagerando suas faltas reais, ou revelando as que ocultou, mas também quando se interpretam mal suas ações boas ou se diz que são feitas com má intenção. É também murmuração negar o bem que fez ou contradizer os justos elogios que se fazem do próximo. Para tornar a murmuração mais crível, que não fazem certas línguas malignas? Começam a louvar uma pessoa, e depois acabam murmurando: fulana é muito talentosa, mas é soberba; é liberal, mas é vingativa...

3. Procurai pois sempre falar bem de todos. Falai dos outros como quereis que falem de vós. A respeito dos ausentes, segui esta máxima de Santa. Maria Madalena de Pazzi: 'não se deve dizer na ausência de alguém aquilo que se não diria em sua presença'. Se vos acontecer ouvir uma irmã murmurar de outra, guardai-vos de incitá-la a falar, ou mostrar-lhe que tendes prazer em ouvi-la, porque então vos tornaríeis cúmplices do seu pecado. Nesse caso, repreendei-a ou interrompei a conversa, ou retirai-vos ou, ao menos, não lhe deis atenção. 'Quando ouvirdes alguém murmurar', diz o Espírito Santo, 'cercai os ouvidos com espinhos, para que os não penetre a malediência' (Eclo 28, 28).

É preciso então, ao menos pela guarda do silêncio, mostrando um ar triste ou baixando os olhos, testemunhar que tal conversa vos desagrada. Portai-vos, sempre, de modo que ninguém, para o futuro, ouse atacar a fama alheia em vossa presença. E a caridade exige que tomeis a defesa da pessoa de quem se murmura, quando vos for possível. 'Esposa minha', diz o Senhor, 'eu quero que vossos lábios sejam como uma fita vermelha', como explica São Gregório Nazianzeno, sejam vossas palavras abrasadas de caridade de modo que ocultem os defeitos alheios, quanto possível ou, ao menos escusem a intenção, se for impossível desculpar a ação, acrescenta São Bernardo...

4. Guardai-vos também de referir às vossas irmãs o mal que outras delas disserem. Daí nascem muitas vezes perturbações e rancores que duram meses e anos. Ó que contas hão de dar a Deus as línguas semeadoras de discórdias nos mosteiros! Quem tal pratica incorre no ódio de Deus; pois diz o Sábio: 'há seis coisas que o Senhor odeia e uma sétima que detesta' (Sb 6, 16). Qual é esta sétima? É aquela que semeia discórdias entre os irmãos. Quando uma religiosa fala arrastada pela paixão, merece alguma escusa: mas a que, de sangue frio, sem paixão, fomenta a discórdia e perturba a paz comum, como Deus a poderá sofrer? Se ouvirdes uma palavra contra alguma de vossas irmãs, segui o conselho do Espírito Santo: 'Não a deixeis ir adiante, abafai-a no vosso coração, e fazei-a morrer aí' (Eclo 19, 10).

Enquanto um se acha encerrado em um lugar, pode daí evadir-se, e aparecer à vista de todos, mas quem morreu, não pode mais sair da sepultura: Em outros termos, estai atentas para não deixar transparecer nenhum sinal do que ouvistes; porque se derdes o menor indício, ainda que fosse só uma meia palavra ou um simples movimento de cabeça, as outras poderão combinar as circunstâncias e adivinhar ou, ao menos, gravemente suspeitar o que tiverdes ouvido. Há certas religiosas, que, ouvindo algum segredo, parece que sofrem angústias mortais, enquanto o não revelam de qualquer modo: sentem como um espinho a pungir-lhes o coração, até que o lancem fora. Quando descobrirdes qualquer defeito de alguma, podeis dizê-lo somente aos superiores, e isto somente quando for necessário fazê-lo para reparar o dano da comunidade ou da mesma irmã que falta ao seu dever. 

5. Quando estiverdes no recreio, nas conversas, guardai-vos de dizer palavras picantes, ainda por gracejo. Gracejos que desagradam ao próximo, são contrários à caridade e ao que disse Jesus Cristo: 'Tratai os outros como quereis que vos tratem' (Mt 7, 12). Porventura vos agradaria serdes zombada e chacoteada diante das outras, do mesmo modo como tratais as vossas irmãs? Portanto, não mais o façais. Além disso, procurai fugir das discussões e contendas, quanto for possível. Às vezes, por bagatelas e ninharias, travam-se disputas que degeneram em distúrbios e injúrias. Há algumas pessoas que tem o espírito de contradição, pois, sem nenhuma necessidade nem utilidade, mas somente para contrariar, começam a levantar questões impertinentes e fantásticas, e assim ferem a caridade e perturbam a união fraterna. 

Segui o conselho do Espírito Santo: 'Não discutais de coisas que vos não molestam' (Eclo 11, 9). Mas dirá aquela: 'Eu não posso ouvir absurdos'. Eis o que lhe responde o Cardeal Belarmino: 'Mais vale uma onça de caridade do que cem carradas de razões'. Quando se questionar, especialmente de uma coisa de pouca importância, dizei o vosso parecer, se quiserdes tomar parte na conversação, e depois ficai em paz, sem porfiar em defender a vossa opinião; é até melhor então ceder e adotar a opinião das outras. Dizia São Frei Gil que, em tais controvérsias, quando um cede, então vence, porque fica superior em virtude e assim conserva também a paz, que é um bem muito maior do que a vantagem de ter vencido com razões, e ter feito prevalecer a sua asserção. E, por isso, dizia Santo Efrém que ele, para manter a paz, tinha sempre cedido nas contendas e discussões. Pelo que São José Calasanz dava a seguinte advertência: 'Quem quiser paz, não contradiga a ninguém'. 

6. Se quereis amar a caridade, procurai ser afáveis e brandas com todo gênero de pessoas. A brandura é chamada a virtude do Cordeiro, isto é, a virtude estimada de Jesus Cristo que, por isso, quis ter o nome de Cordeiro. Sede mansas na vossa maneira de falar e de agir, não só com as superioras oficiais, mas também com qualquer outra pessoa, e especialmente com as irmãs que, no passado, vos ofenderam, ou que no presente vos olham de má vontade, ou são do partido contrário, ou para as quais tendes natural antipatia, seja por suas maneiras pouco polidas, seja por sua falta de reconhecimento a vosso respeito. A caridade tudo suporta, porque é paciente (1 Cor 13, 4). 

Não se pode dizer que tem verdadeira caridade quem não quer suportar os defeitos do próximo. Neste mundo não há pessoa alguma, por mais virtuosa que seja, que não tenha seus defeitos. Quantos não tendes vós, e quereis que as outras vos tratem com caridade e compaixão. É, pois, necessário que tenhais também caridade com as outras, e vos compadeçais das suas misérias e imperfeições, segundo exorta o Apóstolo: 'Auxiliai-vos uns aos outros' (Gl 6, 2). Vede com que paciência sofrem as mães as travessuras dos filhos: e por quê? Porque os amam. Pelo mesmo sinal se reconhecerá se amais as vossas irmãs com caridade verdadeira, amor que sendo sobrenatural, deve ser mais forte do que o amor natural. 

Com que caridade nosso divino Salvador não suportou as grosserias e imperfeições de seus discípulos durante todo o tempo, que com eles viveu? Com quanta caridade não suportou Judas, chegando até a lavar-lhe os pés para enternecê-lo? Mas para que falar de outros? Falemos de vós mesmas. Com que paciência o Senhor não vos tolerou até agora? E vós não quereis sofrer pelas vossas irmãs? O médico detesta a enfermidade, mas estremece o enfermo; e assim vós, se tendes caridade, deveis aborrecer os defeitos mas, ao mesmo tempo, deveis amar as pessoas que os cometem. Alguma dirá: 'que hei de fazer eu! Sinto uma antipatia natural por aquela irmã, que não posso vê-la sem enfado!'. E eu vos respondo: 'Tende um pouco mais de bom espírito e de caridade e desaparecerá essa antipatia'.

(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)