segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O NÚMERO DOS QUE SE SALVAM (I)

Na história da civilização cristã, homens de todas as épocas se debruçaram sobre a grande questão do fim último da alma, da salvação ou perdição eternas, da manifestação derradeira da justiça ou da misericórdia de Deus. E, sob argumentos de naturezas diversas, impôs-se a questão de fundo: é maior ou menor o número das almas que se salvam? Num contraponto equivocado, a questão assume outra forma: é a justiça ou é a misericórdia de Deus que prevalece no julgamento final?

A resposta à questão de fundo é simples e fácil, diante de inúmeras intervenções dos Grandes Padres da Igreja, como São Gregório, São Crisóstomo, São Vicente Ferrer, Santo Anselmo, São Jerônimo, São Tomás de Aquino e São Leonardo de Porto Maurício, que são absolutamente contundentes: o número de almas que se salvam é muitíssimo menor. São Tomás, o Doutor Angélico, por exemplo, depois de pesar todas as razões pró e contra a salvação das almas, foi taxativo em sua conclusão: "Porque a bem-aventurança eterna supera o estado natural, especialmente desde que tenha sido privado da graça original, é pequeno o número dos que são salvos." Esta informação lhe assusta, caro leitor? Pois há mais: é juízo comum entre eles que o número de almas dos adultos católicos que se salvam é muito menor dos que as que se condenam. E alguns deles vão além, ao afirmar que o número de padres que se salvam também é menor. Embora sejam cristalinas nas obras e assertivas dos Grandes Padres da Igreja, tais palavras não são apenas assustadoras, são assombrosas! Então, quem poderá se salvar?

Em primeiro lugar, é imprescindível considerar as palavras das Sagradas Escrituras: 'o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para os que O amam' (Co1, 2,9). A glória de Deus é algo que extrapola infinitamente a condição humana e exige, portanto, para ser alcançada pela eternidade, de algo superior, um amor pleno ao Pai, banhado na confiança e na perseverança, livre de malícias e tibieza. A salvação eterna não é fácil e, muito menos, a consequência simples e direta de uma vida morna e indolente. 

Mas, por que isso nos parece tão despropositado e assustador? A principal razão, infelizmente, é que a grande maioria dos católicos advoga uma crença totalmente estranha à Tradição da Igreja: um catolicismo genérico, feito de momentos específicos e de devoções pessoais, pessoas que crêem apenas naquilo que lhes interessam, que praticam uma religiosidade fracionada, que não se chocam diante de condutas imorais, blasfêmias e aberrações litúrgicas, que se acostumaram à lama do mundo como coisa natural. Estes maus católicos, por terem sido os maiores predestinados às moradas eternas, pervertem e denigrem com maior força, as graças de Deus, disseminando as más confissões, as comunhões sacrílegas, as missas profanas. E, sistematicamente, quanto mais estão impregnados deste espírito mundano, mais se apegam à misericórdia de Deus como instrumento de salvação para todos. Assim, para estes crentes de suas próprias crenças, o 'Silva' está 'em bom lugar', 'foi descansar', etc porque era gente boa, amigo de toda hora, ajudou muita gente. Definitivamente, 'Silva' não se salvou pelo que aparentou ser. E, se ele não viveu profundamente o amor de Deus em si em sua vida terrena, 'o bom Silva' estará no inferno por toda a eternidade. Palavras duras, leitor? Na Arca de Noé, foram salvas apenas 8 pessoas da humanidade à época. Santo Agostinho expressa a sua angústia diante dessa realidade, após identificar a Arca na figura da Igreja: "o fato de apenas oito pessoas se salvarem na Arca significa que muito poucos cristãos são salvos, porque são muitos poucos os que realmente renunciam ao mundo". 

Se somente o pecado mortal pode nos separar irremediavelmente de Deus, como é possível que poucos se salvem?  Se Deus nos legou com a confissão a certeza de nos livrarmos do castigo eterno, por que somente se salva este pequeno resto? A resposta, mais uma vez, está na visão distorcida da fé católica: em não se tendo a consciência clara do pecado, avilta-se no pecado sem remorso, sem arrependimento, sem mortificação, sem dor interior. Neste cenário, o livre arbítrio não exige quaisquer confissões ou penitências,  porque, como o 'bom Silva', todos são bons, à sua maneira e do seu jeito. A perda eterna da alma não decorre, daí, da justiça ou da misericórdia de Deus, porque ambos estes atributos de Deus não podem ser separados ou serem excludentes. O inferno constitui irremediavelmente o destino final da grande maioria das almas simplesmente porque estas almas escolheram, por livre arbítrio e desde sempre, viver e trilhar os caminhos do inferno.