sábado, 14 de junho de 2014

SOBRE A IMPUREZA (II)


Segundo Ponto: Ilusão daqueles que dizem que Deus se apieda deste pecado

Os adeptos da luxúria dizem que Deus se apieda deste pecado, mas não é isso o que diz São Tomás de Villanova. Ele diz que nas Sagradas Escrituras nós não lemos sobre qualquer pecado tão severamente castigado como o pecado da impureza. Luxuriae facinus prae aliis punitum legimus - Sermão 4. Encontramos nas Escrituras que em punição a este pecado, um dilúvio de fogo desceu do céu sobre quatro cidades e, em um instante, consumiu não só os habitantes, mas até as pedras. 'O Senhor fez então cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do céu. E destruiu essas cidades e toda a planície, assim como todos os habitantes das cidades e a vegetação do solo' (Gn 19, 24-25). São Pedro Damião relata que um homem e uma mulher que haviam pecado contra a pureza foram encontrados queimados e negros como carvão.

Salviano escreve que era, em castigo ao pecado de impureza, que Deus enviou à Terra o dilúvio universal, que foi causado por contínua chuva durante quarenta dias e quarenta noites. Neste dilúvio, as águas subiram quinze côvados acima dos topos das montanhas mais altas, e apenas oito pessoas, contando com Noé, foram salvas na arca. O resto dos habitantes da Terra, que eram mais numerosos do que os que existem hoje, foram punidos com a morte em castigo ao vício da impureza. 

Notem as palavras do Senhor ao falar deste castigo que Ele infligiu por causa deste pecado. 'Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne' (Gn 6,3). 'Ou seja', diz Nicolau de Lira, 'profundamente envolvidos em pecados carnais'. O Senhor acrescentou: 'Porque eu me arrependo de tê-los criado' (Gn 6,7). A indignação de Deus não é como a nossa, que encobre a mente e nos leva a excessos. Sua ira é um julgamento perfeitamente justo e tranquilo, pelo qual Deus castiga e repara as desordens do pecado. Mas para nos fazer compreender a intensidade de Seu ódio ao pecado da impureza, Ele Se representa como arrependido por ter criado o homem, que o ofendeu tão gravemente por este vício. 

Nós, nos dias de hoje, vemos mais penas temporais graves infligidas contra esse pecado, do que contra qualquer outro. Vá aos hospitais, e ouça os gritos de tantos rapazes que, em punição a suas impurezas, são obrigados a submeter-se aos mais severos tratamentos e às mais dolorosas operações, e que, se escapam da morte, ficam, de acordo com a ameaça divina, fracos e sujeitos à dor mais excruciante para o resto de suas vidas. 'Dado que te esqueceste de Mim e Me voltaste as costas, agora carrega também a tua devassidão e as tuas prostituições.' (Ez 23,35).

São Remígio escreve que, excetuadas as crianças, o número de adultos que são salvos é pequeno, por causa dos pecados da carne. Exceptis parvulis ex adultis propter vitiam carnis pauci salvantur. Em conformidade com esta doutrina, foi revelado a uma santa alma que, como o orgulho encheu o inferno de demônios, da mesma forma a impureza o enche de homens. Santo Isidoro atribui este motivo: ele diz que não há nenhum vício que tanto escraviza os homens ao diabo como a impureza. Magis per luxuriam, humanum genus subditur diabolo, quam per aliquod aliud. Por isso, Santo Agostinho diz que, com relação a este pecado, o combate é comum, e a vitória rara. Assim, por causa deste pecado, o inferno está cheio de almas.

Tudo o que eu disse sobre este assunto, não foi para que as pessoas afligidas pelo vício da impureza fiquem desesperadas, mas para que possam ser curadas. Vamos, então, estudar os remédios. Existem dois grandes remédios, a oração e a fuga das ocasiões perigosas. A oração, diz São Gregório de Nissa, é a salvaguarda da castidade. Oratio pudicitiae praesidium et tutamen est. E antes dele, Salomão, falando de si mesmo, disse a mesma coisa. 'Sabendo que jamais teria conquistado a continência, se Deus não ma tivesse concedido ... voltei-me então para o Senhor e supliquei-lhe' (Sab 8,21). 

Assim, a nós é impossível vencer este vício sem a ajuda de Deus. Por isso, tão logo a tentação contra a castidade se apresente, a solução é se voltar de imediato à ajuda de Deus e repetir várias vezes os santíssimos nomes de Jesus e Maria, que têm uma força especial para banir os maus pensamentos desse tipo. Eu disse imediatamente, sem ouvir ou começar a discutir com a tentação. Quando um mau pensamento ocorre na mente, é necessário removê-lo imediatamente, como se fosse uma centelha que voa saindo do fogo, e imediatamente invocar a ajuda de Jesus e Maria.

Quanto à fuga das ocasiões perigosas, São Filipe Néri costumava dizer, que os covardes - ou seja, aqueles que correm das ocasiões – recebem a vitória. Portanto, você deve, em primeiro lugar, ser cauteloso com os olhos e deve abster-se de olhar para as moças. Caso contrário, diz Santo Tomás, você dificilmente poderá evitar este pecado. Por isso, Jó disse: 'Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem' (Jo 31, 1). Ele tinha medo de olhar para uma virgem porque, a partir de olhares, é fácil passar aos desejos e dos desejos aos atos. 

São Francisco de Sales costumava dizer que olhar para uma mulher não faz tanto mal quanto olhar para ela uma segunda vez. Se o diabo não teve a vitória de primeira, ele a terá na segunda vez. E, se é necessário abster-se de olhar para as mulheres, é muito mais necessário evitar a conversa com elas. 'Não te sentes no meio das mulheres' (Ecl 42, 12). Devemos estar convencidos de que, para evitar ocasiões deste pecado, nenhuma precaução é suficiente. Por isso, é necessário estarmos sempre atentos e correr das ocasiões. 'O sábio é precavido e afasta-se do mal; o insensato segue em frente sem pensar' (Prov 14, 16). Um homem sábio é tímido e corre para longe, um insensato é confiante e cai.

(Excertos da obra 'Sobre o Vício da Impureza', de Santo Afonso Maria de Ligório)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

SOBRE A IMPUREZA (I)


Primeiro Ponto : Ilusão daqueles que dizem que os pecados contra a pureza não são um grande mal

Os impuros dizem que os pecados contra a pureza são um pequeno mal. Como 'a porca... chafurdando na lama' (2 Pdr 2,22), eles estão imersos em sua própria sujeira, de modo que não veem a maldade de seus ações e, portanto, não sentem nem abominam o mau odor de suas impurezas, que provocam repulsa e horror a todos os outros. Será que você, que diz que o vício de impureza é apenas um pequeno mal, eu pergunto, será que você poderá negar que isso é um pecado mortal? Se negar, você é um herege, pois, como diz São Paulo: 'Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus' (1 Cor 6, 9-10). Isto é um pecado mortal, logo, não pode ser um pequeno mal. É um pecado maior que o roubo, que a difamação, que a violação do jejum. Como então você pode dizer que não se trata de um grande mal? Talvez para você o pecado mortal pareça ser um pequeno mal? Será que é um pequeno mal desprezar da graça de Deus, virar as costas para Ele e perder a Sua amizade por causa de um prazer transitório e bestial?

Santo Tomás ensina que o pecado mortal, por ser um insulto contra um Deus infinito, contém de certa forma uma malícia infinita. 'Um pecado cometido contra Deus, tem de certa forma uma infinidade, por conta da infinidade da Divina Majestade'. Será que o pecado mortal é um pequeno mal? Ele é um mal tão grande que, se todos os anjos e todos os santos, os apóstolos, os mártires, e mesmo a Mãe de Deus, oferecessem todos os seus méritos para expiar um só pecado mortal, a oferta não seria suficiente. Não, porque a expiação ou a satisfação seria finita, mas a dívida contraída pelo pecado mortal é infinita, por conta da infinita majestade de Deus, que foi ofendida. 

O ódio que Deus tem dos pecados contra a pureza está além do que podemos medir. Se alguém encontrar seu prato sujo, ficará aborrecido e não irá comer. Então, imagine com que desgosto e indignação Deus, que é a própria pureza, verá as impurezas imundas pelas quais Sua lei é violada? Ele ama a pureza com um amor infinito e, consequentemente, Ele tem um ódio infinito contra a sensualidade que os homens lascivos e voluptuosos chamam de pequeno mal. Até os demônios, que ocupavam um alto grau no céu antes de sua queda, desdenham ter que seduzir os homens a cometer pecados da carne.

Santo Tomás diz que Lúcifer, que foi supostamente o diabo que tentou Jesus Cristo no deserto, tentou-O a cometer outros pecados, mas desprezou tentá-Lo a pecar contra a castidade. Seria isto um pecado pequeno mal? Seria então um pequeno mal ver um homem dotado de uma alma racional, enriquecida com muitas graças divinas, cair, pelo pecado de impureza, ao nível de um bruto? 'A Fornicação e o prazer', diz São Jerônimo, 'pervertem a compreensão e transformam os homens em bestas'. Nos voluptuosos e impuros, são literalmente verificadas as palavras de Davi: 'O homem não permanece com o seu esplendor, é como animal que perece' (Sl 48,13). São Jerônimo diz que não há nada mais vil e degradante, que alguém deixar-se ser conquistado pela carne. Nihil vilius quam vinci a carne. Poderia ser um pequeno mal se esquecer de Deus e bani-lo da alma, para poder dar ao corpo uma satisfação vil, da qual você sentirá vergonha, quando acabar? O Senhor reclama disso por meio de Ezequiel: 'Por isso, assim diz o Senhor Javé: Dado que te esqueceste de Mim e Me voltaste as costas, agora carrega também a tua devassidão e as tuas prostituições' (Ez 23, 35). Santo Tomás diz que, devido a todos os vícios, mas especialmente pelo vicio da impureza, os homens são lançados para longe de Deus. Per luxuriam maxime recedit a Deo.

Além disso, os pecados de impureza, em virtude do seu grande número, são um mal imenso. Um blasfemador nem sempre blasfema, mas só quando está bêbado ou quando é provocado pela ira. O assassino, cujo trabalho é matar os outros, em geral não comete mais que oito ou dez homicídios. Mas os impuros são culpados de uma torrente incessante de pecados, por pensamentos, por palavras, por olhares, por complacências, e por toques, de modo que, quando vão à confissão, eles acham impossível dizer o número de pecados que cometeram contra a pureza. Mesmo durante o sono, o diabo lhes representa objetos obscenos de modo que, ao acordar, eles se deleitam com eles, e porque se fizeram escravos do inimigo, eles obedecem e aprovam as suas sugestões, porque é fácil cair no hábito deste pecado. Para os outros pecados, como a blasfêmia, a difamação e os assassinatos, os homens não estão propensos, mas para este vício, a natureza os inclina. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecador tão pronto a ofender a Deus, como o devoto da luxúria, em toda ocasião que lhe ocorre. Nullus ad Dei contemptum promptior

O pecado da impureza traz em sua formação os pecados da difamação, do roubo, do ódio, e de gostar de suas abominações imundas. Além disso, normalmente envolve a malícia do escândalo. Outros pecados, tais como uma blasfêmia, um perjúrio, um assassinato, criam horror naqueles que os testemunham, mas este pecado induz os outros, que são carnais, a cometê-lo, ou, pelo menos, a cometê-lo com menos horror. Totum hominem, diz São Cipriano, agit in triumphum libidinis. Por meio da luxúria, o diabo triunfa sobre o homem inteiro, sobre seu corpo e sobre sua alma, sobre sua memória, enchendo-a com a lembrança de prazeres impuros, a fim de fazê-lo gostar deles; sobre o seu intelecto, para fazê-lo desejar ocasiões de cometer o pecado; sobre a vontade, fazendo-o amar as impurezas como seu fim último, e como se não houvesse Deus. 'Eu havia feito um pacto com meus olhos: não desejaria olhar nunca para uma virgem. Que parte me daria Deus lá do alto' (Jo 31, 1-2). Jó tinha medo de olhar para uma virgem porque ele sabia que, se consentisse com um mau pensamento, Deus não deveria ter parte com ele. 

De acordo com São Gregório, a partir da impureza surgem a cegueira do entendimento, a destruição, o ódio a Deus e o desespero quanto à vida eterna. Santo Agostinho diz que, embora os impuros possam envelhecer, o vício da impureza não envelhece neles. Por isso, Santo Tomás diz que não há pecado em que o diabo se deleite tanto como neste pecado, porque não há outro pecado a que a natureza se apegue com tanta tenacidade. Ela adere ao vício da impureza tão firmemente, que o apetite por prazeres carnais se torna insaciável. Vá agora, e diga que o pecado da impureza não é mais que um pequeno mal. Na hora da morte, você não dirá isso, todos os pecados dessa espécie lhe aparecerão como um monstro do inferno. Você não será capaz de dizê-lo ante o Juízo de Jesus Cristo, que lhe dirá o que o Apóstolo já lhe disse, 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5, 5). O homem que viveu como um animal, não merece assentar-se entre os anjos.

Caríssimos irmãos, continuemos a orar a Deus para nos livrar desse vício, senão perderemos nossas almas. O pecado da impureza traz com ele a cegueira e a obstinação. Todos os vícios produzem sombras no entendimento, mas a impureza produz em maior grau do que todos os outros pecados. 'A fornicação, o vinho e a embriaguez acabam com o raciocínio' (Os 4, 11). O vinho priva-nos da compreensão e da razão, o mesmo faz a impureza. Por isso, Santo Tomás diz que o homem que se entrega aos prazeres impuros, não vive de acordo com a razão. In nullo procedit secundum judicium rationis. Ora, se os impuros estão privados da luz e já não veem o mal que fazem, como poderão odiar esse mal e mudar de vida? O profeta Oséias diz que, estando cegos devido a sua própria lama, eles nem sequer pensam em voltarem-se para Deus; porque as suas impurezas tiram-lhes todo o conhecimento de Deus. 'Seu proceder não lhes permite voltarem ao seu Deus, porque um espírito de prostituição os possui; eles desconhecem o Senhor' (Os 5,4).

Por isso, São Lourenço Justiniano disse que este pecado faz os homens se esquecerem de Deus. 'Os prazeres da carne induzem ao esquecimento de Deus'. E São João Damasceno ensina que 'o homem carnal não pode olhar para a luz da verdade'. Assim, os lascivos e voluptuosos não entendem o que quer dizer graça de Deus, julgamento, inferno e eternidade. 'Caiu fogo sobre eles, e não viram mais o sol' (Sl 57,9). Alguns desses cegos meliantes vão tão longe a ponto de dizer que o adultério não é em si pecaminoso. Eles dizem que ele não foi proibido na Antiga Lei e, em apoio a esta doutrina execrável, eles invocam as palavras do Senhor a Oséias: 'Vai e desposa uma mulher dada ao adultério, e aceita filhos adulterinos' (Os 1,2). Em resposta, digo que Deus não permitiu a Oséias cometer adultério, mas desejava que ele se casasse com uma mulher culpada de adultério, e os filhos deste casamento eram chamados filhos adulterinos, porque sua mãe tinha sido culpada desse crime. De acordo com São Jerônimo, esse é o significado das palavras do Senhor a Oséias. O santo doutor diz: Id circo fornicationis appellandi sunt filii, quod sunt de meretrice generati

Mas o adultério sempre foi proibido, sob pena de pecado mortal, na Velha como na Nova Lei. São Paulo diz: 'Nenhum fornicador, ou impuro... terá herança no reino de Cristo e de Deus' (Ef 5,5). Perceba a impiedade para a qual a cegueira de tais pecadores os carrega! Por causa desta cegueira, embora eles venham aos sacramentos, suas confissões são nulas por falta de verdadeiro arrependimento, porque como será possível para eles terem verdadeiro arrependimento, quando não conhecem nem detestam seus pecados?

O vício da impureza também traz consigo a obstinação. Para vencer as tentações, especialmente contra a castidade, a oração contínua é necessária. 'Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca' (Mc 14, 38). Mas como os impuros, que estão sempre procurando novas tentações, poderão orar a Deus para livrá-los da tentação? Eles, às vezes, como Santo Agostinho confessou de si mesmo, abstêm-se da oração, devido ao medo de serem ouvidos e curados da doença, que eles desejam que não acabe. 'Eu temia', disse o santo, 'que Vós irieis em breve ouvir-me e curar-me do pecado da concupiscência, que eu desejava ver saciado, em vez de extinto'. São Pedro chama este vício de pecado insaciável. 'Têm os olhos cheios de adultério e são insaciáveis no pecar' (2 Pdr 2, 14). 

A impureza é chamada de um pecado insaciável por conta da obstinação que ela induz. Alguns viciados nela dizem: Eu sempre confesso este pecado. Tanto pior, porque, como você sempre recai no pecado, essas confissões servem para fazer você perseverar no pecado. O medo da punição é diminuído, dizendo: Eu sempre confesso este pecado. Se você pensasse que esse pecado certamente mereceria o inferno, você dificilmente diria: eu não vou desistir, eu não me importo de ser condenado. Mas o diabo engana você. Ele diz: Cometa esse pecado; depois você o confessará. Mas, para fazer uma boa confissão de seus pecados, você deve ter verdadeira tristeza de coração e um firme propósito de não pecar mais. 

Onde estão essa tristeza e esse firme propósito de emenda, se você sempre volta ao vômito? Se você tivesse essas disposições, e tivesse recebido a graça santificante em sua confissão, você não teria recaído ou, pelo menos, você deveria ter se abstraído por um tempo considerável antes de recair. Você sempre caiu no pecado, em oito ou dez dias, e talvez em um tempo menor, após a confissão. Que sinal é esse? É um sinal de que você estava sempre em inimizade com Deus. Se um homem doente imediatamente vomita o remédio que ele toma, é um sinal de que a doença é incurável. São Jerônimo diz que o vício da impureza, quando habitual, cessará quando o infeliz homem que se entrega a ele for lançado no fogo do inferno. 'Oh, fogo infernal, luxúria, cujo combustível é a gula, cujas faíscas são as breves conversas, cujo fim é o inferno'. Os impuros se tornam como o abutre que se deixa ser morto pelo caçador em vez de abandonar a podridão dos corpos de que se alimenta (...). 

(Excertos da obra 'Sobre o Vício da Impureza', de Santo Afonso Maria de Ligório)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O MILAGRE EUCARÍSTICO DE LANCIANO


'...Tomai e comei, isto é meu corpo...' (Mt 26,26)

Por volta dos anos 700, os Monges de São Basílio viviam no mosteiro de São Legonciano, na cidade italiana de Lanciano. Entre eles, havia um que se atormentava particularmente com a realidade sobrenatural do sacramento eucarístico: a hóstia consagrada seria mesmo o verdadeiro Corpo de Cristo e o vinho consagrado seria mesmo o Seu verdadeiro Sangue? Atormentado pela dúvida e vacilante na fé, pôs-se em oração fervorosa, suplicando a graça de Deus para afastar tal incerteza de sua alma.  

E Deus atendeu as suas orações, por meio de um dos mais extraordinários milagres eucarísticos da Igreja. Ao celebrar a Santa Missa, certa manhã, após proferir as palavras da Consagração, ele viu diante de si  a hóstia converter-se em Carne viva e o vinho em Sangue vivo. Em êxtase profundo e tomado de temor e alegria, deu a conhecer aos fieis presentes o fato ocorrido: 'Eis aqui a Carne e o Sangue do nosso Cristo muito amado!' A notícia se espalhou rapidamente por toda a cidade, transformando o monge num novo Tomé. 



A Hóstia-Carne apresentava, como ainda hoje se pode observar, uma coloração ligeiramente escura, tornando-se rósea, quando iluminada pelo lado oposto, tendo uma aparência fibrosa; o Sangue era de cor terrosa (entre amarelo e ocre), coagulado em cinco fragmentos de forma e tamanho diferentes. As relíquias eucarísticas foram, então, guardadas previamente num tabernáculo de marfim e, a partir de 1713 e até hoje, a Carne passou a ser conservada numa custódia de prata e o Sangue num cálice de cristal. 


Adicionalmente ao reconhecimento eclesiástico do Milagre, a Igreja confiou a dois renomados médicos o parecer da ciência moderna  sobre as relíquias. Dr. Odoardo Linoli (foto), então chefe do Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital de Arezzo e livre docente de Anatomia e Histologia Patológica, de Química e Microscopia Clínica e Prof. Ruggero Bertelli, professor emérito de Anatomia Humana Normal na Universidade de Siena, foram os responsáveis pelos exames e análises laboratoriais, cujos resultados foram apresentados em um relatório final, publicado em 4 de março de 1971.


As principais conclusões dos estudos foram as seguintes:
  • A Carne é verdadeira carne. 
  • O Sangue é verdadeiro sangue. 
  • A Carne é do tecido muscular do coração (miocárdio, endocárdio e nervo vago). 
  • A Carne e o Sangue são do mesmo tipo sanguíneo (AB) e pertencem à espécie humana.
  • É o mesmo tipo de Sangue (AB) encontrado no Santo Sudário de Turim. 
  • Não existem vestígios de quaisquer substâncias conservantes nas relíquias.
  • No sangue foram encontrados, além das proteínas normais, os seguintes minerais: cloretos, fósforo, magnésio, potássio, sódio e cálcio. 
  • Não se tratam de substâncias retiradas de um cadáver. Trata-se da carne e do sangue de uma Pessoa Viva, que estivesse vivendo atualmente, pois o sangue é o mesmo daquele que seria retirado, no mesmo dia, de um ser vivo. 

Antes mesmo da elaboração do relatório final, os cientistas expressaram a sua posição, em telegrama aos Frades Menores Conventuais, sob cuja guarda encontra-se Igreja do Milagre (desde 1252, chamada de São Francisco): 'E o Verbo se fez Carne!' 


Em 1973, o conselho superior da Organização Mundial da Saúde (OMS) nomeou uma comissão científica para verificar as conclusões deste trabalho. Os estudos se prolongaram por 15 meses e as conclusões de todas as investigações confirmaram por completo os resultados previamente publicados na Itália.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

A CANONIZAÇÃO DE PIO X


Pio X faleceu em 20 de agosto de 1914 e, rapidamente, teve início uma série de relatos de graças miraculosamente alcançadas devido à sua intercessão. De tal monta que, em fevereiro de 1923, os cardeais então residentes em Roma postularam pelo início do seu processo de beatificação, sendo indicado como postulador da causa, o Procurador Geral dos Beneditinos de Vallambroso, Dom Benedetto Pierami. Em 28 de junho de 1923, na Catedral de São Pedro no Vaticano, Pio XI inaugurou uma estátua de mármore em honra a Pio X, com os braços estendidos e os olhos voltados para o céu. Na base do monumento, oito painéis de bronze representam os pilares de seu pontificado: 1. O Pontífice da Eucaristia; 2. O defensor da fé; 3. O apoiador da França Católica; 4. O Patrono das Artes; 5. O Guardião dos Estudos Bíblicos; 6. O reorganizador do Direito Canônico; 7. O Reformador da Música Sacra; 8. O Pai dos Órfãos e dos Abandonados.


Processos diocesanos foram abertos em Treviso (1923-1926), Mântua (1924-1927), Veneza (1924-1930) e Roma (1923-1931, dioceses em que Pio X exercera funções episcopais, que resultaram na elaboração de um Relatório sobre a introdução da causa (Positio super introductione causae), que foi publicado em 1941. Em 1943, a Congregação dos Ritos ratificou o Relatório, dando início à postulação formal pela Igreja da causa de beatificação e canonização de Pio X. Novos processos foram iniciados e culminaram com a publicação de relatórios formais em 1949 e 1950. 

No contexto do processo, promoveu-se a exumação dos restos mortais de Pio X em 19 de maio de 1944, sendo o esquife trazido para a Capela do Santo Crucifixo (uma das capelas da Basílica Vaticana) e aberto na presença dos membros do Tribunal do Processo Apostólico, sendo caracterizado, então, o excelente estado de preservação do corpo, descrito, por uma testemunha, nos seguintes termos:

'Abrindo o caixão, encontraram o corpo intacto, vestido com as insígnias papais tal como fôra enterrado 30 anos antes. Sob a firme pele que cobria a face, o contorno do crânio era claramente reconhecível. As cavidades dos olhos pareciam escuras, mas não vazias; estavam cobertas pelas pálpebras muito enrugadas e afundadas. O cabelo era branco e cobria o topo da cabeça completamente. A cruz peitoral e o anel pastoral brilhavam reluzentes. Em seu último testamento, Pio X pediu particularmente que seu corpo não fosse tocado e que o tradicional embalsamento não fosse realizado. Apesar disso, seu corpo estava excelentemente preservado. Nenhuma parte do esqueleto estava descoberta, nenhum osso exposto. Enquanto o corpo estava rígido, os braços, cotovelos e ombros estavam totalmente flexíveis. As mãos eram belas e magras, e as unhas nos dedos estavam perfeitamente preservadas'.

Após o exame canônico, os restos mortais de Pio X permaneceram na capela do Santo Crucifixo, em exposição pública à veneração dos fiéis, até 3 de julho daquele ano.


Em 3 de setembro de 1950, Pio X foi reconhecido pela Igreja como Venerável Servo de Deus, pela prática heroica das virtudes teologais da fé, esperança e caridade e das virtudes cardeais da prudência, justiça, fortaleza e temperança. 

Para se completar o processo de beatificação, foram confirmados e reconhecidos pela Igreja dois milagres realizados diretamente pela intercessão de Pio X, em 11 de fevereiro de 1951: as curas definitivas de  um câncer no fêmur esquerdo da freira francesa Marie-Françoise Deperras e um tumor maligno no abdome de uma outra religiosa italiana chamada Benedetta de Maria. Em 3 de junho de 1951, Pio XII presidiu a solene cerimônia de beatificação de Pio X, declarado, então, 'Papa da Eucaristia'. Depois de sua beatificação, o corpo de Pio X foi transferido para a Capela da Apresentação na Basílica Vaticana.


Menos de três anos depois, em 29 de maio de 1954, Pio X foi elevado à glória dos altares, após a confirmação de duas outras curas sobrenaturais de doenças terminais sofridas por Francesco Belsami, advogado de Nápoles, e pela freira italiana Irmã Maria Ludovica Scorcia, ambas associadas à sua intercessão direta. O Papa Pio XII conduziu também a cerimônia de canonização de Pio X em missa solene realizada na Basílica de São Pedro, tornando-se o primeiro papa a ser canonizado desde Pio V (canonizado em 1712). Sua festa litúrgica é comemorada no dia 21 de agosto.


SANTO PAPA PIO X, ROGAI POR NÓS!

DA VIDA ESPIRITUAL (71)



Leste bem: 'A melhor herança é o bom exemplo'. Pratique com rigor essa verdade evangélica. Mas não te desanimes, quando falhares algumas vezes: será, então, o tempo de perceberes que o erro cometido é também a herança da nossa inesgotável fragilidade humana...

terça-feira, 10 de junho de 2014

TU ÉS PEDRO! (SÃO PIO X)


(Pio X: Giuseppe Melchiorre Sarto - 257º papa: 1903 - 1914)


 









SÃO PIO X, ROGAI POR NÓS!

OS GRAUS DO CONHECIMENTO DE DEUS

O conhecimento de um só Deus em três Pessoas, que nós recebemos pela fé, é mais alto, sem comparação, do que o conhecimento que temos de Deus pela simples razão natural. Existem três graus no conhecimento que o homem pode ter de seu Criador. O primeiro é o conhecimento natural, que lhe é dado pela luz da razão. O segundo, o conhecimento sobrenatural, que ele recebe pela luz da fé. O terceiro, o conhecimento ou visão beatífica, que ele recebe pela luz da glória.

Estes três graus se assemelham um pouco com os diversos modos com que nossos sentidos se aplicam ao conhecimento de um objeto sensível. Podemos conhecer um objeto material ou pelo tato, quando o apalpamos, ou pelo ouvido, quando escutamos sua descrição, ou pela visão, quando o vemos. Isso é explicado por São Tomás na sua Suma Contra os Gentios. Ora, esses três modos se aplicam bem aos três graus do conhecimento de Deus que vimos acima.

(i) A razão procura de certo modo tocar Deus, que está fora de sua visão. É o que diz São Paulo: 'Que busquem a Deus como que às apalpadelas' (At 17, 27). São Paulo desenha aqui um quadro que representa os pobres pagãos às apalpadelas, como cegos, atravessando a natureza e procurando tocar em Deus. O Apóstolo lhes mostra o meio de O encontrar: Ele não está longe, diz ele, pois vivemos, nos movemos e existimos por ele. (idem) Entrem em si mesmos e O encontrarão, Ele que é o Pai de toda a vida.

Quando apalpamos um objeto nos convencemos da existência desse objeto; em seguida medimos aproximadamente suas dimensões. Assim a razão natural, que apalpa Deus, está em condições de demonstrar a existência de Deus. Ela chega até a alcançar algo de sua imensidade, de sua eternidade, de seu poder infinito. Eis até onde puderam ir, segundo atesta São Paulo, os filósofos da antiguidade, pela investigação racional (Rm 1, 20).

(ii) Este adágio não pode nos satisfazer, a nós, católicos. Somos chamados a subir mais alto e a aprofundar nossa busca pelo conhecimento sobrenatural. Trata-se do conhecimento pela luz da fé, semelhante à que nos vem pelo sentido da audição: Fides ex auditu, diz São Paulo, a fé nos vem por audição, ou seja, quando ouvimos a palavra de Cristo, audito autem per verbum Christi. Ela nos traz um conhecimento mais íntimo de Deus, na medida em que a palavra santa nos revela as maravilhas escondidas na Sua essência, na medida em que ela nos inicia nos segredos dessa natureza criadora onde aprendemos a adorar a Trindade de Pessoas.

Temos ainda, é verdade, um pano nos olhos; mas, em vez de só apalpar o quadro, ouvimos deslumbrados sua descrição, pelo menos até onde nossa inteligência, presa às imagens terrestres, é capaz de o penetrar. Em vez de tocar somente em Deus, o Grande Vivo, analisamos, por assim dizer, a força e os atos da Vida Divina.

(iii) Virá um dia em que a venda será retirada de nossos olhos. Uma luz, chamada luz de glória, virá fortificar, elevar, dilatar nossa inteligência. Então veremos Deus. Sim, diz São João, nós o veremos como Ele é. Videbimus eum sicuti est (I Jo 3, 2); Sim, diz São Paulo, nós o veremos face a face. Videbimus facie ad faciem (I Cor 13, 12). O conheceremos como Ele nos conhece (idem). O que mais dizer? Elevados a este grau, teremos chegado ao termo dos desejos da criatura racional; possuiremos nosso fim.

Lembremos que este conhecimento beatífico, tão grande, tão glorioso, está em germe no conhecimento que temos pela fé, pois a fé é um começo de possessão da verdade total que é o próprio Deus. A fé é obscura, visto que os mistérios que ela nos propõe estão acima da capacidade da razão, no estado de vida atual; mas ela é luminosa, pois esses mistérios, escondidos a nossos olhos pela excessiva luz, iluminam com sua luz maravilhosa as coisas temporais e as eternas.

Logo, não devemos considerar os mistérios da fé como pontos negros que atrapalhariam o olhar de nossa inteligência; eles são astros explodindo de luz e que se escondem de nós nessa própria luz, cujo reflexo nos descobre todo um oceano de verdades escondidas aos sábios deste mundo e reveladas aos humildes e aos pequenos. O primeiro e mais luminoso desses astros é, sem dúvida, o mistério da Santíssima Trindade.

(Excertos da obra 'O mistério da Santíssima Trindade' do Pe. Emmanuel-André, Ed. Permanência, 2006)