Capítulo LXXXIX
Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - A Mulher Napolitana e o Bilhete Misterioso
Para provar que as almas do Purgatório demonstram a sua gratidão até por favores temporais, o Padre Rossignoli relata um fato ocorrido em Nápoles, que tem alguma semelhança com o que acabamos de ler. Se não é dado a todos oferecer a Deus as abundantes esmolas de Judas Machabeus, que enviou doze mil dracmas a Jerusalém para sacrifícios e orações em favor dos mortos, são muito poucos os que não podem ao menos fazer a oferta da pobre viúva do Evangelho, que foi elogiada pelo próprio Salvador. Ela havia dado apenas dois cêntimos, mas, disse Jesus: 'todos deitaram do que tinham em abundância; esta, porém, pôs, de sua indigência, tudo o que tinha para o seu sustento' (Mc 12, 44).
Este exemplo comovente foi imitado por uma humilde mulher napolitana, que tinha a maior dificuldade em prover as necessidades da sua família. Os recursos da casa dependiam dos ganhos diários do marido, que todas as noites trazia para casa o fruto do seu trabalho. Infelizmente, um dia esse pobre pai foi preso por dívidas, de modo que a responsabilidade de sustentar a família recaiu sobre a infeliz mãe, que não possuía nada além de sua confiança em Deus. Com fé, ela implorou à Providência Divina que viesse em seu auxílio e, especialmente, para que livrasse o seu marido que definhava na prisão apenas por causa de sua pobreza.
Dirigiu-se então a um cavalheiro rico e benevolente e, contando-lhe a triste história dos seus infortúnios, suplicou-lhe com lágrimas que a ajudasse. Deus permitiu que ela recebesse dele apenas uma esmola insignificante, no valor de uma moeda equivalente a apenas dez cêntimos. Profundamente aflita, entrou numa igreja para implorar ao Deus dos indigentes que a socorresse na sua aflição, pois nada tinha a esperar na terra. Estava absorta em orações e lágrimas quando, por inspiração, sem dúvida, do seu bom anjo da guarda, lhe ocorreu interceder pelas almas santas em seu favor, pois tinha ouvido falar muito dos seus sofrimentos e da sua gratidão para com aqueles que as ajudam. Cheia de confiança, dirigiu-se à sacristia, ofereceu aquela simples moeda e perguntou a um sacerdote se seria possível celebrar uma missa pelos defuntos. O bom padre, que lá se encontrava, apressou-se a subir ao altar para rezar a missa nessa intenção, enquanto a pobre mulher, prostrada em recolhimento, assistia o Santo Sacrifício, oferecendo as suas orações pelos defuntos.
Regressou à casa muito consolada, como se tivesse recebido a certeza de que Deus tinha ouvido a sua oração. Quando percorria as ruas populosas de Nápoles, foi abordada por um ancião, que lhe perguntou de onde vinha e para onde ia. A infeliz mulher explicou-lhe a sua aflição e o uso que tinha feito da pequena esmola que recebera. O velho pareceu profundamente sensibilizado com a sua miséria, disse-lhe algumas palavras de encorajamento e deu-lhe um bilhete fechado num envelope, mandando que o entregasse a um certo senhor em particular, deixando-a em seguida.
A mulher apressou-se a procurar o tal senhor e a entregar a ele o bilhete recebido. Este, ao abrir o envelope, foi tomado de espanto e intensa comoção, pois reconheceu imediatamnete a letra do seu pai, falecido há algum tempo. 'Onde arranjaste esta carta?' - exclamou ele, completamente atordoado. 'Senhor' - respondeu a boa mulher - 'foi um ancião que me abordou na rua. Falei-lhe da minha aflição e ele mandou-me entregar-lhe este bilhete em seu nome. O seu semblante assemelha-se muito ao retrato que o senhor tem sobre a porta'. Cada vez mais impressionado por estas circunstâncias, o cavalheiro pegou de novo o bilhete e o leu em voz alta: 'Meu filho, o teu pai acaba de sair do Purgatório, graças a uma missa que a portadora deste recado mandou celebrar esta manhã. Ela está em situação muito aflita e eu a recomendo aos seus cuidados'.
Leu e releu aquelas linhas, traçadas por aquela mão que lhe era tão cara, por um pai que agora estava entre os eleitos. Lágrimas de alegria corriam-lhe pelas faces quando se voltou para a mulher. 'Pobre mulher' - disse ele - 'com a tua esmola insignificante, asseguraste a felicidade eterna daquele que me deu a vida. Por minha vez, assegurarei a tua felicidade temporal. Tomo a meu cargo suprir a partir de agora todas as tuas necessidades e as de toda a tua família'. Que alegria para aquele senhor! Que alegria para aquela pobre mulher! É difícil dizer de que lado encontrava-se a maior felicidade. O que é mais importante e mais fácil é ver a instrução que se pode tirar desse fato: ele nos ensina que o menor ato de caridade para com os membros da Igreja Sofredora é precioso aos olhos de Deus e atrai sobre nós milagres de misericórdia.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog