Capítulo LXXXVIII
Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - O Relato do Abade Postel sobre a Pobre Serva de Paris
O Abade Postel, tradutor da obra de F. Rossignoli, relata o seguinte fato, ocorrido em Paris, por volta do ano 1827, e que está inserido como nº 27 na sua obra Merveilles du Purgatoire. Uma pobre criada, educada como boa cristã na sua aldeia natal, tinha adotado o piedoso costume de mandar rezar todos os meses uma missa pelas almas defuntas. Os seus patrões mudaram-se para a capital levando-a consigo e, aí também, nunca se descuidou disso, tendo ainda como regra assistir ao Divino Sacrifício e unir as suas orações às do sacerdote, especialmente pela alma que estava mais perto de completar a sua expiação. Esta era a sua intenção habitual.
Deus não tardou prová-la com uma longa doença, que não só lhe causou cruéis sofrimentos, mas também a fez perder o seu lugar de trabalho e dispender os seus últimos recursos. No dia em que pôde deixar o hospital, só lhe restavam um franco e alguns centavos. Depois de ter dirigido aos Céus uma oração fervorosa, cheia de confiança, foi à procura de um serviço. Disseram-lhe que provavelmente encontraria emprego numa certa família no outro extremo da cidade, para onde se dirigiu e, como era obrigada a passar diante da Igreja de Saint Eustache, ali entrou. A presença de um padre no altar recordou-lhe que, neste mês, ela havia esquecido da sua habitual missa pelos defuntos, e que este era o dia em que, desde há muitos anos, estava habituada a fazer tal boa obra. Mas o que é que ela haveria de fazer? Se se desfizesse do seu último franco, não lhe restaria mais nada, nem mesmo algo para matar a fome. Era uma luta entre a devoção e a prudência humana. A devoção levou a melhor. 'Afinal de contas' - disse para si mesma - 'o bom Deus sabe que é para Ele, e Ele não me abandonará!' Entrando na sacristia, fez o seu ofertório para a missa, à qual assistiu com o seu fervor habitual.
Poucos minutos depois, continuou o seu caminho, cheia de ansiedade, como facilmente se pode depreender. Não dispondo de quaisquer meios, o que é que havia de fazer se não conseguisse arranjar emprego? Estava ainda ocupada com estes pensamentos, quando um jovem pálido, de figura esguia e aspecto distinto, se aproximou dela e lhe perguntou: 'Você está à procura de emprego?' - 'Sim, senhor'. 'Pois bem, vá até a rua tal, número tal, à casa de Madame... Penso que a agradarás e serás admitida lá'. Depois de dizer estas palavras, desapareceu no meio da multidão que passava, sem esperar pelos agradecimentos da pobre rapariga.
Ela encontrou a rua, reconheceu o número e subiu aos apartamentos. Uma criada saiu carregando um embrulho debaixo do braço e proferindo palavras de queixa e raiva. 'A senhora da casa está? - perguntou a recém-chegada. 'Pode estar ou pode não estar' - respondeu a outra - 'o que é que isso me interessa? A senhora abrirá a porta se lhe convier e eu não mais me preocuparei com isso. Adeus!' E desceu os degraus. A nossa pobre rapariga tocou a campainha com mão trêmula e uma voz suave convidou-a a entrar. Encontrou-se na presença de uma velha senhora de aspecto venerável, que a encorajou a manifestar a sua necessidade.
'Senhora' - disse a criada = 'soube esta manhã que a senhoea eta´precisando de uma criada e vim oferecer os meus serviços. Asseguraram-me que a senhora me receberia com bondade'. - 'Oh, minha querida filha, o que me dizes é muito extraordinário. Esta manhã não precisava de ninguém; só ao cabo de meia hora é que despachei uma doméstica insolente, e não há ninguém no mundo, exceto ela e eu, que o possa saber. Quem vos mandou, então?' - 'Foi um cavalheiro, senhora; um jovem cavalheiro que encontrei na rua, que me mandou vir aqui para este fim, e eu louvei a Deus por isso, porque é-me absolutamente necessário que eu encontre um serviço hoje porque não tenho uma moeda nos bolsos'.
A velha senhora não estava compreendendo quem era a pessoa, e estava perdida em conjecturas, quando a criada, erguendo os olhos para os móveis da pequena sala, viu um retrato. 'Veja, senhora' - disse ela imediatamente - 'não se confunda mais; este é o retrato do jovem cavalheiro que falou comigo. É por causa dele que eu vim'.
A estas palavras, a senhora soltou um grande grito e pareceu perder a consciência. Fez a rapariga repetir a história da sua devoção às almas do Purgatório, da missa da manhã e do seu encontro com o desconhecido; depois, lançando-se sobre o pescoço da rapariga, abraçou-a no meio de uma torrente de lágrimas e lhe disse: 'A partir de agora não serás minha serva; serás a minha filha. É o meu filho, o meu único filho, que viste - o meu filho, morto há dois anos, que deve a ti a sua libertação, e que Deus mandou enviar-te até aqui. Não tenho como duvidar disso. Que sejas, pois, abençoada, e rezemos continuamente por todos aqueles que ainda padecem no limiar da eternidade abençoada'.
Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog