sábado, 21 de maio de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXII)

 

Capítulo XXXII

Razões da Expiação no Purgatório - Pecados de uma Vida de Prazer e de Conforto - Venerável Francisca de Pamplona e o Homem Mundano - Santa Elisabeth da Hungria e a Alma da sua Mãe 

Em nossos dias, há cristãos que são totalmente alheios à cruz e à mortificação de Jesus Cristo. Sua vida adocicada e sensual consiste apenas em uma sequência de prazeres; temem tudo o que é dado ao sacrifício; dificilmente observam as leis restritas do jejum e da abstinência prescritas pela Igreja. Uma vez que não se submetem a nenhuma penitência neste mundo, que reflitam sobre o que lhes será infligido no próximo. É certo que nesta vida mundana não fazem nada além de acumular dívidas. Como se omitem em fazer penitência, nenhuma parte da dívida é paga, e chega-se então a um montante assustador à imaginação. 

A venerável serva de Deus, Francisca de Pamplona, que foi favorecida com diversas visões do Purgatório, certa vez viu um homem mundano que, embora fosse um cristão razoavelmente bom, passou cinquenta e nove anos no Purgatório por causa da sua busca sempre por comodidade e conforto. Outro passou ali trinta e cinco anos pelo mesmo motivo; um terceiro, que tinha uma paixão muito forte pelo jogo, ficou detido nessa prisão por sessenta e quatro anos. Infelizmente esses cristãos imprudentes permitiram que as suas dívidas permanecessem diante de Deus e muitas delas, que poderiam tão facilmente ter pago por obras de penitência, tiveram que ser pagas depois por anos de tortura. 

Se Deus é severo para com os ricos e os que buscam prazeres do mundo, não o será menos para com os príncipes, magistrados, pais e para todos aqueles que têm o encargo das almas e autoridade sobre os outros. Um julgamento particularmente severo, diz Ele mesmo, será para aqueles que governam (Sb 6,6). Laurence Surius relata [na obra Merveilles já citada previamente] como uma ilustre rainha, após sua morte, deu testemunho dessa verdade. Na Vida de Santa Elisabeth, Duquesa da Turíngia, conta-se que esta serva de Deus perdeu a mãe, Gertrudes, Rainha da Hungria, por volta do ano 1220. Com o espírito de uma santa filha cristã, deu abundantes esmolas, redobrou-se em orações e mortificações e esgotou todos os recursos da sua caridade para o alívio dessa querida alma. Mas Deus revelou a ela que isso ainda não era o bastante. 

Uma noite, a  falecida apareceu para ela com um semblante triste e definhado; colocou-se de joelhos ao lado da cama e disse-lhe, chorando: 'Minha filha, você vê a seus pés a sua mãe sobrecarregada de sofrimento. Venho implorar-vos que multipliqueis os vossos sufrágios, para que a Divina Misericórdia me livre dos terríveis tormentos que padeço. Ó quão são dignos de pena aqueles que exercem autoridade sobre os outros... Expio agora as faltas que cometi no trono. Ó minha filha, rogo-te pelas dores que suportei ao trazer-te ao mundo, pelos cuidados e ansiedades que me custou a tua educação, conjuro-te a livrar-me dos meus tormentos'. Elizabeth, profundamente emocionada, levantou-se de imediato e fez, a partir de então, severas penitências físicas, implorando a Deus, entre lágrimas, que tivesse misericórdia da alma de sua mãe, Gertrudes, e que assim rezaria até obter a sua libertação. As suas orações foram ouvidas.

Observemos aqui que, no exemplo anterior, fala-se apenas do caso de uma rainha; quão mais severamente serão julgados e tratados os reis, os magistrados e todos os superiores cuja responsabilidade e influência sobre outros homens são muito maiores!

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)