No início da vida interior, o desejo da alma por Deus ainda é tênue. É um desejo um tanto débil, quase imperceptível. A alma se sente com um desconforto misterioso e suave que não consegue especificar. Ela se sente afetada no seu íntimo e se questiona, pois não compreende claramente. O amor de Deus está trabalhando em seu coração, mas como um fogo que arde sob as cinzas. De vez em quando, uma faísca irrompe e um impulso eleva a alma até Deus. Então tudo se acalma. As sombras envolvem mais uma vez as nervuras da alma, mas sem interromper o fogo que continua latente, devagar, mas ardente. O desejo de Deus aumenta e, aos poucos, vai invadindo toda a alma. E não tarda em se manifestar novamente.
Enquanto isso, esse desejo de Deus não fica inativo. Se pudéssemos penetrar nesta alma, veríamos que este desejo é quem inspira, dirige e vivifica tudo nela. A alma se volta para Deus sem descanso. Ela sempre procura por isso, com uma fome dolorosa, com uma sede excruciante. Como se isso fosse uma doença misteriosa que se alastra sem controle e sem cura, em todos os momentos e que não permite repouso nem de dia e nem de noite. Mesmo quando a alma parece distraída de sua dor por ocupações externas, ela a sente latente no mais íntimo de si mesma.
A ferida é profunda, a ferida está sempre exposta. Como sofremos quando te amamos, ó meu Deus! Mas também quão felizes somos nessa dor! E, por fim, chega um momento em que esse sofrimento torna-se intolerável e acaba explodindo. A alma geme, chora, grita de dor. Transparece, então, que, ao abrir assim o coração, uma lufada de ar fresco viria de fora para abrandar o fogo do seu amor. Mas todos esses esforços apenas aumentam e agravam o seu pesar.
Ela, enfim, compreende claramente que somente Aquele que causou a ferida também poderá ser capaz de curá-la, pois a alma está faminta e somente Ele é o seu alimento. Ela está sedenta e somente Ele é a sua bebida refrescante. Ela é pobre e somente Ele é a sua riqueza. Ela está triste e somente Ele é o seu conforto e alegria. Ela está morrendo e somente Ele é o seu amor e a sua vida: 'Quando verei a face de Deus?' [Sl 42,3]. 'Eu morro porque não morro' [Santa Teresa de Ávila].
(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte II - A Ação de Deus; tradução do autor do blog)