82. OS QUARENTA LEGIONÁRIOS
A famosa Legião Fulminante, junto com outras forças, estava acampada na cidade de Sebaste (na Armênia) quando, por ordem do governador daquela região, o feroz Agrícola, foi lido um edito do imperador Licínio, em que se ordenava aos cristãos que oferecessem sacrifícios aos falsos deuses.
Quarenta daqueles legionários negaram-se a cumprir a ordem do imperador. Conduzidos à presença de Agrícola, responderam aos seus agrados e ameaças dizendo: 'Tu mesmo reconheces que pelejamos heroicamente pelo imperador da terra. Combatemos, todavia, com mais valor pelo do céu'. Entre outros suplícios, quebraram-lhes os dentes com pedras e arrancaram-lhes as carnes com garfos. Finalmente, levaram-nos a um tanque gelado e ali tiveram de passar a noite despidos, no maior frio do inverno.
Junto ao tanque, Agrícola mandou colocar alguns banhos, cuja água, aquecida por braseiros, convidava os mártires a renegar sua fé e a submergir-se nelas. Durante a noite, os guardas adormeceram; só ficou acordada a sentinela. Um dos quarenta cristãos não resistiu à tentação. Gritando que renegava a Cristo, saiu do tanque e submergiu no banho quente; mas aquela mudança de temperatura, por demais rápida, ocasionou-lhe a morte, perdendo, assim, a vida temporal e a eterna.
Em seguida, a sentinela viu um anjo que, descendo do céu, coroava sucessivamente os trinta e nove que haviam permanecido no tanque. Ficou o anjo com uma coroa na mão, parecendo aguardar alguém que substituísse o apóstata. A sentinela, iluminada e movida pelo Espírito Santo, exclamou: 'Eu também sou cristão'. Seus companheiros, que despertaram ao grito, viram-no despir-se e entrar no tanque gelado, onde o anjo o esperava para coroá-lo. Não era cristão, mas recebeu o batismo de sangue.
Ao romper do dia, os guardas quebraram as pernas dos quarenta legionários e recolheram os seus cadáveres num carro para reduzi-los a cinzas. Somente um, o mais moço de todos, chamado Militão, sobrevivera à temperatura glacial e à fratura das pernas. Durante o trajeto para a fogueira, os verdugos exortavam-no a apostatar: 'Ainda podes salvar a tua vida' - diziam a ele - e Agrícola há de te dar muita riqueza'.
Mas a mãe do jovem, que com outros parentes dos mártires acompanhavam o carro, sobrepondo-se ao amor natural que sentia pelo filho, exortava-o a manter-se fiel a Jesus Cristo, dizendo: 'Termina com teus companheiros esta bendita viagem, pois, ainda que sejas o último a chegar no céu, não o serás diante de Deus'. Ressoavam ainda estas palavras e já aquele filho bendito voava para o céu. A festa dos 40 mártires de Sebaste é celebrada no dia 10 de março.
83. SÃO CLEMENTE MARIA
Nasceu São Clemente a 26 de dezembro de 1751 numa aldeazinha da Áustria. Contava sete anos apenas quando perdeu o pai. A mãe, tomando um dia o filhinho pela mão, levou-o à igreja e, diante de um belo e devoto Crucifixo, disse-lhe: 'Meu filho, de hoje em diante teu pai é Jesus; não te apartes jamais do caminho que não seja o dele'.
Esse conselho ficou gravado no coração e na memória de Clemente, servindo-lhe de estímulo nas horas difíceis de sua vida. Depois de ter sido, sucessivamente, aprendiz, eremita, peregrino e estudante, entrou, afinal, na Congregação dos Padres Redentoristas, em Roma, ordenando-se sacerdote, quando já contava 34 anos de idade. Santo Afonso, ouvindo falar dele, disse profeticamente: 'Esse padre fará grandes coisas para a glória de Deus'.
Em favor das crianças pobres e órfãs, saía o santo a esmolar, expondo-se a humilhações e vexames. Sacrificava-se pelo bem das crianças. Saiu, um dia, a esmolar e vendo na varanda de uma casa muitos homens em alegre reunião, julgou que ali receberia um bom auxílio para o orfanato. Aproximando-se modestamente de um daqueles senhores disse-lhe:
➖ Meu amigo, venho pedir-lhe um auxílio para os meus pequenos órfãos.
O homem, nada amigo de padres e ainda menos disposto a dar esmolas, cobriu-o de injúrias e, exaltado ao extremo e com sumo desprezo, escarrou no seu rosto. Clemente, com grande calma e paciência, toma o lenço, limpa o rosto, e diz:
➖ Meu amigo! isto foi para mim; agora dê-me alguma coisa para os meus pequenos órfãos.
Não houve, entre aqueles homens, quem não admirasse a heroica mansidão de Clemente. O próprio ofensor, arrependido, deu-lhe uma boa esmola e tornou-se grande admirador do santo.
Em suas pregações era Clemente bastante original. Havia no lugar, onde pregava, uma velha, mulher do ferreiro da vila, que se contentava com uma única confissão anual. Clemente exortou-a a confessar-se mais vezes, pois não demoraria a comparecer diante de Deus.
➖ Mas, padre, que diria a gente se a mulher do ferreiro fosse confessar-se muitas vezes?
No domingo seguinte, depois de pregar sobre a frequência aos sacramentos, de repente repete o dito pela esposa do ferreiro: 'que diria a gente se a mulher do ferreiro fosse confessar-se muitas vezes?' para, em seguida, indagar a própria que ali se encontrava:
➖ Ó boa 'ferreirinha', o que diria a gente se a 'ferreira' estivesse no inferno?
Uma testemunha de suas pregações dizia: 'Quando pregava, parecia um serafim. Por diversas vezes os numerosos ouvintes não podiam conter as lágrimas nem reprimir os soluços. Como confessor, era extraordinário. Parecia ler as consciências. Uma vez, um moço, logo após o sermão, procurou-o para confessar-se.
➖ Ainda não - respondeu o santo - vem comigo. E conduzindo-o a um quarto, aponta para o Crucifixo e diz: 'Olhe para o Crucificado e converta-se de fato'.
Rosa, aluna de um colégio, estava à morte. Agitava-se e gritava:
➖ O cão preto quer me devorar... o cão preto quer me devorar...
Chamaram a Clemente. Apenas penetrou no quarto, exclamou a menina:
➖O cão preto está fugindo... O cão preto desapareceu...
O santo preparou a jovem para a morte, que não demorou: 'Irmãs' - disse - 'temos agora no céu mais um anjo que rezará por nós'.
Chamado com razão de Apóstolo de Viena e de Propagador Insigne da Congregação Redentorista, após uma atividade estupenda, São Clemente entregou a sua bela alma a Deus no dia 15 de março de 1820, na idade de 69 anos. Foi canonizado a 20 de maio de 1909. Sus festa litúrgica é celebrada no dia 15 de março.
84. SANTA CATARINA DE GÊNOVA
Esta santa, falecida em 1510, não foi santa desde os seus primeiros anos de vida. Nasceu rica, viveu entre as diversões e nos dias de sua mocidade não foi lá muito piedosa, não. Era como tantas de hoje que pensam ser muito santas, só porque vão à missa de preceito e não dão graves escândalos. Casou-se, afinal, com um moço muito rico, o qual de cristão tinha apenas o nome. Isso bem o sabia ela antes de casar-se; mas, como acontece, deixou-se fascinar pelas riquezas, pela elegância e até pelas audácias daquele aventureiro do amor.
E sucedeu o que era de esperar: aquele homem, por causa de sua vida licenciosa, não pôde fazê-la feliz. Enquanto ela, em casa, chorava a sua desgraça, ele, como louco, corria de orgia em orgia. Esquecida de Deus, a pobre mulher maldizia a hora em que se casara com um pervertido como aquele. Menos mal. Morreu o canalha (e dizem que morreu convertido), e a jovem viúva pôde enfim respirar. Buscou ainda a felicidade nas diversões, reuniões barulhentas e nos espetáculos. Tinha uma fome canina de felicidade, e cada dia se sentia mais desgraçada.
Mas certo dia, ouviu uma voz interior que lhe dizia: 'Catarina, só em Deus acharás o verdadeiro amor e a felicidade'. A jovem viúva ficou muito comovida. Parecia-lhe, porém, impossível que a felicidade estivesse escondida atrás das grades de um convento e debaixo de um grosseiro hábito religioso. Não entrava em sua cabeça que o amor pudesse viver no silêncio do claustro e entre cilícios e disciplinas.
Catarina tinha uma irmã que, mais piedosa do que ela, se fizera religiosa e vivia contentíssima no convento. Quantas vezes esta santa religiosa, prostrada aos pés do sacrário, havia pedido a Jesus por aquela sua irmãzinha, que andava pelo mundo tão fútil, tão infeliz! Deus atendeu a sua oração. Um dia Catarina foi visitá-la. Estava triste como nunca a pobre viúva. E ali, no regaço de sua santa irmã, deixou correr lágrimas muito amargas. Disse-lhe: 'Sou uma desgraçada; o mundo é um impostor; o amor não é mais que um egoísmo brutal; não, não aguento mais! quero morrer'.
A santa irmã deixou que ela se desabafasse e, enxugando as lágrimas disse-lhe:
➖ Catarina, parece mentira que andes tão louca e enganada. Já não te disse mil vezes que só Deus é a verdadeira felicidade, que só nele encontrarás o amor puro que não deixa na alma remorsos e desenganos? Deus te chama ao seu amor e tu te empenhas em fazer-te surda às suas vozes amorosas. Resolve-te de uma vez a consagrar-te a Deus e encontrarás a paz e o amor. Faça uma boa confissão e confie na divina misericórdia. Estou certa de que Nosso Senhor há de te fazer feliz.
A dor e os desenganos e, mais que tudo, a própria graça de Deus haviam já preparado o coração de Catarina. Caiu de joelhos diante de uma imagem de Jesus crucificado e chorou amargamente, dizendo: 'Meu Jesus, não quero mais pecar, não quero mais pecar. Jesus, Amor infinito das almas, toma o meu coração. Ele é teu'. E assim, banhada em lágrimas, ajoelhou-se aos pés de um santo confessor. Ali esteve longo tempo. Quando se levantou, já era outra. Ajoelhara-se pecadora e levantara-se santa, porque esse foi o dia de sua definitiva conversão. Daí em diante viveu e morreu como santa. Sua festa litúrgica é celebrada no dia 22 de março.
(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)
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